A maior antítese das férias de verão seria passá-las a pensar no trabalho, tal como a maior antítese de trabalhar seria fazê-lo a pensar constantemente nas férias de verão, mas então porque fazemos esta última com tanta frequência? Porque almejamos tanto as férias? Será por não sermos felizes a trabalhar?

O filósofo e poeta Agostinho da Silva dizia que “o Homem não nasce para trabalhar, nasce parar criar, para ser o tal poeta à solta”. Agostinho da Silva era dono de um pensamento muito próprio, e equiparou a liberdade do capitalismo à do cão preso de dia e solto à noite. Por mais utópicas que tenham sido as suas ideias, não devemos esquecê-las, porque há nelas uma verdade que recusamos ver durante quase todos os 365 dias do ano.

Para muitas pessoas, as férias de verão são o único momento do ano em que o pôr do sol não é apenas um sol que se põe. Sem as horas que parecem uma prisão e os suspiros de desespero porque o dia nunca mais chega ao fim, o fenómeno do pôr do sol volta a ganhar uma beleza caída no esquecimento, essa coisa a que chamamos “coisas simples”. Em grande parte dos dias da nossa vida esquecemo-nos da existência das coisas simples. E o problema das coisas simples é que se as esquecermos elas não se lembram de nós. As coisas simples enterram-se-nos no fundo do ser, apanham mofo e bolor como as paredes abandonadas para as quais já ninguém olha. As coisas simples ficam assustadoramente complexas e sem graça no meio da azáfama dos dias de trabalho. E no meio dos destroços das coisas simples, nascem essas coisas complexas como a ansiedade, a depressão, o stress, o burnout. Essas palavras complicadas que descrevem tão bem a vida de tantos adultos.

Se há quem apenas seja feliz no verão, onde é que falhámos enquanto sociedade? Que mundo é este em que deixámos que a felicidade e a tranquilidade fossem tão curtas e efémeras? O nosso valor, cada vez mais, está associado ao trabalho que fazemos, aos nossos “canudos” académicos, aos nossos postos de trabalho, ao prestígio do nosso emprego. O problema de associar o nosso valor a partes tão superficiais do nosso ser prende-se com a crença de que não valemos nada sem estes adereços. Mas se os transformamos em metáforas, não passam de um bom relógio ou de um par de brincos, mas demos-lhe valor suficiente para tomarem conta da nossa vida e para sugarem o valor que achamos que temos.

Vivemos na sociedade do “devo e tenho”. Em psicologia, chamamos a isto as “crenças condicionais”. Uma espécie de mundo obscuro onde impomos constantemente condições a nós próprios para sermos mais e melhores. Achamos que temos de fazer tudo, de estar em todo o lado, de ser tantas pessoas, de atingir tantas metas. O resultado: o desespero cada vez mais aguçado, porque no final parece que é impossível alcançar o objectivo impossível que traçámos para nós próprios.

Seremos cães presos? Muitas vezes somos, mas nem sempre apenas pelo capitalismo ou pela ditadura do trabalho. Muitas vezes somos cães presos pelas nossas próprias crenças, pelas ditaduras que construímos para nós, dentro das nossas cabeças. O mundo avançou a uma velocidade abissal, mas, por vezes, ainda é escolha nossa saltar fora do barco e acenar de fora. Estamos sempre com a sensação de que estamos a perder alguma coisa, não é? É verdade que ninguém espera por nós, as notícias são 24 horas por dia; um email chega num segundo e nós temos a necessidade de o verificar a todo o momento; há sempre alguém melhor que nós que nos pode passar a perna. Mas que fiquem as notícias por ler, que fiquem os emails por responder, que nos passem a perna, mas que não fique a nossa vida por viver. Eu sei que parece cliché, mas no fundo não é.

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