Na América, chamam “baby boomers” às gerações nascidas entre 1944 e 1964, quando o pós-guerra inspirou uma procriação intensa. Este ano, os últimos baby boomers entram na casa dos 50. O humorista P. J. O’Rourke pôs muita gente a falar disso com o seu livro The Baby Boom. A propósito desta cauda de pelotão das mais numerosas gerações da história do Ocidente, os comentários dividem-se. Como classificá-la? A mais “mimada” geração de todos os tempos? Ou, simplesmente, a mais “afortunada”?
A ideia de sorte parece justificada: esta foi a primeira geração em muitas décadas que não passou por guerras de serviço militar obrigatório, como ainda aconteceu aos mais velhos “baby boomers” no Vietname. Nasceu em famílias cheias de atenções, como recomendava o Dr. Spock, e numa cultura permissiva perante os caprichos adolescentes. A maior parte da sua vida adulta, viveu-a numa época de revolução tecnológica, abertura de mercados e longo crescimento económico, entre a crise de 1981 e a recessão de 2008. Habituou-se a ter o mundo à disposição de um click ou de um voo barato.
Tudo isto são generalizações. As gerações são sempre as gerações de uma certa pessoa ou de um certo grupo, não de todas as pessoas nem de todos os grupos. Mas significam alguma coisa. O que diríamos, se projectássemos esta ideia americana dos “baby boomers” em Portugal?
Fomos (vou-me incluir) os primeiros a crescer depois da ditadura, e também os primeiros que não passámos por esquerdismos juvenis. A democracia, a mudança estrutural da economia e a generalização da educação desligaram-nos dos destinos e dos preconceitos dos nossos avós. Esta foi uma geração de indivíduos que, em geral, puderam pensar em termos de si próprios, do que queriam fazer ou do que os seus méritos justificavam. As mulheres deixaram de encarar a vida simplesmente em termos de casamento. Foi uma geração para quem, pelo menos em certo momento da sua existência, tudo pareceu possível.
Apanhámos o ajustamento de 1983-1984 à saída do liceu, nas universidades ou no primeiro emprego, mas o “cavaquismo” veio logo a seguir, com a segunda vaga de grande prosperidade do século XX português, e quando se acabou, tivemos o crédito barato do euro. Ainda ouvimos histórias de escassez rural, mas o campo, para a maioria de nós, já foi apenas lugar de férias, a competir com a praia. A “integração” de 1986 acabou por nos fazer sentir “europeus”, numa Europa que já não era o centro do mundo, mas que por isso mesmo não concebia outra missão a não ser a do seu próprio bem estar. Nunca suportámos o “fardo” de Kipling.
Quando chegou a crise do euro, já estávamos instalados. É verdade: também podíamos falar de desvantagens. Ao contrário dos filhos únicos de hoje, esses sim verdadeiramente mimados, ainda tivemos de partilhar as atenções da família com um ou dois irmãos. Ao contrário dos reformados de agora, pagamos impostos pesados sem saber se teremos pensões. Mas muito do que lamentamos é, de facto, o reverso da nossa sorte: não estamos “presos” em casamentos ou em aldeias, mas as nossas relações são mais efémeras e os nossos bairros mais solitários; somos proprietários de muita coisa, mas também mais endividados.
A nossa mais peculiar característica talvez seja esta: um estranho complexo de juniores. Vivemos até agora com os mais velhos à frente, na família, na profissão, na vida pública. Os nossos pais, mais próximos de nós do que eles próprios estiveram dos pais deles, continuam prontos a dar ajuda e opiniões. Os primeiros “baby boomers”, aqueles que têm mais vinte anos do que nós, ocuparam muito cedo as chefias disto e daquilo, graças à revolução de 25 de Abril. Foram sempre eles a decidir, mas também eles a tomar as responsabilidades. A dúvida desta geração talvez seja esta: ao festejar os 50 anos, vai finalmente liderar, ou simplesmente dar lugar aos mais novos? A geração mais afortunada da história será, também, a sua geração mais demissionária?