O mundo acordou nos últimos três meses para aquilo descrito por Nicholas Taleb como cisne negro: primeiro, porque a sua ocorrência é um outlier face ao panorama das expectativas até aí existentes; segundo, porque tem um impacto extremo nas nossas vidas; e terceiro, porque depois deste acontecimento, não faltam modelos para explicar a sua ocorrência à posteriori.

Ora, tirar conclusões sobre o impacto de um evento tão extremo enquanto este ocorre acarreta enormes riscos. Cada palavra escrita aumenta a probabilidade de produzir equívocos, sobretudo quando não se é virologista e não se conhecem em detalhe os sistemas de saúde dos países afectados. O mais sensato é deixar as questões específicas sobre a resposta à pandemia para os especialistas.

Contudo, num período de extrema incerteza, em que centenas de milhões de pessoas temem não apenas pela sua saúde, mas também pelos impactos económicos que este fenómeno terá nas suas vidas, olhar para o passado é a melhor maneira de encararmos o futuro.

No encontro do Fórum Económico Mundial de Davos em 2016, o Professor Ian Goldin, comparou os desafios e oportunidades do nosso tempo, com aqueles vividos durante o Renascimento. De acordo com este, quando Leonardo da Vinci escreveu que “perspectiva é o guia e o caminho, e sem ela nada pode ser bem feito”, o artista vivia tempos de mudança extrema como os nossos.

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Primeiro, poucos anos antes do nascimento de Leonardo, Gutenberg tinha adaptado a já existente prensa de forma a permitir imprimir textos de forma massiva, exponenciando a transmissão de informação no velho continente. Esta invenção teve um efeito semelhante ao que hoje vivemos com a partilha de dados nas redes sociais e com novas formas de comunicação digital.

Segundo, porque actualmente também existe um clima de paz generalizado entre os grandes Estados. O século XV foi marcado pelo fim da Guerra dos Cem Anos e pelo pacto de não-agressão entre as principais cidades do Norte de Itália. De igual forma, os últimos trinta anos desde a queda da URSS têm sido pautados por um entendimento geral entre as potências mundiais, como é exemplo a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001. Este tipo de enquadramento permite libertar capital de actividades bélicas e investir na criação de novas tecnologias que estão na base de inúmeras descobertas científicas.

E terceiro, porque habitamos um mundo em que as fortíssimas interligações globais, amplificam riscos locais e tornam difícil a antecipação de novas ameaças.

Quando em 1495 a Liga de Veneza se uniu para expulsar as tropas de Carlos VIII da Península Itálica, este embate teve um efeito muito mais nefasto que os milhares de mortos no campo de batalha. Após o fim da guerra, médicos italianos repararam pela primeira vez numa doença com efeitos até aí desconhecidos, nomeadamente nos órgãos sexuais dos sobreviventes. Esta enfermidade teria ali chegado vinda da América, trazida por missionários que participaram na expedição de Colombo e que combateram ao lado dos franceses de Carlos VIII. Poucos meses mais tarde, a sífilis espalhou-se por toda a Europa, tornando-se de seguida numa epidemia global com milhões de infectados em todo o planeta.

Hoje, as reacções em cadeia são idênticas, mas bastante mais velozes, e o que separa o nosso lar de um mercado em Wuhan é uma distância que se percorre em menos de três meses de vida normal.

Apesar de ser difícil ter uma perspectiva positiva quando a nossa vida é ameaçada, ou pensar nos benefícios de longo-prazo quando as instituições supranacionais falam numa crise maior que em 2008, é preciso ecoar os apelos de especialistas como o Prémio Nobel da Química Michael Levitt, para sabermos que no grande alinhamento das coisas, no futuro estaremos bem.

No plano da saúde, a nossa resposta colectiva ao COVID-19 foi a mais rápida de sempre a um surto. Em cerca de um mês, cientistas chineses identificaram e partilharam a sequência do genoma do vírus e a colaboração transfronteiriça atinge números sem precedentes, colocando-nos mais perto de encontrar uma solução para o problema. Por isso, a única questão que hoje se coloca é “quando”, e não “se”, a vamos encontrar.

No plano económico, vislumbram-se pequenas luzes no horizonte. A Harvard Business Review aconselhou as empresas a seguirem os exemplos das suas congéneres chinesas e a preparem-se para uma recuperação mais rápida do que o esperado. Apenas seis semanas após o início do surto, a actividade económica daquele país dá sinais de retoma, com as transacções imobiliárias a subirem de 1% face a 2019 durante o pico viral, para valores de 47% face ao ano anterior.

De igual forma, a equipa do Imperial College London que tem estado na vanguarda do estudo da pandemia, vê indicadores de que o levantamento das políticas de rigoroso distanciamento social implementadas na China não está a causar o reaparecimento do surto, e que o recomeço da actividade económica não tem causado novos focos significativos de infecção. Ou seja, parece que a saúde e a economia não precisam obrigatoriamente de ser uma dicotomia.

Assim, tão importante quanto difundirmos imagens das ruas vazias de Itália, é mostrarmos o tecto da Capela Sistina para nos lembrarmos da nossa capacidade quase divina de superar as adversidades.

Se a discussão sobre a maneira como devemos sair desta crise, ou quão profunda ela será, deve ser deixada aos especialistas, aos outros, resta-nos usar estes espaços para reforçarmos a certeza de que como sempre aconteceu ao longo da nossa história, sairemos desta pandemia muito mais fortes do que no momento em que nela entramos.

Duarte Gouveia é licenciado em Economia pelo Nova School of Business and Economics e Mestre em Gestão pelo Imperial College London. Trabalhou no Grupo Alibaba em Singapura e foi Blue Book da Comissão Europeia em Bruxelas. Hoje é administrador de empresas nas áreas de gestão de activos, indústria automóvel, construção marítima e turismo.

 

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.