Este artigo relata factos noticiados ou secundados na legislação (portuguesa/UE), tece alguns comentários e finaliza com uma sugestão. A cronologia remonta apenas às recentes décadas, período em que ocorreu o último resgate financeiro, o que dá para perceber como chegámos à situação atual.

1º Ato: “Construir um aeroporto na margem Sul, jamais

Esta frase foi proferida em 2007 pelo ministro da tutela, defensor de uma solução na margem Norte (Ota), a qual já então concentrava à volta de 90% dos passageiros aéreos.

2º Ato: CT Alcochete 4 – Ota 3

Em 2008, José Sócrates anunciou que, na sequência de uma avaliação multicritério efetuada pelo LNEC, a alternativa CT Alcochete ia avançar. Na Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), ganha à justa, comparavam-se apenas duas soluções de raiz igualmente distantes de Lisboa e transferiu-se para outros projetos o encargo com acessórias, mas indispensáveis, obras. De uma assentada i) anulava-se o peso da distância ao centro, o fator crítico para um aeroporto com maioria de tráfego “short break”, ii) retirava-se da equação a ponte rodoferroviária Chelas-Barreiro, sem a qual CT Alcochete não podia operar (Ota não precisava) e, também, iii) o custo da nova pista que BA Montijo precisava (fecho da pista em uso por conflituar com as pistas de CT Alcochete).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Assim, a metodologia de seleção levou a que o melhor classificado de um destino de turismo “short break” com competidores diretos (Madrid e Barcelona) com aeroportos a 10km do centro, fosse CT Alcochete, por ferrovia a 55km do centro e cujo custo não incorporava cerca de três mil milhões de euros.

3º Ato: Afinal não éramos ricos… Troika aterra em Portugal e CT Alcochete passa a miragem

O contrato de concessão indica as especificações mínimas para o NAL (Novo Aeroporto de Lisboa), admite alternativas da concessionária e, também, do concedente no caso da solução da primeira não ser satisfatória. O contrato cinge-se a princípios/condições, referindo as Bases Aéreas como possíveis alternativas. Em nenhuma página do contrato, nem sequer em letras pequeninas, se refere a BA Montijo como escolha. Por isso, a concessionária encomendou um estudo à empresa Eurocontrol para avaliar qual das pistas existentes nas BAs de Alverca, Montijo e Sintra poderia, em conjunto com a Portela, atingir a capacidade de 72mov/h, estudo que padecia à nascença de uma desconformidade – o contrato especificava 90 mov/h – e era redutor ao circunscrever o estudo às pistas existentes.

4º Ato: Montijo, Montijo… Não há plano B

Sob a batuta da ANA-Vinci, só se falou de Montijo e de que não havia plano B, apesar da alargada contestação técnico-ambiental a esta localização.

Qual será a razão de nunca se ter feito uma AAE à solução global ANA-Vinci (reforço Portela + Montijo-complementar)? Será que se desconhecia a obrigatoriedade legal? E que um parcial Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Montijo (só 25% do tráfego) não chegava?

5º Ato: Começar pelo princípio e não pelo fim: aprovação pela Assembleia da República de uma AAE ao conjunto de uma solução (dual ou una)

Uma AAE assegura uma visão estratégica e sustentável através da integração das considerações biofísicas, económicas, sociais e políticas relevantes e da consideração de todas as alternativas credíveis (advogada-geral J. Kokkot numa ação contra Portugal – processo Nº C-239/04).

Ora, em primeiro lugar, o Governo estreitou a escolha a três alternativas mutuamente exclusivas e, mais recentemente, o mesmo Governo acabou por “chumbar” as três antes de haver AAE! Refira-se que os candidatos à Câmara de Lisboa já tinham concordado, uns mais explicitamente que outros, mas todos concordaram, que Portela-principal não era viável porque iria afetar ainda mais os já castigados habitantes de Lisboa. Quanto à hipótese Montijo-principal, bastava ir ao google maps para se perceber que era irrealista. Agora, o Governo reconheceu-o. Quanto à solução de Alcochete alone, só pela demora na sua execução, antevia-se que não sobrevivesse. Novamente, o Governo acabou por o reconhecer, ao aditar outra solução de sua lavra, Montijo intercalar e CT Alcochete definitivo.

6º Ato: O inimaginável aconteceu. O episódio do despacho sobre o aeroporto de Lisboa e da sua anulação

Próximo Ato: Como desatar o nó górdio?

Como e a quem entregar a tarefa AAE é a questão que se coloca antes de tudo o mais. Como base de partida, todas as alternativas conhecidas devem ser incluídas, mas revisitadas à luz do conhecimento atual pois já passaram quinze anos desde a última AAE, só com duas longínquas soluções de raiz no âmbito de ANA-pública. A escolha das soluções para ida à AAE deve, desta vez, ficar ao cuidado da Assembleia da República, a entidade que, por votação, a fez avançar.

Quanto à tarefa de execução da AAE, devem ficar de fora entidades que, de um ou outro modo ou forma, estiveram relacionadas e/ou se manifestaram a favor ou contra qualquer das soluções, o que uma empresa internacional de inquestionável saber técnico parecia assegurar, mas se não vier a ser ela, o crucial continua a ser a garantia da rigorosa imparcialidade da entidade responsável pela tarefa.

A transparência do processo, mais a garantia para a sociedade, agora através da Assembleia da República, de que, desta vez, as alternativas de raiz razoavelmente credíveis do passado (necessariamente reformuladas), e as alternativas de ampliação entretanto formalizadas (com Montijo na margem Sul, de ANA-Vinci, e com Alverca na margem Norte, de um grupo autónomo-independente de técnicos), serão todas consideradas e, por fim, a certeza da imparcialidade na decisão levará a uma pronta aceitação do resultado.

Há que não repetir os erros e as anomalias do passado. A falta de rigor e a exclusão de alternativas razoavelmente credíveis, sob o pretexto da pressa, deu o resultado que está à vista.