O fim de 2020 e o aparecimento de dados mais fidedignos sobre a resistência de cada país ao choque económico provocado pela atual pandemia são uma ocasião única para refletir sobre os diversos percursos feitos por cada nação nas últimas décadas e uma oportunidade ímpar para muitas fazerem um grande reset na maneira como se posicionaram estrategicamente até hoje. Isto, porque a prestação económica de cada país, em 2020, e as respetivas recuperações nos anos posteriores são mais um reflexo da forma como estes foram desenhados, do que como os seus atuais governantes reagiram perante a emergência sanitária.

Um bom ponto de partida para análise, de forma imparcial, das diferentes economias mundiais é através da comparação dos dados produzidos pelo Fundo Monetário Internacional (IMF) e pelo Fórum Económico Mundial (WEF), dado as duas entidades terem uma escala global, estarem sediadas em lados opostos do Atlântico e uma ser financiada por dinheiro público e a outra, maioritariamente, por fundos privados.

A primeira conclusão que podemos tirar ao examinarmos o World Economic Outlook de Outubro do IMF é que, apesar do mundo estar a passar por uma recessão global em 2020, irá conseguir, enquanto planeta, recuperar os níveis de produção pré-pandemia até ao final de 2021. Contudo, a análise deste dado de forma isolada pode ser bastante enganadora. É que, de acordo com os critérios económicos/geográficos de agregação do Fundo, apenas um grupo de nações estará melhor no fim do próximo ano do que no início deste: a Emerging and Developing Asia. Aliás, vale a pena apreciar a extraordinária prestação económica da China e do Vietname, que passarão por 2020 com crescimento económico positivo e irão disparar no próximo ano, com previsões de crescimento de 8,2% e 6,7%, respetivamente.

Os demais grupos, a saber, as Advanced Economies (onde se incluem os EUA, a Zona Euro, o Reino Unido, o Canadá ou Japão), a Developing Europe, a Latin America and Caribbean, o Middle East and Central Asia e África estarão todos pior no final do próximo ano do que estavam no início de 2020.

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O dado mais alarmante reside na manifesta falta de resiliência das economias avançadas do Ocidente, por ser o grupo onde se encontram os países que têm sido o motor do crescimento económico global dos últimos cinco séculos.

Esta decadência do Ocidente não se iniciou com a crise pandémica, tornou-se apenas mais evidente. O historiador económico Niall Ferguson publicou, em 2013, um ensaio chamado The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die. Nele, é defendido que o Ocidente está a perder a sua hegemonia económica porque as instituições que a providenciaram estão a degenerar: Democracia, Estado de Direito, Capitalismo e Sociedade Civil.

A primeira está corrompida, porque se quebrou o contrato entre gerações. Os eleitores de hoje querem viver melhor à conta das gerações vindouras, ou daqueles demasiado novos para votar – e os políticos ocidentais sabem disso.

O aumento estrondoso de dívida pública no Ocidente não é mais do que esta transferência temporal de qualidade de vida, do futuro para o presente, e que estrangulará a capacidade de crescimento das próximas gerações através de impostos (não tomando em linha de conta a possível alteração de paradigma fiscal, preconizada por Olivier Blanchard).

Quanto à segunda, o Estado de Direito, é uma instituição de resolução de conflitos que deveria servir a sociedade, mas deixou de produzir veredictos de forma eficiente e, hoje, só serve os seus intervenientes. Muitas empresas e negócios perdem os seus timings e falham, porque ficam presos em discussões intermináveis, nas quais, no fim, perdem todos.

A terceira instituição, o Capitalismo – e a liberdade económica –, está a ser destruída no Ocidente pelo excesso de regulação. A iniciativa privada está asfixiada pela burocracia e a intromissão do Estado na vida económica dos privados é uma constante, tendo este deixado de exercer o papel de espectador atento para passar a desempenhar o de ator principal.

Por último, assistimos ao desaparecimento da Sociedade Civil, o derradeiro contrapeso à existência omnipresente do Estado. A pertença a associações ou a clubes está em declínio no Ocidente, enfraquecendo a capacidade dos privados de intervir na vida da sociedade, ficando qualquer alteração a esta nas mãos do Estado e dos que o representam. Os ocidentais pertencem cada vez menos a organizações apartidárias e sem fins lucrativos – como o Fórum Económico Mundial – e, por isso, a sociedade civil tem um papel cada vez menos ativo.

Ao olharmos para os dados produzidos deste lado do Atlântico, o WEF corrobora a tese de que o Ocidente, composto pela Europe and North America, já não era, antes da crise pandémica, a região mais competitiva do mundo – e o seu destino, no durante e pós-Covid, já estava traçado.

Um leitor atento poderá encontrar uma aparente contradição entre as instituições de Ferguson e os países integrantes da Emerging and Developing Asia do IMF. Com efeito, nem a China, nem os ASEAN-5 (Vietname, a Tailândia, a Malásia, Singapura e Indonésia) são exemplos de sociedades nas quais (todas) aquelas se encontrem.

Apenas uma delas – o Capitalismo, enquanto economia de mercado – é comum, e assim poderá ser que o fator mais importante seja a liberdade de iniciativa económica, podendo os outros ser marginalizados, desde que o primeiro prevaleça.

Outra justificação poderá ser que todos aqueles países irão a prazo colapsar e apenas estamos a ver a sua prestação a meio do percurso – ilusão semelhante à que o prémio Nobel da Economia Paul Samuelson teve, quando previu que a URSS ultrapassaria economicamente os Estados Unidos.

Mas a resposta poderá estar na simples mudança de perspetiva. Ou seja, o fator determinante nesta comparação regional não é o quão extraordinário é o crescimento da Developing and Emerging Asia (temporário ou não), mas sim o quão extraordinária é a estagnação do Ocidente.

Portugal encaixa plenamente no quadro acima descrito. Membro tanto das Advanced Economies do IMF como da Europe and North America do WEF, Portugal é, per capita, mais rico do que a China e a maioria dos ASEAN-5, mas encontra-se absolutamente estagnado há duas décadas.

Efetivamente democrático, trocou, com a concordância do eleitorado, o bem-estar das gerações passadas e presentes, pela amputação de qualquer ambição das gerações futuras.

Apesar de ser um Estado de Direito, a justiça não responde em tempo útil às necessidades da sociedade e a liberdade de iniciativa económica ou qualquer laivo de Capitalismo são guilhotinados pela interminável burocracia, pela presença estatal e pela carga fiscal insustentáveis. De igual forma, a Sociedade Civil tem cada vez menos peso em Portugal, pois são raros aqueles que efetivamente vivem à margem do Estado e agem livremente, mesmo em segmentos que o deveriam ser e fazer, como os media ou as empresas.

Os resultados estão à vista: o PIB per capita português a preços constantes terminará 2020 a níveis de 2000. E este declínio não se verifica apenas nas ditas classes trabalhadoras. Se utilizarmos o PSI20 – índice das 20 ações com maior liquidez cotadas na bolsa de Lisboa – como um estimador da evolução da riqueza do capital português, dado que deveria demonstrar o melhor da economia nacional, este revela uma perda de valor de cerca de 58% entre o início de 2000 e o dia de hoje. Ou seja, nem os grandes interesses económicos escapam a este declínio.

Portugal viveu 48 anos numa ditadura de Direita, que falhou em assegurar prosperidade a todos os portugueses. Contudo, vive hoje numa democracia a caminho de uma sociedade socialista, que nos últimos 20 anos foi incapaz de produzir qualquer tipo de crescimento económico e oportunidade para os seus cidadãos. Ambos revelaram ser modelos falhados.

A solução para Portugal, enquanto país ocidental, passará pela implementação de um modelo liberal e de rejeição ideológica, tanto de extrema-esquerda, como de extrema-direita, modelos que já deveriam ter desaparecido da vida dos portugueses há muito, mas que, para grande pesar nosso, teimam em permanecer.

Portugal já é mais pobre do que a República Checa, a Eslovénia, a Lituânia e a Estónia. Países que, há 30 anos, depuseram ditaduras e escolheram o caminho da liberdade económica. Com 15 anos de avanço e a mesma oportunidade, Portugal falhou no segundo passo e o estado atual é prova disso.

Provavelmente, a resposta para tal desígnio estará na falta de verdadeira vontade de independência económica dos portugueses, pois só tal facto justificará a performance do país nos últimos dois séculos, independentemente dos regimes que o governaram.

Duarte Gouveia é licenciado em Economia pela Nova School of Business and Economics e Mestre em Gestão pelo Imperial College London. Trabalhou no Grupo Alibaba em Singapura e foi Blue Book da Comissão Europeia em Bruxelas. Hoje é administrador de empresas nas áreas de gestão de ativos, indústria automóvel, construção marítima e concessões.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.