Nos últimos três anos, a nota mais frequente nos cursos científico-humanísticos do ensino secundário nas escolas privadas foi de 19 valores. Nas escolas públicas, foi de 17. Nesse período, um terço dos alunos dos colégios privados teve 19 ou 20 a todas as disciplinas. Nesses colégios, a nota de 20 valores é a classificação mais frequente em disciplinas como direito, economia C ou aplicações informáticas B. Ou física e química, por exemplo.

Assumamos que a distribuição dos alunos pelas escolas privadas não será aleatória. E que, quer pelos critérios de selecção dos alunos à entrada quer pelos valores das respectivas mensalidades, os alunos dos colégios privados representam uma amostra mais homogénea num determinado ciclo de estudos. E, também por isso, mais susceptível, a priori, de ter melhores notas.

Assumamos, todavia, que esses critérios não implicam, por inerência, que os alunos dos colégios privados serão mais inteligentes. E apesar das escolas privadas terem o privilégio de compor o seu corpo docente e de o ir entrosando numa estratégia integrada de escola, o que não sucede com as escolas públicas, assumamos que não será nem pela qualidade dos alunos nem pelo nível e pelo empenhamento dos seus professores que se justificará uma discrepância tão grande nas notas máximas atribuídas aos melhores alunos num e noutro modos de ensino.

Assumamos, ainda, que os colégios privados, ao contrário do que sucederá com a generalidade do ensino público, investem muito em estratégias personalizadas de resgate das dificuldades circunstanciais dos alunos em relação a uma ou a outra disciplina. Focam-se mais na preparação para os exames nacionais, por exemplo. E apesar do recurso a explicações ser generalizado, de forma preocupante, em todos os ciclos de estudos (nomeadamente, no ensino secundário), sendo maior nos alunos do ensino privado, as probabilidades da conjugação de todos estes factores se tornar menos favorável à obtenção de muito boas notas nos alunos do ensino público poderá ser, claramente, maior.

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Assumamos, finalmente, que, apesar de todos estes pressupostos, será difícil de encontrar uma justificação lógica para que 19 valores seja a nota mais atribuída pelos colégios privados. E que 19 ou 20 a todas as disciplinas seja a nota que mais terá sido atribuída a maioria deles. Mas não deixam de ser um bocadinho estranhos os 17 valores de moda para os alunos do ensino público.

Chegados aqui, será legítimo que se pergunte porque é que continuamos a conviver de forma tão displicente com esta realidade. Não se trata de colocar o ensino privado para um lado e o ensino público para o outro. Até porque as médias não param de subir, para todos. Por mais que seja razoável que se tente entender se alguns destes valores não poderão ser objecto de enviesamentos muito questionáveis. Por exemplo: estes alunos — que têm esta profusão, sempre crescente, de dezanoves e vintes, a todas as disciplinas ou a grande parte delas — não poderão estar a ser objecto duma “publicidade enganosa” em relação ao seu rendimento escolar que, depois, não só não corresponde às notas que eles virão a ter no ensino superior, como não tem muito a ver com os seus desempenhos profissionais? E que custos tem esta “inteligência artificial” toda para a forma como os alunos se vêem diante de si, diante dos outros, e diante dos seus erros e falhanços?

Será que os nossos filhos são mais inteligentes que nós? Será que trabalham mais? Será que se preparam melhor? Ou, apesar de ser um bocadinho assim, não será que estamos todos a alimentar uma inflação muito escorregadia de notas muito altas, como se não parássemos de produzir “sobredotados”? Mas, a ser assim, onde estarão eles aos 25 ou aos 30 anos? E quem ganha com estas notas assim, inflacionadas? Os alunos? Os pais dos alunos? A escola? O futuro?…