Portugal anda de novo preocupado com a insustentabilidade das pensões. O quadro que se perfila no horizonte é negro. Para além disso, todos reconhecem sem dificuldade que o problema é indissociável da enorme queda da natalidade registada nas últimas décadas. Todavia, a inteligência nacional não é capaz de notar que, desde 2007, o aborto riscou do mapa cidades inteiras.

O tema deve ser encarado de frente e a legislação deve ser alterada. É asfixiante o silêncio que se abateu – contra toda a evidência – sobre a questão do aborto e a sua relação inequívoca com a questão populacional.

Recentemente o Público juntava em páginas contíguas as maravilhas da medicina nacional, que conseguia trazer à luz do dia um bebé nascido de uma mãe em morte cerebral com aprovação ética geral, e a notícia de que em 2018 se verificara uma redução no número de abortos voluntários para algo mais do que 15.000 (uma cifra já andou perto de 20.000 em anos anteriores), Não é difícil calcular que foram eliminadas desde então mais de 170.000 crianças. Qualquer coisa como a população de uma cidade como Almada, ou Setúbal. Crianças que teriam hoje entre zero e 12 anos. Tendo em conta que o número anual de nados vivos em Portugal tem sido de cerca de 85.000, o desastre é de vinte por cento das gravidezes. Uma hecatombe!

A alteração da lei do aborto poderá não chegar para resolver o problema deste suicídio demográfico. Mas não será a imigração que o vai resolver.

O Rei antinatalista vai, obviamente, nu! A lei da interrupção voluntária da gravidez precisa de ser alterada e removida a facilitação que foi atribuída a esta prática, apoiada com os recursos dos contribuintes.

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As famílias numerosas devem ser apoiadas. Têm que ser ampliados os magros incentivos actuais, designadamente com benefícios fiscais e um estatuto favorável em áreas fundamentais como o acesso à habitação, os consumos de água, electricidade, gás, etc.

No rescaldo do referendo de 2007 ganho pelo sim (mas não vinculativo, tal como o de 1998 – ganho pelo não) a regulamentação do governo do primeiro ministro José Sócrates excedeu-se em promover, mais do que em despenalizar, a prática do aborto. À mulher grávida não é sequer mostrada a ecografia do bebé, não vá ela reconsiderar e arrepender-se de levar a decisão por diante.

O que todos entendiam ser um mal que seria “apenas” despenalizado, ganhou foros de direito inalienável. Só a menção de que a legislação em vigor deve ser aletrada leva os apoiantes do aborto a rasgar as vestes. Mas não se verte uma lágrima pelas crianças eliminadas, nem pelo país que fica sem elas. Muito menos pelas chagas que ficam abertas no coração das mães que, no silêncio, sabem que eram seus filhos.

Causas como esta mostram bem que as fracturas civilizacionais radicais, frequentemente tratadas como apêndices laterais relativamente aos “grandes” temas económico-financeiros, são na realidade questões estruturantes da nossa vida social. São parte essencial das políticas públicas, como fica claro com o problema das pensões, do envelhecimento populacional e da regressão demográfica.

São indispensáveis apoios à mulher grávida, bem como às famílias numerosas e é necessário remover a facilitação do aborto. É preciso reverter a obsessão antinatalista. Não é uma questão menor, nem partidária. É uma questão nacional.

Médico