Foram publicados os dados mais recentes do Eurobarómetro que evidenciam que 49% dos Europeus não pratica qualquer tipo de exercício. A falência não é imputável ao modelo desporto na Europa (MDE), porquanto os dados mundiais revelam a mesma tendência. Os níveis de prática nos EUA diminuíram 32%, estando a redução projetada para ser maior, na ordem dos 46%, até 2030. Na China, de 1991 a 2009, as taxas de prática caíram 45%. A Europa apresentou valores de aumento de inatividade de 42% em 2014 para 46% em 2018, e 49% em 2021.

Os países com maior nível de prática reportada são a Finlândia (71%), Luxemburgo (63%), Holanda (60%), Dinamarca e a Suécia (59%). Contrariamente, os países com menor nível de prática reportada, além de Portugal (73%), são a Grécia (68%) e a Polónia (65%). No caso de Portugal estes dados denotam, não a falência de um modelo, mas de um sistema de organização para a promoção da prática do exercício.

A gravidade destes dados é ainda maior porquanto não refletem sequer as exigências definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que atesta uma preocupante descoordenação entre os diferentes responsáveis políticos da saúde, educação, juventude e desporto e a inexistência de planos nacionais, regionais ou municipais, exequíveis para reduzir o comportamento sedentário.

A OMS recomenda pelo menos 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada por semana (ou atividade vigorosa equivalente) para todos os adultos e uma média de 60 minutos de atividade física aeróbica moderada por dia para crianças e adolescentes.

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A própria existência de um Programa Nacional de Promoção da Atividade Física (PNPAF) criado em 2016 (Despacho nº 6401/2016), é posta em causa, quer quanto à dependência institucional do programa, Direcção-Geral da Saúde; quer quanto à implementação das recomendações estratégicas (nacionais e internacionais) neste âmbito, especificamente as que dizem respeito aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) de 2030, particularmente: boa saúde e bem-estar (ODS3); cidades e comunidades sustentáveis (ODS11); ação climática (ODS13); assim como Educação de Qualidade (ODS4).

É um facto que a humanidade enfrenta um desafio mundial. A falta de exercício regular constitui um problema de saúde pública, apesar da profusa literatura sobre os benefícios associados. Entre quatro a cinco milhões de mortes por ano poderiam ser evitadas se a população global fosse mais ativa, facto agravado pelas medidas de contração da atividade a nível global decorrente da COVID-19.

Se o objetivo do programa do XXIII Governo constitucional (2022-2026) for para cumprir, a relembrar “(…) colocar o país no lote das quinze nações europeias com cidadãos fisicamente mais ativos, na próxima década”, há que mudar muita coisa. Não há que inventar a roda, quando as boas referências existem, sendo certo que não agir levará ao aumento dos custos com um impacto negativo nos sistemas de saúde, no ambiente, no desenvolvimento económico, bem-estar da comunidade e qualidade de vida.

Qualquer plano de ação requer uma abordagem integrada e sistémica, com a interação adaptativa de múltiplas influências nas oportunidades, permitindo mostrar as oportunidades de ação política de diferentes intervenientes e parceiros para reverter as tendências atuais de inatividade e como elas interagem, a vários níveis. É determinante, ainda, a existência de uma forte liderança, em conjunto com parcerias intergovernamentais e multissetoriais, no sentido de obter uma resposta coordenada e completa de todo o sistema.

Para tornar Portugal numa Nação Desportiva, urge:

Implementar um modelo baseado em três princípios basilares:

  1. Que intervenha em diferentes escalas da administração pública e, acima de tudo, reflita as experiências de sucesso das restantes realidades internacionais, fundamentalmente com o mesmo modelo (MDE);
  2. Que assuma inequivocamente o objetivo nacional a atingir e envolver todos os parceiros neste esforço coletivo, com uma liderança forte e reconhecida e com projetos multissetoriais;
  3. Que defina inequivocamente os objetivos e as diretrizes nacionais, componentes centrais das estruturas de governança, para uma abordagem abrangente e que complementarmente informem sobre o desenvolvimento e as prioridades do planeamento estratégico nacional com a comunicação das informações corretas e de forma adequada aos grupos apropriados de pessoas.

Operacionalização do modelo à ação com vetores e desafios nacionais

A existência de um modelo, de per si, não leva a maiores níveis de prática, mas deve ser encarado como um elemento de uma estrutura política abrangente e usado para informar o planeamento de programas e respostas políticas. É fundamental que o modelo e as diretrizes que daí decorrem sejam divulgadas para públicos-chave, com campanhas nacionais de comunicação sustentadas que levarão a uma maior consciencialização sobre os múltiplos benefícios da atividade física regular e redução de comportamentos sedentários.

Para influenciar a mudança de comportamentos sustentada, a comunicação deve ser apoiada por políticas que criem ambientes de apoio e ofereçam oportunidades para a participação, com desafios aplicáveis à nossa realidade nacional (intervenções políticas recomendadas), mais concretamente nos seguintes quatro desafios estruturais e quinze vetores funcionais:

  1. Desafio 1: Assumir a prática (exercício, a atividade física e desportiva) e o associativismo juvenil enquanto fatores de identidade e afirmação nacional e internacional e criação de valor;
    1. Vetor 1: Refundar a importância do desporto no sistema educativo, desde o pré-escolar, passando pelo 1º ciclo ensino básico, formando gerações competentes, confiantes e cultas desportivamente;
    2. Vetor 2: Reforçar a importância do associativismo de base local e regional e seus agentes (atletas, treinadores, dirigentes) em projetos de desenvolvimento desportivo;
    3. Vetor 3: Investir no enraizamento (inter) geracional de hábitos de prática de exercício e atividade desportiva e de responsabilidade social inclusiva;
    4. Vetor 4: Reforçar o associativismo juvenil, a participação cívica, o compromisso de intervenção social das novas gerações e o empreendedorismo jovem tendo o exercício como base;
    5. Vetor 5: Reforçar os mecanismos de pertença e consciencialização global, no quadro de uma relação mais cosmopolita de Portugal com o mundo;
  2. Desafio 2: Assumir a relevância do desporto enquanto fator gerador de retorno económico (Inovação, empreendedorismo e internacionalização)
    1. Vetor 6: Incentivar a criação de riqueza baseada em Investigação + Desenvolvimento + Inovação (IDI) e estimular a criação de emprego neste cluster de atividade social com relevância económica;
    2. Vetor 7: Aproximar o sistema científico e tecnológico nacional e as organizações desportivas do tecido produtivo e consumidor;
    3. Vetor 8: Animar uma rede de inovação internacional no âmbito do cluster do exercício, atividade desportiva e física com participação de diferentes entidades; instituições académicas (IA), Sistema científico e tecnológico Nacional (SCTN), e organizações desportivas (OD);
    4. Vetor 9: Criar e transformar negócios, arriscando, inovando e empreendendo.
  3. Desafio 3: Reorganização das redes/função institucional
    1. Vetor 10: Reorganizar as redes e suporte do SCTN e a sua ligação aos centros de competência multidesportivos com um reforço da autonomia e dos meios de governação;
    2. Vetor 11: Reorganizar a rede das organizações desportivas Nacionais e a sua missão e função institucional;
    3. Vetor 12: Reforçar a autonomia e os meios de governação das IA/SCTN/OD adequando a estratégia institucional ao quadro de referência nacional e europeu;
    4. Desafio 4: Reorganização das Instalações e equipamentos desportivos
    5. Vetor 13: Identificar todas as instalações/equipamentos desportivos nacionais sejam escolares, de formação e lazer e competição;
    6. Vetor 14: Definição das necessidades quanto às carências, locais, regionais e nacionais, tipologia e pertinência das instalações desportivas, existentes face à estratégia nacional de desenvolvimento desportivo;
    7. Vetor 15: Demolir, reconstruir e construir instalações e equipamentos desportivos face às necessidades e estratégia definidas.

Do modelo, à operacionalização e retroalimentação (observatório)

Não basta a existência de um modelo concetual e respetiva matriz de concretização. É determinante avaliar as mudanças verificadas com base na implementação das recomendações e sobre a prática e o comportamento sedentário, mediante a estruturação de sistemas de vigilância e instrumentos de avaliação.

Urge revisitar o modelo de observatório existente, com a participação das organizações desportivas, do sistema científico e tecnológico nacional e instituições do ensino superior, do sistema nacional de saúde, das associações de classe, que teria entre outros os seguintes objetivos:

  1. Recolher, tratar e analisar dados quantitativos e qualitativos, relevantes, direta e indiretamente para a compreensão das diferentes formas de participação na prática do exercício e atividade desportiva;
  2. Promover estudos com vista à compreensão das causas e das dinâmicas e processos socioculturais e psicossociais que estão associados à participação no exercício e atividade desportiva; e
  3. Construir conhecimento que permita monitorizar o fenómeno ao longo do tempo, avaliar políticas e realizar comparações internacionais.

A informação produzida e organizada neste observatório constituiria uma base para o apoio eficiente à tomada de decisão, bem como informar e apoiar políticas e recomendações de instâncias internacionais.

Apela-se aos responsáveis que definitivamente assumam o exercício e a atividade desportiva como uma prioridade e desígnio nacionais, não pelo desporto, mas pelas pessoas.