A humanidade enfrenta um desafio mundial. Os níveis de prática desportiva (atividade física não estruturada, exercício e desporto) nos EUA diminuíram 32%, estando a redução projetada para ser maior, na ordem dos 46%, até 2030. De 1991 a 2009, as taxas de atividade física da China caíram 45%. Na Europa, o relatório da comissária Navracsics, em Sófia, durante o fórum anual europeu para o desporto, apresentou valores de aumento de inatividade de 42%, em 2014, para 46%, em 2018, estando Portugal na cauda da Europa, com 68%.

A inatividade foi complementarmente agravada pelas medidas de contração da atividade a nível global pela Covid-19, devido ao confinamento ou limitação de prática sistemática em contexto associativo e/ou escolar.

As medidas de mitigação dos efeitos da Covid, com vacina e níveis de imunidade global, podem modificar esta realidade, mas há factos que apontam para uma tendência de profunda disrupção marcada pela Covid, também ao nível do desporto.

O pós-Covid-19 pode originar uma reorientação de valores, tendo como principal preocupação a saúde e bem-estar, mas o apelo social numa era de profundas transformações digitais vai, tendencialmente, provocar uma aceleração da inatividade.

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Alguns factos incontornáveis:

  • A aceleração das experiências imersivas, como resposta ao isolamento social, que tentam conectar o real com o virtual a partir do uso de tecnologias como a realidade aumentada e virtual, assistentes virtuais e máquinas inteligentes (gamificação, e-games, etc.);
  • O teletrabalho;
  • Mudança de residência para perto do local de trabalho, com o receio de novas ondas de contágio;
  • Shopstreaming, vendas pela internet, opção crescente para lojas que até então se valiam apenas do local físico.

Todos estes são fatores potenciadores da inatividade, já de si preocupante, que a par de outros comportamentos associados, como o tabagismo, são responsáveis por mais mortes do que quaisquer outros fatores de risco modificáveis.

A simples existência de políticas ou planos de ação nacionais para a promoção da atividade física, exercício ou atividade desportiva, não garantem a sua funcionalidade se não agirem sobre o elemento humano e seu comportamento.

Neste contexto de disrupção social, urgem soluções inovadoras para tornar as pessoas mais ativas, contribuindo, se possível, para o crescimento económico, enfrentando os desafios societais, devidamente alinhados com as estratégias mundiais neste sector.

A inatividade deve pressupor uma solução que se baseie num plano de ação consensual entre as várias partes interessadas, devidamente focada no ser humano. Mais do que propor políticas avulsas, há que encontrar soluções criativas de acordo com as necessidades, desejos e comportamentos das pessoas que se querem envolver. É necessário entender o que a comunidade deseja para depois se desenhar a arquitetura do projeto, analisando a praticabilidade das ideias e a sua viabilidade, num ecossistema desportivo que vive de inovações.

Um dos principais fatores impulsionadores deste ecossistema inovador é a consciência social, à escala global, de que a prática desportiva deve ser um motor da sustentabilidade e de ecossistemas amigáveis do meio ambiente, porquanto o interesse global no desporto e a cobertura dos media associada fornecem uma plataforma forte para que este setor possa desempenhar um papel exemplar na gestão deste desafio.

O movimento da sustentabilidade crescente no desporto cresceu em linha com a consciência pública sobre a questão das alterações climáticas. As políticas públicas, assim como as organizações (públicas e/ou privadas) que as concretizam devem posicionar-se neste campeonato, em diferentes níveis de intervenção:

  1. Atenção especial aos desafios ecológicos. O impacto do meio ambiente no desporto é mensurável, influenciando a programação de determinados eventos desportivos de acordo com a adequação do clima e do ambiente físico de cada local. O aquecimento global tem um potencial inconfundível de ter um impacto negativo de longo prazo nos desportos em geral e nos desportos de inverno em particular. Isto, num contexto atual contemporâneo, de corporativismo exacerbado, que transformou o modelo de gestão, com especial relevância para o marketing e a promoção, essenciais para o sucesso, motivando a competição entre eventos e organizações que pode não deixar espaço para cooperação, isolando desta equação o meio ambiente.
  2. Integração das práticas da economia circular no desporto. A circularidade do desperdício no desporto (competição, têxtil, manufatura, infraestrutura), assim como no resto da economia, é evidente. Desde modelos usados ou alugados ao nível dos equipamentos, transporte cicloviário, até aos treinos em ginásios e afins, tudo deve ser usado para reciclar ou reaproveitar.
  3. Reconversão energética e desporto. A sustentabilidade depende também da minimização dos consumos de energia nas instalações desportivas, privilegiando as medidas de valorização da eficiência energética, potenciando o uso de energias renováveis, entre outros.
  4. Redução da pegada de carbono no desporto. Resíduos zero na indústria do desporto (têxteis, calçados, equipamentos, manufatura, infraestrutura) serão valorizados pelas pessoas e comunidades. O impacto ambiental dos grandes eventos desportivos pode ser considerável, desde a construção de instalações ao transporte de pessoas, à energia necessária para as instalações de transmissão.
  5. Desportos em ambientes naturais (verdes/azuis). Os eventos desportivos também podem ter um impacto na regeneração de áreas urbanas e promover práticas sustentáveis. Conectar a visão da economia circular ao contexto natural de um determinado desporto é uma forma de reforçar as mensagens. Consciencializar sobre a ameaça da poluição dos espaços aquáticos (rios, lagos, oceanos) através do lixo plástico é uma fonte de projeção para a indústria da moda, por exemplo, com calçados feitos de plástico marinho reciclado, que poderiam ser seguidos pelo setor desportivo.
  6. “Ginásios abertos” (portas abertas) nas cidades e em áreas rurais. Paris está a introduzir o modelo da cidade de 15 minutos, um lugar onde trabalho, escola, entretenimento e outras atividades podem ser realizáveis a 15 minutos a pé de casa. A cidade de 15 minutos exigirá repensar de forma drástica e radical as nossas cidades, com uma possível redução das desigualdades, das viagens de longa distância, com diminuição das emissões de CO2, a poluição do ar e os níveis de ruído.

A pandemia Covid-19 é um sinal de alerta. A crise pode ser uma oportunidade para construir sociedades e cidades melhores e mais sustentáveis. As cidades são centros de inovação e criação de riqueza, mas também focos de poluição atmosférica e sonora, de falta de espaço verde – todos fatores prejudiciais à saúde humana.

Estes e outros fatores são aspetos a considerar, seguindo evidências científicas inequívocas, para os decisores de políticas públicas em geral, bem como as organizações privadas, redirecionarem sua atenção para uma transição estratégica para a promoção da saúde como um bem essencial.

Em vez de se investir tempo e grande quantidade de recursos na restauração do bem-estar físico, mental ou emocional, devem investir-se recursos na promoção de estilos de vida ativos em ambientes saudáveis e de bem-estar, reduzindo assim a incidência, os custos e os efeitos negativos da doença para o indivíduo, para a economia e para a sociedade. A centralidade deverá estar na conjugação da “lente do Desejo”, isto é, o que as populações querem com as soluções através das lentes da praticabilidade e da viabilidade.