As crianças não nascem iguais. Não têm nem pais nem famílias iguais. Não têm histórias, referências e educações iguais. Não crescem iguais! Mas as crianças não precisam de ser iguais. E a escola não devia servir para tornar as crianças iguais diante de tudo aquilo que elas aprendem. Mas para sentir as suas diferenças. E, sem esperar que lá cheguem pelos mesmos caminhos, fazer questão que aprendam um conjunto de conhecimentos mais ou menos iguais. Sem deixar de aceitar que aquilo que elas fazem com eles não as torna nem melhores nem piores umas que as outras. Mas lapida as suas diferenças. Que, no final de tudo, é o que elas têm de mais igual entre si.
Mas há cada vez mais uma onda supremacista na escola que é preocupante. E, devagarinho, a maneira como as crianças se separam pelos lugares de onde vêm, por aquilo que têm ou pelo que são tem-se tornado maior. Separando-as ente si. Dando lugar a uma hostilidade entre elas que tem vindo a gerar uma espécie de bullying sem nódoas negras. Que se organiza desde muito cedo. Por vezes, mesmo no contexto do jardim de infância! Que é orquestrado por pequenos grupos de crianças. Uma, como “líder”. Assumindo, “regra geral”, uma atitude “sonsa” e manipuladora. Duas ou três como os seus “escudeiros”. Mas, em conjunto, magoando, de forma repetida, crianças mais sensíveis, mais crédulas e mais ingénuas que tenham ali ao lado. Pela forma como as ignoram, como as “cancelam”, como as excluem ou ridicularizam. Simplesmente porque são “diferentes”. Só não se entende nem a distracção nem a passividade das escolas a lidar com esta “praga”. Nem a forma complacente com que os pais convivem com ela.
Ora, uma coisa é tratarmos todas as crianças como “princesa” ou “campeão”. Outra, diferente, é não reconhecermos que, por mais que amemos os nossos filhos, seja na matemática como no português, na educação física como na música, seja por fora e, por vezes, por dentro, (felizmente!) há sempre outras crianças melhores. Felizmente porque a diferença lhes traz humildade, admiração, competitividade e ambição. E lhes aviva o desejo de serem melhores. Ao mesmo tempo que os ajuda a perceber que serem bons (boas pessoas, bons filhos, honestos ou capazes) e terem de ser os melhores não é bem a mesma coisa.
Por isso, não se entende que passemos a vida a repetir que os nosso filhos, façam o que fizerem, têm (!) que ser bons naquilo que vierem a fazer. Num tom que sugere que esperamos que estejam entre os melhores. Seremos nós, por acaso, assim em tudo o que fazemos? Não! Mas parecemos estar sempre a colocar sobre eles a responsabilidade de nos alimentarem a vaidade de sermos bons como pais. Traduzida naquilo que eles conquistem.
É esta forma muito egocêntrica que alimentamos no seu crescimento, e o modo como depositamos sobre eles a responsabilidade de nos acariciarem o nosso “ego” de pais, que faz com que, depois, na relação uns com os outros, eles procurem mais a supremacia que a superação. Nem que para serem “bons” desqualifiquem, magoem ou excluam os outros. Como se superação e supremacia casassem bem.
Às vezes, distraímo-nos para aquilo que devem ser as tarefas essenciais do crescimento de uma criança. A sua primeira tarefa é ser criança. Depois, é ser bem educada e boa pessoa. A seguir, ser capaz de olhar com olhos de ver, de escutar, de imaginar e de falar. Para que aprenda a admirar. E, finalmente, seja capaz de pensar. Conquistar o que quer que seja sem nada disto não é uma prova de superação. É um exercício de supremacia. É andarmos a alimentar nos nossos filhos a ideia de que, para existirem, têm de ser bons, de dar nas vistas ou de serem “os melhores”. E isso faz com que, desde muito cedo, cresçam uns contra os outros. Alimentando a ideia que se cresce para se grande, poderoso ou “dominador”. E muito pouco para ir aprendendo a crescer. E isso, desculpem, não é crescer.