Na antevéspera do Natal ficámos a saber que haveria nem mais nem menos que três companhias aéreas e três fundos interessados na aquisição parcial da TAP.
Não admira nada porque, antes da pandemia, a nossa caríssima companhia aérea, além de não ter recebido quaisquer subsídios desde 1995, tinha conseguido renovar integralmente a frota por forma a poder adicionar 40 voos semanais para os EUA aos voos para o Brasil e para África, 70 por semana cada.
A TAP transportava em 2019 mais de dois terços dos passageiros que viajavam entre o Brasil e a Europa, o que não pode deixar de merecer a nossa admiração se considerarmos que nenhum dos governos que tivemos nos últimos cinquenta anos, desde que se reconheceu a necessidade, foi capaz de mandar construir um aeroporto central definitivo que a habilitasse a tirar pleno partido da posição geográfica do nosso país e da nossa herança histórica.
Nem mesmo agora, quando vamos receber mais de 60 mil milhões de euros a fundo perdido entre 2021 e 2027 a título de saldos não gastos do quadro orçamental comunitário anterior, do quadro actual e do apoio à recuperação pós-pandemia, uma pequena parte dos quais seria porém mais que suficiente para financiar a construção dum aeroporto para 50 milhões de passageiros nos 7,5 mil hectares que o estado tem no Campo de Tiro de Alcochete, e respetiva travessia ferroviária entre o Barreiro e Chelas.
Em vez disso, o antigo bloco central parece preferir o triplo financiamento dum eixo ferroviário de alta velocidade para nos ligar ao resto do continente europeu, dum aeroporto para voos low cost nos mil hectares que o estado tem na Base Aérea do Montijo e da expansão do aeroporto eternamente provisório na Portela, cujos 650 hectares há muito que deveriam ter sido re-afetados em proveito da mancha urbana que o cerca por todos os lados.
Todavia, se o destino da TAP e a construção dum novo aeroporto central em Alcochete fossem, como deviam ir, a referendo nacional é muito provável que os eleitores optassem não por ter uma companhia aérea nacional parcialmente detida por um mastodonte aéreo europeu mas por continuar a ter uma empresa aérea integralmente pública tão só com a dimensão suficiente para assegurar a coesão nacional e, tirando partido da nossa posição e da nossa história através dum grande aeroporto, a manutenção das nossas relações com os outros EM da CPLP e com a nossa diáspora.
Ou seja, é muito provável que optassem não pela grandeza na dependência mas pela moderação na liberdade.
É pois uma pena que a TAP tenha sido obrigada a passar por um processo de reestruturação que a CE não impôs a nenhuma outra companhia aérea subsidiada por causa da pandemia, apenas para não se contradizer a narrativa segundo a qual estava falida antes da pandemia, o que nunca esteve apesar dos prejuízos acumulados pela VEM – a empresa de manutenção que a TAP comprou aos credores da VARIG numa espécie de compensação por dela ter herdado as primeiras rotas para a Europa e sobretudo o excelente CEO Fernando Pinto.
Processo esse que agora a obrigará a abrir mão de quase 7 mil voos por ano a favor de companhias aéreas low cost cujo negócio está, por óbvias razões ambientais, condenado, as mesmas que reivindicam estridentemente a construção dum aeroporto sem futuro no Montijo.
Contudo, a TAP e um NAL em Alcochete são os dois pulmões dum serviço público crucial para a nossa autonomia estratégica os quais deveriam por isso ser conservados integralmente na esfera do estado enquanto não tivéssemos empresas portuguesas com músculo para o substituírem.
E com responsáveis ao leme selecionados por concurso internacional mas submetidos a um contrato leonino e a um modelo de governação que preservasse as duas empresas, tanto quanto possível, da intromissão política.
Não há de facto razão atendível para que o caminho seguido para preservar a nossa autonomia estratégica no sector bancário, através da manutenção duma CGD integralmente pública com um terço do crédito concedido anualmente à economia, não seja aplicável a um sector tão crucial como o das nossas relações aéreas com o hemisfério americano e os continentes africano e asiático.
Sobretudo tendo em atenção que neste século tanto a TAP como a ANA não precisaram nunca de ajudas públicas em tempos normais, bem pelo contrário, sendo pois injustificável que queiramos entregar a acionistas estrangeiros a primeira e manter em mãos estrangeiras a segunda.
Ao contrário do que a ideologia liberal nos quer continuar a fazer crer, a nacionalidade dos acionistas, sobretudo no caso de empresas que produzem bens ou serviços públicos, com impacto relevante na autonomia estratégica nacional, não é indiferente, porque a prosperidade, assim como a democracia, não existe em abstrato mas no seio duma comunidade nacional, e portanto é incontornavelmente interdependente do estado-nação.
O Estado deve assim, perante a recusa obstinada do proprietário estrangeiro em fazê-lo, apesar de só entre 2013 e 2017 ter acumulado resultados líquidos de 1,2 mil milhões de euros, reverter a privatização da ANA e usar uma pequena parte dos 60 mil milhões de euros que vai receber da UE a fundo perdido até 2027 para construir, em Alcochete, um NAL para 50 milhões de passageiros, que uma ANA de novo pública não terá qualquer dificuldade em reembolsar, como estava previsto antes da malfadada privatização.
E não deve nunca mais voltar a privatizar a TAP, nem mesmo parcialmente, pois está mais do que demonstrado que seria sempre uma empresa viável ainda que operasse apenas no universo da CPLP e da nossa diáspora e que sê-lo-á ainda mais se além disso contribuir para transportar turistas qualificados interessados na fruição pessoal e familiar do nosso património cultural e natural.