Porto, abril de 2021.
A data, acima, é relevante. Estamos em 2021. Do século XXI passaram já 20 anos, vamos na terceira década. Construímos carros que se deslocam sem condutor e até modificamos o genoma humano para combater doenças específicas, mas ainda não conseguimos consenso na implementação de um modelo de desenvolvimento global capaz, que evite o caminho para a perdição que diligentemente percorremos, qual capuchinho vermelho a caminho de casa da avó depois do encontro com o lobo na floresta.
O primeiro passo é, creio, reconhecer o problema. A etimologia do nome da nossa era geológica dá uma pista. Devido às alterações que os humanos estão a operar no clima e na biodiversidade do planeta, os especialistas debatem a nossa entrada no Antropoceno (do grego anthropos, que significa humano, e kainos, que significa novo — termo cunhado nos anos 80 pelo biólogo norte-americano Eugene Stroemer e popularizado no ano 2000 pelo químico holandês e prémio Nobel da Química, Paul Crutzen), uma nova época geológica que sucede ao Holoceno, o período com temperaturas mais quentes que se seguiu à última glaciação. O início desta nova era foi, para alguns, a Revolução Industrial, enquanto outros julgam-no mais próximo dos nossos dias, principiando no final da Segunda Guerra Mundial. O que é relativamente consensual é que o impacto humano no planeta é indelével e permanente, merecedor até de uma denominação geológica própria, e que os desafios que colocamos a nós mesmos do ponto de vista da sustentabilidade, primeiro de forma inconsciente, mas de há bastantes anos a esta parte de modo absolutamente consciente, devem ser devidamente enfrentados e resolvidos.
O estatístico britânico George E. P. Box disse um dia que “todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Os modelos económicos que utilizamos nos últimos 100 anos, errados pois claro, foram responsáveis por nos darem visões conceptuais fundamentais para o progresso sem precedentes operado no campo no desenvolvimento humano – com implicações positivas em termos de saúde e bem-estar – à escala mundial. Como bem documenta Hans Rosling, no seu célebre livro Factfulness, o mundo está, de facto, muito melhor do que a maioria das pessoas empiricamente julga, e as melhorias foram imensas nos últimos séculos, analisadas sob quase todos os pontos de vista.
Isto não significa, claro, que não existam problemas que carecem da nossa atenção. Os modelos económicos foram desenvolvidos em tempos onde os recursos naturais eram imensos, não existiam preocupações ambientais e ecológicas (com o meio ambiente em si e com a interação humana com o meio ambiente) e os fatores resumiam-se a capital e trabalho. Não se tinham em linha de conta os impactos que existiam decorrentes da produção ou consumo dos bens; ainda hoje, por vezes, não se tem em consideração esses impactos, embora se assista a uma crescente consciencialização coletiva, fruto da maior informação e conhecimento disponível e da velocidade a que circulam. Em linguagem económica, estamos na presença de Externalidades. Externalidades ocorrem quando as ações de um agente tornam pior ou melhor a situação de outros agentes, sem que, contudo, o agente suporte os custos ou seja compensado pelos benefícios que gera para os outros. Atualmente, as externalidades geradas pela atividade económica estão, conforme referido, a ficar cada vez mais claras para a população em geral. Fenómenos climáticos extremos são cada vez mais comuns, assistimos a uma deterioração avassaladora na biosfera e a relação entre estes eventos e a atividade humana é evidente.
Este “despertar” de consciência coletiva oferece às empresas um risco acrescido na sua atividade. Não importa apenas o produto ou serviço que se entrega. A forma como foi produzido e os subprodutos da produção podem forçar a uma internalização das externalidades, ou seja, a ter em linha de conta nas decisões de produção e investimento, não só os custos económicos, mas incorporar também os efeitos ambientais e sociais que tais decisões vão originar.
Eis-nos então no Desafio da Sustentabilidade. Sustentabilidade é o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades, garantindo o equilíbrio entre o crescimento económico, o cuidado com o ambiente e o bem-estar social”, conforme referiu, em 1987, a Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas.
Hoje em dia, a sustentabilidade é um tema central na agenda das ciências sociais, como a Economia, a Sociologia ou a Ciência Política. O problema que se coloca para as empresas (e também, de certa forma, para a sociedade) é o de como mudar o modelo conceptual existente, que coloca a tónica no curto prazo e fundamentalmente nos shareholders (os acionistas da empresa), para uma visão mais holística, de longo prazo e que abranja todas as partes interessadas (ou stakeholders em inglês, o conjunto dos agentes que são impactados pelas atividades da empresa: funcionários, clientes, fornecedores, acionistas, etc.).
No clássico da literatura “O Leopardo”, o Príncipe de Falconeri sentenciava que “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Do ponto de vista do desafio da sustentabilidade, para as empresas é preciso mudar e mudar efetivamente. É necessário analisar e debater as operações, objetivos e modelos de negócio das empresas para acomodar as aspirações e expectativas das partes interessadas, internas e externas. A mudança deverá ser real e não apenas nominal ou aparente. Estará em causa o exame e eventual alteração do propósito da empresa, que pode levar a mudanças consideráveis nos processos de definição estratégica e de decisões sobre crescimento, investimento e alocação de recursos, uma vez que essas resoluções devem passar a ser feitas em benefício não apenas dos acionistas, mas de uma multiplicidade de stakeholders, sujeitando as diferentes alternativas a uma avaliação que vá além dos parâmetros de rentabilidade económica, considerando também o impacto social e ambiental provocados. Mesmo ao nível do governance, o sistema de condutas e regras relativo ao exercício da direção e controlo da empresa, existe a necessidade de revisão, que pode passar pela composição e função do conselho de administração à análise de todas as funções chave da empresa. O desafio da sustentabilidade, para ser eficazmente superado pelas empresas, requer mudanças fundamentais na essência da organização, na sua cultura organizacional, consubstanciada nos seus valores, crenças, hábitos, nas disposições emocionais e motivações dos seus membros.
O desafio está longe de ser trivial. Há, essencialmente, duas razões principais que importa resolver: por um lado, a questão motivacional para a superação do desafio em si, uma vez que este implica alterações profundas e que obrigam a uma análise cuidada da empresa a todos os níveis, a uma desconstrução do seu ADN empresarial para posterior recombinação segundo uma nova visão de sustentabilidade – tarefa exaustiva e ambiciosa, mas também extremamente motivadora – e, por outro, um segundo tópico que tem que ver com a (in)capacidade da visão de longo prazo na tomada de decisão, com o facto de os gestores colocarem demasiado peso nas consequências de curto prazo das resoluções que tomam, peso que fica a faltar na visão de longo prazo que as consequências dessas resoluções originam.
O caminho faz-se caminhando, ou na sua versão espanhola e mais erudita, “Se hace camino al andar”. O reconhecimento por parte das empresas do seu papel social e ambiental para além da criação de valor económico e de curto prazo, e a mobilização para esta realidade, será um primeiro passo crucial no caminho para a sustentabilidade global do planeta, e, sem dúvida, para a própria sustentabilidade das empresas.