Incontornável não voltar a esta questão. Mais ainda depois de Ariana Grande e do ocorrido em Manchester com mais de 20 mortos. Na Grécia não estaremos a falar do mesmo campeonato, julgo eu. Não escrevo para relatar ou descrever ou pronunciar o que seja sobre o sucedido no UK mas, antes, sob a forma de proposta que será, obviamente, criticada e comentada como impossível e despropositada e, quiçá até, inaceitável de como devemos gerir a crise proveniente do terrorismo. Sim, a crise. E sim, as crises gerem-se.

Isto porque deve haver pelo menos algumas pessoas no mundo, ou só talvez um ingénuo como eu, que olha o que se faz e fez na gestão destes casos como uma gestão pouco interessante. Pouco edificante. Pouco construtiva. Pouco civilizada. E sobretudo conduzindo a poucos resultados. Senão vejamos.

Como primeiro passo penso que é necessário ponderar algumas das práticas das empresas e estrear a sua aplicação aos países. As empresas aprenderam a gerir crises. Os países não aprenderam a gerir crises ou tê-lo-ão esquecido. Ou, talvez melhor, os países não sabem gerir este tipo de crises. Deste modo e com algumas ilações para o que acontece com empresas procuram-se, numa breve nota, alguns princípios que possam ser basilares a todos os países neste combate ao terrorismo e às jihad islâmicas. Mais concretamente, 10 princípios para ser um número redondo.

Assim, se os países fossem empresas e se fossem um pouco geridos como empresas haveria um conjunto de tópicos a cobrir e que pareceriam mais ou menos óbvios e que estão na génese da boa gestão das crises empresariais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

1 – Formar pessoas em gestão de crise. Não tenho conhecimento sobre se há programas internacionais nos vários países, nomeadamente europeus, sobre gestão de crise mas deveriam ser um must. Nas “ciências” das polícias e dos exércitos, bem como dos profissionais de saúde e dos cidadãos comuns, para além, obviamente, dos políticos, deveria ser obrigatória a formação em gestão de crise. Cursos breves que vão desde primeiros socorros aos passos típicos de gestão de crises e da comunicação e atuação na gestão de crise. Desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de formação de pessoas em gestão de crise.

2 – Incentivar os governos dos vários países onde acontecem ataques destes a pedir desculpa às populações e famílias. E, se for caso disso, a demitirem-se assumindo responsabilidades. E os incentivos a que se demitam devem vir dos opinion makers, dos jornalistas e das populações. As desculpas, essas, devem vir pelo que não conseguiram fazer. Juntem-se às condolências e às putativas lágrimas os pedidos de desculpa pela inépcia e pela incapacidade de vigiar e de deixar acontecer. Numa crise e numa empresa existem clientes e stakeholders vários. Nos países idem. Não me recordo de ter visto um primeiro-ministro ou um presidente da república a assumir a responsabilidade por tais atos como sendo sua. Tal como é saudável a um CEO fazê-lo se se tratasse de uma empresa. Mais, nas empresas e perante crises há CEO’s que caem. E há CEO’s que têm que ser “convidados” a sair. Nos países, e por ilação, os políticos responsáveis deveriam cair. A pasta da administração interna é, deverá ser, como mínimo, a visada. E se o estrondo for grande um primeiro-ministro ou um presidente da república devem colocar a cabeça no cepo. Porquê? Porque se trata de uma responsabilidade sua assegurar a segurança num território e no país onde foram eleitos. Não estão os políticos preparados para o efeito? Estejam. Não têm programas nesse sentido? Tenham. Os governantes são os representantes e responsáveis últimos de um país e se forem efetivamente responsáveis terão que assumir as consequências. Atos destes precisam de responsabilização e de consequências.

3 – Redirecionar as forças armadas para a administração interna. Todos os muitos trabalhos de treino e os muitos tempos perdidos, por terra, por mar e por ar, bem como os esforços muitas vezes no vazio, devem ser direcionados para a administração interna. Há recursos inaproveitados – muitos – e há militares que devem ser aproveitados – muitos – para o combate ao terrorismo. As polícias não chegam e serão sempre poucas. Estamos em guerra e em guerra há um exército que deve direcionar meios, pessoas, conhecimentos para esta área. Cabe aos governos e presidências fazer acontecer essa realidade tutelando as forças armadas. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de reorientação de esforços dos exércitos “mais convencionais”.

4 – Repor a ordem do dia-a-dia e repetir o espetáculo, a circulação, a normalidade. Não há recalls com atos de terrorismo. Mas há reposições e repetições. Os governos deverão pugnar por instaurar o mais breve possível a ordem no local (e não será por permanente elevação do nível de segurança ou alerta ao máximo; julgo que este estado de coisas ilustra bem o caso de “trancas à porta depois do assalto”; torna-se fundamental repor ordem rápido pois depois do ato praticado nada mais acontecerá a não ser horas e horas de televisão desnecessárias onde nada acontece). Não estamos a falar de tremores de terra com episódios de repetição. Não estamos a falar de dias de grande calor ou de grandes tempestades que se podem prolongar. Não estamos a falar de fogos florestais. Estamos a falar, usualmente, de atos isolados e sem grandes hipóteses de repetição no mesmo teatro de “guerra”.

Quem tenha sido envolvido indiretamente e na zona dos acontecimentos, artistas, restaurantes da zona, lojas e demais comércio e serviços, entre tantos outros, deve continuar a atividade normal. Os artistas deveriam, a bem de vivos e mortos, dar novo concerto na semana seguinte ao sucedido. No mesmo local e em honra das gentes que os acompanharam. É urgente parar com as mensagens de sentidos pêsames e de condolências por parte de cada um de nós a partir do seu canto do mundo. Mais, parece que cada artista se tem de solidarizar com o outro e aparecer nas redes sociais a postar as lágrimas que diz ter vertido e as orações que diz fazer pelas vítimas e famílias. Acredita-se nisto?

Ao invés, é preciso fazer acontecer. Repor a ordem. Fazer novo espetáculo. Voltar a passear na zona. Os restaurantes devem abrir portas e os serviços funcionar. As missas devem continuar a ser ditas nos templos devastados. Nada deve mudar no dia-a-dia das pessoas. Porque a solidariedade se mostra muito mais por atos que por palavras. Ofereçam concertos gratuitos e não mensagens em redes sociais. Essa sim será uma boa homenagem aos mortos e aos vivos. O estado de normalidade deve ser reposto no imediato ou quase imediato. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo para tornar urgente e reposição da normalidade.

5 – Desvalorizar quem fez o ataque. Para quê descrever ao pormenor quem foi e porque fez e sobretudo as suas ligações (eventuais) ao Daesh? De nada serve propagandear a organização. Quanto mais falarem da organização mais ela estará a ganhar (“não importa se falam bem ou mal; importa que falem”). E aqui os meios de comunicação têm um papel fundamental. Respeitarmo-nos e solidarizarmo-nos com mortos e vivos é também não dar ouvidos ou propagandear o terrorismo, parar de repetir o “nada para dizer”. Continuar a viver, na medida do possível, na total normalidade, como referido. As famílias das vítimas terão de ser tratadas e acompanhadas mas não nas televisões e nos jornais. Antes no seu dia-a-dia. Tudo o resto deve ser desvalorizado pois por pouco que seja é o único ativo que cresce no outro lado: o medo, o resultado e a comunicação massiva tornam-se um ativo para as jihads. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo a exigir a desvalorização do ataque como forma de sonegar uma “vitória” ao adversário.

6 – Incentivar a responsabilidade social empresarial aos vários eventos que possam ter aglomeração de pessoas. As empresas poderão pagar a segurança dos estados e países para poderem aparecer como a caução, o garante, da segurança dos aglomerados populacionais. E que poderão, com isso, ter impacto positivo – por redução – em impostos a pagar. Um concerto? Pois bem, quem é o sponsor da paz no concerto? A quem se deve agradecer a segurança com que tudo se passou? A quem pôr um like no site de quem garantiu que no estádio de futebol nada aconteceu? Isto sim, é verdadeira responsabilidade social. Quererão experimentar? Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de incentivo à responsabilidade social pela paz, como garante da paz.

7 – Criar logotipo anti-terrorismo que se deve divulgar em larga escala, fazendo-o aparecer por todo o lado. Demonstra-se assim que estamos todos, em todo o lado, com a causa da paz e sinaliza-se com clareza de que lado estamos e contra quem lutamos. Claro está que alguns dos personagens do outro lado usarão este logótipo como alibi para poder fazer outras coisas. Mas o logotipo deve ser difícil de usar para causar, precisamente, repugnância às jihads fazerem dele uso para se esconderem de atos que praticam. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo e simbólico a usar/mostrar por todos. Sem vergonhas e sem medos. Uma sociedade mostra as suas causas e não tem vergonha de as envergar e de as ostentar pelos valores que defende.

8 – Ensinar todos, e o público em geral, a comunicar e ser parco nos argumentos e nas repetições. Não são precisas grandes imagens. Não são necessários grandes escritos. São, sim, necessários factos e factos curtos. Comunicação curta, concisa, suas consequências e medidas adotadas ou a adotar. Factos, consequências e medidas adotadas. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de comunicação espartana e contida.

Há, também, que estancar os comunicados de rua, as entrevistas, as sucessivas atualizações e o e-nésimo ponto e vírgula acrescentado a cada cobertura de um ato terrorista. A venda de jornais e telejornais com base na desgraça alheia tem de ter um fim heroico e igualmente responsável. Cabe a cada órgão, a cada jornalista e a cada comentador acabar com esta espiral de nonsense. E o termo a usar é “Jornalismo Responsável”, a colocar na primeira página do jornal ou do veículo que se compromete a não usar e abusar da desgraça alheia, alimentando o monstro.

Falta ao jornalismo o ser feito pela positiva. Para ser responsável deve fazer-se pela positiva. Como nas empresas se faz liderança pela positiva. Como se faz liderança pela inspiração e pelo exemplo. E sim, a população e os leitores perceberão a atitude corajosa a acompanharão. Estancar a verborreia de notícias e as repetições sucessivas de imagens e imagens e atualizações desnecessárias é assim essencial. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de comunicação espartana e contida, dos jornais ao público em geral e às conversas de café. A começar em cada um de nós. Querem começar a dar o exemplo?

9 – Canalizar verbas de investigação para a gestão de crise. Das causas às soluções e sobretudo investigação baseada nestas últimas. A Europa tem tanta linha de apoio à investigação e, não sei bem porquê, a relevância do tema gestão de crise(s) não aparece nos radares como sendo um tema principal, focal. Não é? Também desde que este flagelo começou que não me recordo de financiamento conjunto, massivo, de projetos, comunitários ou não, à investigação sobre gestão de crise. É que a investigação ajuda a avançar, a detetar, a debater de forma séria – mas não comercial – e a encontrar soluções.

10 – Irrigar e instigar todos de bom senso. Haverá muito mais aspetos e tópicos a abordar. Mas quase todos eles baseadas no bom senso. Não o tendo (ele está de facto mal distribuído), seria fundamental alinhar pela contenção, a responsabilização e a parcimónia porque a vida dos outros não é um assunto de massas. A vida de cada qual é um projeto único e deve ser respeitado como único. No que ao bom senso diz respeito cada um trate de si. Mas pelo menos eivado do senso de que a vida de pessoas que ao nosso lado tombam merece mais que uns likes sobre coisa nenhuma ou uns posts de solidariedade que dizem verter lágrimas e proferir orações. Quero acreditar que não são interesseiros em busca de fama fútil. Também desde que este flagelo começou que não me recordo de um movimento massivo de pedidos de fim a estas manifestações idióticas bem como às várias solidariedades fúteis.

***

Nota final: De 29 a 31 de Maio vão decorrer as Conferências do Estoril. Com um programa riquíssimo a NOVA SBE convida todos a participarem. Ver teaser (em filme) em:

Professor da NOVA SBE – Nova School of Business and Economics, crespo.carvalho@novasbe.pt