O Dr. Passos Coelho fez mal, muito mal, ao ter sido transmissor de uma informação errada e que não tinha podido confirmar. Pior, o erro, porque falou de causas de morte não certificadas como tal e até teria sido relativamente fácil confirmar essa informação. Temos um dos mais avançados e seguros sistemas de registo de óbitos em tempo real no mundo, o SICO, implementado durante o primeiro Governo de que Passos Coelho foi Primeiro-Ministro. As desculpas foram apresentadas, sem subterfúgios, e o causador do erro e do incómodo, o Provedor de uma Santa Casa local, logo avançou com explicações e a assunção de responsabilidades. O Dr. Passos Coelho já não é PM. Mas pediu desculpa porque sabe, soube logo, que tinha procedido de forma errada e susceptível de gerar alarme público. De outros, agora no Governo, nunca ouvimos desculpas. São estilos.

Indignaram-se cidadãos, comentadores e a comunicação social com o engano do Dr. Passos Coelho. Nada de novo. Já nos habituámos a que o líder da oposição seja mais escrutinado do que o Governo. Compreende-se. O Governo goza de uma cobertura mediática favorável, só agora posta em causa, de que nunca outro Governo, em democracia, gozou. Percebe-se. Nunca tínhamos tido um Governo apoiado por Comunistas desde que há democracia parlamentar plena.

Falar de suicídio exige cautelas especiais. Diria que falar da morte, em geral, exige sempre muito cuidado. Já, anteriormente, condenei a leviandade, até de governantes agora em exercício, quando se apressaram a ligar mortalidade inesperada a “cortes cegos” ou a “austeridade”. Agora que são “austeros” já não o fazem, certamente. Mas convirá lembrar de que entre 2012, no pico da crise social, financeira e económica que se vivia, e 2016, tivemos títulos como, “Crise e Suicídio andam de mãos dadas”, “Mortes por suicídio e agressão aumentaram em 2012”, “Suicídio mata mais do que acidentes de viação”, “Crise aumenta número de suicídios em Portugal”, “Três suicídios por dia em Portugal”, noticiavam-se suicídios de famílias inteiras e, como é tragicamente hábito em alguma imprensa de costumes, nunca faltaram notícias de suicídios ou tentativas, muitas vezes falsas, de figuras mais ou menos públicas.

A verdade é que a proporção de mortes por suicídio, entre todas as causas de morte, não aumentou entre 2007 e 2013, sendo o valor de 2014, 0,2% mais alto do que em anos anteriores, igual ao de 2004. Em 2015 voltou à percentagem de 2007 a 2013, 1% de todas as causas de morte. Portugal tem valores historicamente baixos de suicídios registados e só se poderão fazer comparações com 10 anos de SICO, pelo menos. Os suicídios até poderão ter aumentado, em números brutos, em alguns dos anos da crise, mas ainda não sabemos se foi mesmo assim ou se houve apenas mudança de classificação na causa de morte. Ainda menos sabemos se é possível estabelecer ligações de causalidade, avaliados os casos, com determinantes sociais. Por exemplo, houve quem enfaticamente tenha escrito que os suicídios, em Portugal, estariam ligados ao desempego, quando o maior número de suicídios registados aconteceu com maiores de 65 anos.

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O aproveitamento político das mortes é recorrente. Houve um Eurodeputado do PS, nessa altura na AR, que escreveu um artigo de jornal em que comparava o aumento da mortalidade infantil em 2012, de apenas umas décimas, ao equivalente ao número de mortes – foram 43 – registadas num acidente com um autocarro e acusando o Governo de nada fazer para contrariar essa mortalidade excessiva, obviamente, relacionada com os “cortes”. Não me lembro de ler nenhuma indignação na comunicação social sobre este disparate epidemiológico, ainda mais quando a mortalidade infantil em Portugal era, desde há anos, muito baixa e assim continuou. Nos anos da crise, depois do assomo do Senhor Deputado, a mortalidade infantil teve valores que até desceram mas, com estatísticas de números baixos, as flutuações em torno de uma linha basal são a regra. A mortalidade até ao 1º ano de vida, a infantil, foi de 3,1/1000 em 2011 e de 3,4/1000 em 2012. Mais 0,3/1000. O mesmo aumento que se verificou de 2015, quando foi de 2,9/1000, para 2016, com 3,2/1000. Ninguém do PSD ou CDS se lembrou de escrever que a mortalidade infantil estaria a crescer por causa da austeridade de esquerda e, em 2016, a austeridade no SNS foi bem maior do que nos piores anos da crise.

Um grupo de colegas meus, muito estimáveis e certamente competentes, todos da esquerda mais dura, chegou a anunciar, que iria fazer uma queixa no Ministério Público quando houve um pico de mortalidade estival, em 2013, como é normal todos os anos em que há excesso de calor. Será que os 64 mortos dos fogos justificariam acção semelhante destes médicos? Ou, sendo um desastre natural, tão natural como a mortalidade excessiva de idosos nos verões quentes e na sequência de baixa mortalidade invernal, já não merece reparo?

O Dr. Passos Coelho fez mal e já pediu desculpa. Foi enganado, mas assumiu a responsabilidade de ter feito eco de dados errados. Talvez este infeliz deslize sirva para que os políticos, jornaleiros e jornalistas passem a ter mais cuidado e respeito, daqui para a frente, quando comentarem mortes, não apenas as auto-infligidas.