“Como arquitecto paisagista, não o incomoda esta monocultura contínua, a perder de vista? Não são eucaliptos a mais? Não será mais importante falar da reestruturação do coberto vegetal, da mudança significativa do padrão que temos em vez de se preocupar com a vegetação rasteira que felizmente sempre existiu e continuará a existir?”.

Fizeram-me esta pergunta, e talvez a minha resposta interesse a mais gente que apenas ao autor da pergunta.

A pergunta parte de um pressuposto que tenho contestado há anos, o de que a minha missão, como arquitecto paisagista, é a de produzir uma paisagem que corresponda aos meus gostos e ao que penso.

Nem quando se desenha um jardim cabe ao projectista impor os seus pontos de vista.

O arquitecto paisagista pode-se recusar a desenhar um jardim em que as árvores sejam plantadas com a raiz para cima, por achar uma opção errada e tecnicamente inviável, mas não deve partir do princípio de que o jardim é feito para si, para as suas necessidades e com base no seu gosto, o jardim serve o seu dono, não o ego do projectista.

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Como dizia frequentemente Caldeira Cabral, embora os gostos não se discutam, a verdade é que se afinam, e cabe ao projectista ter a capacidade para “afinar” os gostos do dono do jardim para que, no fim, o dono do jardim se sinta bem na representação do Paraíso que todos os jardins pretendem ser, mesmo que seja diferente do que no início o dono pensava ser a melhor opção.

Nesse processo, a assinatura do arquitecto paisagista fica marcada no jardim, com certeza, ao ponto de me ser relativamente fácil reconhecer jardins projectados por Viana Barreto ou Ribeiro Telles, e mesmo reconhecer a assinatura de cada um deles no único jardim que os dois projectaram em conjunto, o da Fundação Calouste Gulbenkian.

Não assim com as paisagens que, como as catedrais medievais, são obras colectivas em que o nome do projectista é menos conhecido que as marcas dos canteiros gravadas nas pedras.

Avancemos com uma resposta directa à primeira pergunta, apesar de já ter repetido dezenas de vezes a minha opinião sobre isto: as paisagens de eucaliptal são, para mim, monótonas, feias e hostis, características que são muito potenciadas pela continuidade e extensão da área de eucaliptal.

Esta é a apreciação que faço da qualidade das paisagens de extensões enormes de eucaliptal, sobretudo quando contínuas.

Passemos à segunda pergunta: “Não são eucaliptais a mais?”.

Fazem-me frequentemente esta pergunta e, de maneira geral, não lhe respondo porque não sei responder e porque, mesmo que tivesse uma resposta, a resposta seria, provavelmente, inútil.

Não sei definir qual é a quantidade certa de eucaliptais, portanto não posso saber o que são eucaliptais a mais ou a menos, tal como não sei definir a quantidade certa de campos de batatas, de milheirais, de soutos, de cidades, de vinhas, de campos de golfe, de plantações de abacate, olivais ou amendoais, enfim, de qualquer uso do território, incluindo o que mais área ocupa, os matos.

E qualquer eventual resposta é inútil porque não é possível determinar que qualquer uso do solo ocupe X ou Y área, o uso do solo é uma realidade em constante mutação, variando em função de contextos sociais, económicos e naturais, também eles em constante mutação, não há maneira de determinar externamente usos do solo, a não ser em pequenas áreas cuja gestão é, em geral, assegurada por recursos provenientes de outras fontes de rendimentos.

A pergunta que me interessa, acho útil e a que procuro responder é, por isso, bastante diferente: o que leva tanta gente a tomar opções que acabam no resultado que conhecemos e que, a mim, pessoalmente, me desagrada?

Recentemente, numa sessão pública onde estive, Pedro Pinhão, fundador e CEO da TOSCCA, uma empresa de transformação de pinho, dizia que tinha umas propriedades ali para a zona de Albergaria a Velha/ Sever do Vouga, a zona este ano mais afectada pelos fogos, e apesar de importar 53% (ou 58%, estou a citar de memória) da madeira de pinho que usa na empresa, o que produzia, nessas propriedades, era eucalipto, depois de três tentativas falhadas de produzir pinheiro.

Esta circunstância, aparentemente absurda, é muito fácil de explicar: o padrão de fogo da região, com ciclos de fogo que não devem andar longe da média nacional (12 a 15 anos), é incompatível com a produção de pinho, mas não é incompatível com a produção de eucalipto, apesar das duas espécies terem excelentes produtividades na região.

A adaptação do pinheiro ao fogo consiste na produção de sementes em abundância, visto que a árvore morre no fogo. Para que haja um banco de sementes razoável, é preciso que passem uns vinte anos.

O ciclo produtivo do pinheiro (esquecendo a resina) anda pelos vinte a trinta anos. Se o pinhal é atingido por um fogo antes desse tempo, a produção, em grande medida, perde-se (depende do tamanho das árvores no momento do fogo), o banco de sementes não tem vitalidade para repor a situação anterior e, se se quiser iniciar um novo ciclo produtivo, o investimento em plantação é igual ao inicial.

A adaptação do eucalipto ao fogo (semelhante à das quercíneas quase todas, carvalhos, sobreiros, azinheiras), consiste na rebentação de toiça (a reprodução por semente é residual, embora pareça haver alguma evidência de que poderá haver uma progressiva adaptação do eucalipto que aumenta a viabilidade da sua reprodução por semente).

O ciclo produtivo do eucalipto anda pelos dez a doze anos. Quando há um fogo, há perdas, que consistem em 10 a 20% da perda do material existente, visto que é preciso fazer um descasque rigoroso que elimine todo o vestígio de carvão, há um ano de perda de produção, mas não é necessário reinvestir na plantação, bastando fazer uma selecção da rebentação de varas para que o povoamento volte a estar em produção rapidamente.

Ou seja, para um investidor racional, nas áreas de boa produtividade de eucalipto e pinhal, as opções centrais são o abandono de gestão (o que, nas áreas anteriormente ocupadas por eucalipto, significa a manutenção de eucaliptais sem qualquer interesse produtivo) ou o investimento em eucalipto.

E isso é independente das opiniões de cada um sobre o assunto, das minhas, favoráveis ao mosaico e à diversidade, ou das do dono da TOSCCA, fortemente favoráveis ao aumento da produção de pinho.

Ou se abandona, para estancar os prejuízos, ou se produz eucalipto para manter alguma saúde financeira, ou se fazem outras opções de gestão, em áreas necessariamente limitadas, maioritariamente financiadas por recursos vindos de fora da propriedade, como faz a Montis, uma associação de conservação focada na produção, com certeza deficitária, de biodiversidade.

E, aqui chegados, é tempo de responder à terceira questão: não é mais útil reestruturar o coberto vegetal que gerir biomassa fina?

A paisagem que existe hoje depende da resposta de pessoas comuns a um contexto social e económico que assenta em condições de solo e clima razoavelmente estáveis (à escala temporal do ciclo produtivo).

Sendo certo que o contexto social e económico está sempre em movimento, a presença dos factores naturais essenciais para as decisões de gestão, em especial solo, água e fogo, é relativamente constante, com a notável excepção do fogo que responde rapidamente a alterações de contexto.

A gestão do fogo tem dificuldades enormes, começando pela dificuldade de compreensão da ecologia do fogo, por ser um processo complexo que reage facilmente a alterações de contexto igualmente complexas.

O erro base da terceira pergunta enunciada consiste numa ideia de senso comum que, infelizmente, está errada, a ideia de que o fogo reage à estrutura do coberto florestal e não ao contexto que se define pela quantidade e estrutura dos combustíveis finos.

Alterar de eucaliptos para pinheiros ou carvalhos, ou o que se quiser, não altera o essencial do contexto em que se desenvolve o fogo, um processo ecológico fundamental que tem implicações de gestão muito profundas.

Para tornar claras as implicações de gestão do fogo, deixem-me usar mais um exemplo, apesar do custo que isso tem na enorme extensão deste texto, procurando ilustrar como as melhores opções técnicas podem não ser as melhores opções de gestão.

A exploração comercial de eucalipto, tecnicamente mais evoluída e economicamente mais saudável, tem resultados bastante razoáveis na gestão do fogo, pese embora o facto de haver anos em que as coisas correm muito mal para o sector, como este ano.

Em média, no entanto, conseguem prevalências de fogo que andarão por um quarto da média nacional.

Este resultado é obtido com uma gestão intensiva da biomassa fina, combinada com a existência de uma corporação de bombeiros florestais, privada e profissional.

Repito, em condições excepcionais e geograficamente desfavoráveis para o sector do eucalipto, essa corporação de bombeiros profissionais, especialmente treinados no combate ao fogo florestal, não impede o desastre da perda de produção deste ano, mas talvez tenha limitado alguns dos efeitos mais negativos dos fogos de Setembro (falta-me informação concreta sobre isto).

A generalidade das operações de controlo da biomassa fina é feita com gradagens, uma técnica que tem efeitos negativos na recuperação dos solos, ou com base em químicos, em algumas circunstâncias, uma opção cara, tecnicamente mais delicada e, sobretudo, com efeitos de curto prazo pouco relevantes do ponto de vista dos fogos porque o material fino continua na propriedade, mesmo que morto.

A opção que combinaria melhor as vantagens dos diferentes métodos, era o uso extenso de fogo controlado (associado ou não com pastoreio), que consome os materiais finos, sem efeitos negativos no solo.

O problema é que, operacionalmente, o uso do fogo controlado (e mais ainda o pastoreio) é um quebra-cabeças, pelas poucas janelas de oportunidade, pela burocracia, pela baixa possibilidade planeamento e pelo número de pessoas necessárias para a sua execução, sobretudo se comparada com a simplicidade operacional de uma gradagem em que se sabe perfeitamente que um determinado operador começa numa Segunda-feira concreta e na Sexta-feira seguinte sabe-se quantos hectares ele terá feito.

O que, para a gestão anual de operações em milhares de hectares, é uma grande vantagem operacional e, consequentemente, de gestão.

Mais uma vez, isto é independente das minhas opiniões sobre a paisagem que eu gostaria de encontrar quando vou dar grandes passeios ao Domingo.

Por isso, como arquitecto paisagista que prefere paisagens mais diversas às que encontro nas extensas áreas de produção de eucalipto, o que me interessa é quebrar este ciclo que empurra as pessoas para o abandono, a produção de eucalipto (nas áreas de boa produtividade) ou uma gama limitada de outras opções, quando as condições de solo, clima e fogo são diferentes.

O que me interessa é reforçar a liberdade de cada um fazer as opções de gestão que mais lhe interessam.

Se o que limita essas opções, em parte, é o padrão de fogo, a mim interessa-me ganhar controlo sobre o fogo para permitir abrir o leque de opções de cada um.

Se o que limita essas opções é a insustentabilidade económica da gestão de biomassa fina que nos leva a um padrão de fogo que empurra as pessoas para um leque muito limitado de opções de gestão, o que me interessa é diminuir essa insustentabilidade económica para abrir as opções de gestão das pessoas, o que espero que aumente a diversidade da paisagem.

E por isso tenho insistido em que a sociedade pague directamente aos produtores parte dessa gestão de biomassa fina, pagando cem euros por hectare a quem mantiver a vegetação herbácea e arbustiva do seu terreno abaixo de 50 cm, em média.

É uma proposta com muito poucos apoiantes.

Uma hipótese é ser uma proposta parva, inexequível, etc., resumindo, uma proposta errada.

A outra hipótese é que a quantidade de gente que acredita que uma paisagem diversa resulta mais da decisão livre de pessoas livres condicionadas pelo seu contexto, que da definição centralizada do bem comum, é tão pequena, tão pequena, que a proposta não tem qualquer suporte social, mesmo que esteja certa.

De uma coisa, no entanto, estou absolutamente certo: a minha opinião sobre o que deve ser a paisagem que me rodeia é uma questão irrelevante, a paisagem será sempre o resultado da forma como nos relacionamos com os valores naturais.