Em 1974, Arthur Laffer, um economista americano, desenhou (diz-se que originalmente num guardanapo) aquela que ficou a ser conhecida como a “curva de Laffer”. Simplificando o que já por si é bastante simples, a curva de Laffer é uma representação gráfica entre a taxa de imposto e a receita tributária total. Contendo no eixo horizontal a taxa de imposto e no eixo vertical a receita cobrada através de impostos, a curva apresenta-se como uma “lomba” que parte do zero (quando a taxa de imposto é de 0% e a cobrança de imposto correspondente é de 0 euros) e chega novamente a zero (o que acontece se a taxa de imposto for de 100%, com os indivíduos a escolher não trabalhar porque tudo o que ganhariam seria pago como imposto – sem trabalho não há rendimento e sem rendimento não há encaixe de imposto). Existirá entre estes dois pontos um máximo de cobrança de impostos ótimo, a que corresponderá uma dada taxa de imposto global ótima. A ideia subjacente, que Laffer realçou, foi a de que se os impostos forem muito altos – o que corresponde a uma taxa de imposto à direita da taxa de imposto ótimo – desencorajarão a prossecução de parte das atividades tributadas (como trabalho e investimento) e esse recuo na realização dessas atividades vai ter como efeito o de reduzir a receita tributária total arrecadada. A teoria é criticada por ser demasiado simplista e por ignorar que o aumento da receita do governo por via da cobrança de impostos nem sempre é o ideal e desejável, mas, por outro lado, a sua simplicidade faz com que seja fácil de perceber. Constitui, assim, um bom ponto de partida para debater a relação entre a taxa de imposto e a base que se pretende tributar, em como essa taxa de imposto é uma decisão eminentemente política onde múltiplos pares taxa/receita são admissíveis em diferentes contextos económicos e sociais, e que se não se tiver em atenção o nível geral da taxa, acaba-se também por afetar a base.

Em Portugal deve estar para breve, já próximos dias, portanto, o Dia da Libertação de Impostos. Este é o dia simbólico no calendário, a partir do qual os contribuintes portugueses deixam de trabalhar para pagar impostos. Em 2020, de acordo com a Deloitte, foram necessários 177 dias para que as famílias e empresas saldassem as suas contas com o Fisco e a Segurança Social, mais 11 do que em 2019, que por sua vez se tinham mantido em relação a 2018. O conceito, adaptado dos EUA, associa uma certa ideia de alívio à libertação do pagamento dos impostos e uma análise superficial dir-nos-ia precisamente isso. Há, contudo, que raciocinar um pouco mais e perceber que pensar constantemente em “Quanto” muitas vezes nos inibe de aprofundar o “Como”, no que diz respeito aos impostos. Tão importante como questionar “Quanto pago de impostos?” será refletir em “Como são gastos os meus impostos?”, e, em consequência, exigir um pouco mais de bom senso e competência na aplicação dos mesmos.

A exigência será aqui a palavra-chave. É sobejamente conhecido, no campo da pedagogia, o efeito que as expectativas dos pais têm nos resultados escolares dos filhos. Diversas teses académicas demonstram a relação positiva entre expectativas e resultados e a importância que a definição de altas expectativas para os filhos terá nos seus resultados escolares futuros – os alunos cujos pais têm melhores expectativas obtêm consistentemente notas mais altas e persistem mais tempo na escola por comparação àqueles cujos pais têm expectativas relativamente mais baixas.

A ideia que se pretende enfatizar é que, na Educação, altas expectativas parecem promover bons resultados. No que concerne ao pagamento de impostos, provavelmente deveríamos seguir esta via, ou seja, procurar ter melhores expectativas relativamente ao que será feito do pecúlio dos nossos impostos. Afinal, são os impostos que todos pagamos que financiam a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, os serviços de segurança e todos os demais serviços públicos, importantíssimos para o desenvolvimento da sociedade. A expectativa antecederá a exigência. Expectar mais, levará a questionarmo-nos, por exemplo, se com o que o Estado coleta não se conseguiria fazer mais. Ou, por outro lado, se para fazer o que faz, não poderia coletar um pouco menos, libertando capital para o crescimento do rendimento disponível de famílias e empresas (que paradoxalmente poderia até aumentar a coleta fiscal total, segundo Laffer).

Uma citação erradamente atribuída a George Orwell (é desmentida a autoria da mesma como sendo do escritor britânico aqui) mas nem por isso menos interessante, refere que “people that elect corrupt politicians, imposters, thieves and traitors are not victims, but accomplices” (em português, povo que elege políticos corruptos, impostores, ladrões e traidores não é vítima, mas cúmplice). A frase apresenta, porventura de um modo talvez demasiado duro, o nosso ponto atual. Não elegemos, por sistema, corruptos e ladrões (ainda que por vezes o façamos). A nossa tendência mais irritante a este nível é precisamente a da criação e manutenção de fracas expectativas – juntamente com a persistência no erro. Assalta-me, de alguns anos a esta parte, a ideia que de votamos – que é o modo civilizado de substituir lideranças que nos desagradam por outras que julgamos melhores – como quem é de um clube de futebol.

Se alguém é portista/ benfiquista/ sportinguista/ vitoriano/ boavisteiro, etc., em princípio sê-lo-á para sempre, independentemente dos resultados. E não está mal, afinal é apenas futebol. Mas para cumprir-se Portugal, como dizia Fernando Pessoa, é necessário, em primeiro lugar, mais expectativa e depois, mais exigência. Isso demanda pensar um pouco sobre o nosso destino como povo e país, e exigir mais a quem entregamos o comando do mesmo. Façamo-lo, agora que o futebol nacional vai parar uns tempos.

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