A formação de executivos, como muitas outras áreas da vida, das empresas e das universidades, tem sofrido enormes transformações nos últimos anos e dá mostras de que há uma mudança de paradigma que agrega várias dimensões: talvez o claim principal seja mesmo “tirem-me da sala de aula”. Estando ligado diretamente à formação de executivos há quase 25 anos consecutivos ora com funções de gestão, ora com a coordenação de programas, e sempre a lecionar, talvez valha a pena a formulação de uma opinião sobre os tópicos que considero, entre outros, estarem a contribuir para a alteração de paradigma. Primeiro o tópico corrente. Depois, o mesmo tópico à luz da formação de novos cânones.

1. Sala de aula | Tirem-me da sala de aula. Uma mistura que precisa ser convenientemente pensada. Sala de aula por períodos cada vez mais curtos e cada vez mais experienciais. Sim, a sala de aula é um quadro, é um conjunto de cadeiras e mesas, é um anfiteatro (ou não), mas é também quase sempre uma projecção de power points. É um docente de um lado, “no palco”, e um conjunto de formandos do outro, sentados. E por muito que se inventem formatos de sala de aula, em escola ou em U, em mesa redonda ou o que seja, a verdade é que se pede que estejam sentados. E que sejam, pelo menos parcialmente, ouvintes.

A sala de aula, para o bem e o mal, é quase um emblema da formação. Dito isto, não me parece, portanto, que acabe por completo, até pelo simples facto de termos de sentar os participantes. Estará, não obstante e por certo, em enormíssima transformação. Isso mesmo tem impacto no layout da sala e na forma como se poderá tirar partido dela.

2. Role play | Only play – Um fenómeno interessante é o que considero o aproximar do final do role play. Foi um formato experiencial que, durante uns anos, fez o seu caminho. No entanto, a plasticidade do mesmo e em muitos casos a tendência para a teatralização e a perda de genuinidade têm vindo a colocar em causa este modelo. “Não ao role play” parece ser um statement suficientemente expressivo para tudo o que aí vem. Se se quiser a participação mais verdadeira dos participantes usem-se outros modelos. E tendo por base o role play há uma constatação que nasce associada e que está muito para além do que ele representa: se se quer formar a sério não se teatralize e não se banalize o “eu” de cada um. Aproveite-se esse eu, de forma inteligente, para dar frutos numa sociedade onde as emoções deverão efetivamente ser geridas. Mas geridas na verdade das mesmas.

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3. Sessões de Imersão | Salas imersivas – outro fenómeno marcante passa pela necessidade de criar sessões imersivas onde os participantes façam parte de uma experiência formativa com uma dinâmica e um objetivo muito próprios. Dinâmica porquanto os formandos apreendem mais em ambientes onde está a acontecer alguma coisa – e aqui o drama funciona muito bem – e, também, contactos com terceiros – não formandos. Com objetivos muito próprios que, usualmente, passam por os testar, de várias formas, em termos emocionais. Não são, assim, salas onde imergem. Antes sessões onde imergem, podendo a sessão ser em um qualquer lugar – sala ou não.

Alguém foi ver “E viveram felizes para sempre”? Pois bem: Num edifício de dois andares do Hospital Júlio de Matos (se a memória não me falha isto foi há 2 anos atrás), com inúmeros espaços, corredores, salas, escadas, um conjunto de atores reinventaram a tragédia amorosa de Pedro e Inês. Num espetáculo de teatro imersivo a plateia devia estar predisposta à aventura, a deslocar-se de sala em sala e de espaço em espaço, fazendo parte – de quando em vez – do próprio enredo. Não era próprio para espetadores passivos. E a loucura humana e a lobotomia – temas fortes – eram pano de fundo desta imersão.

O evento, pode dizer-se, era intenso. Ou, pelo menos, ninguém ficava indiferente ao mesmo – gostou-se muito ou odiou-se outro tanto. O meio-termo não era expressão que pudesse classificar a imersão. E o teatro prolongou-se para além do tempo suposto e acabou por ser um sucesso de bilheteira.

Este é, por paralelismo, o tipo de imersão suficientemente rico para mexer com plateias e será suficientemente rico para abanar formandos e se tornar um marco. Bem ou mal, os formandos/participantes nunca mais o esquecerão. Não foram eles a fazer teatro. Mas foram eles (participantes) os imersos e os convocados à emoção. Não foram eles (participantes) os artistas. Eles foram (participantes) aqueles a quem se pediram comoções e se trabalharam emocionalmente.

Passados dois anos, verdade, este é ainda tema de conversa no meu grupo de amigos. Marcante se levada esta aproximação à formação.

4. Quanto tempo falta? | Quanto tempo temos? Fenómeno associado à experimentação, ao desafio. Deve passar-se do “quanto tempo falta para o final da aula” para o “quanto tempo ainda temos?”. Bom que se sinta a pressão do cronómetro e que falte sempre tempo para um pitch final, para uma apresentação, para um momento de “eu em frente aos outros”. Isso significa que os participantes estão envolvidos, de alguma forma, em responder – numa primeira fase – e depois cem criar e desenvolver (com guidance) – os seus próprios desafios. É uma maneira de os colocar em ambiente real, em tempo curto, em pressão e a terem que vislumbrar o que poderá acontecer se não ficarem bem na fotografia. Devendo, para essa fotografia, ser suficientemente escrutinados por pares, por docentes, por elementos da sua empresa ou de outras.

5. Device como um escape | Device como um instrumento. A luta contra os telemóveis ou os pc’s em sala de aula é uma luta inglória e que só terá um fim: derrota clamorosa de quem pede a sua ausência. Ao contrário, o importante é poder passar a usar, telemóveis ou pc’s, para a própria experiência de formação. Há hoje inúmeras app’s que permitem usar uns e outros e integrá-los na formação. Será a tecnologia a funcionar e a estruturar a sala de aula. Ou o que quer que seja que sobre dela.

6. O docente como explicador | O docente como instrutor e mentor. Mais uma verdade, minha, na lógica do apreender fazendo e não do apreender absorvendo uma comunicação unidirecional. Haverá casos mais complexos, sobretudo em áreas mais quantitativas, em que será difícil escapar à lógica expositiva. Não obstante, o aprender fazendo está em ascensão. Em estruturação. E são várias as formas.

Se bem que o caso de estudo, por exemplo, seja uma delas, e contra mim falo porquanto gosto muito do caso de estudo, numa sociedade rápida o caso de estudo leva demasiado tempo e é pouco visual. É cada vez mais considerado como muito volume de informação. Mas não é sensorial. Não é visual e 80% da informação que processamos é visual. Ora, há que fazer qualquer coisa para mudar este estado de coisas. Casos mais visuais, onde o volume de dados possa ser grande serão, verdade, bem aceites. Porém, onde também se teste a velocidade de captação desse volume – não via leitura convencional mas via francamente mais visual.

7. Jogar não para simular | Jogar com o real das empresas. Esta é talvez uma das mais complexas mas também uma das de maior potencial para a estruturação das empresas: mexe com gamificação, em primeiro lugar, mas mais que tudo com a forma como se faz gamificação.

Deve usar-se o jogo, sim, mas não o jogo apenas como simulação (não será tanto o jogo pelo jogo) mas o jogo como garante de que é aplicado à empresa em causa (e está alinhado com os objetivos da mesma) e que com ele as suas pessoas passarão à prática várias preocupações: desde o simples feedback a colegas, equipas e superiores, à incorporação de mecanismos de ganho de pontos, e similares, para cumprimento de objetivos.

A ideia é mesmo play real; life is real.

8. Auto-motivação | Desafio – A questão que se levanta deste tópico é crítica para perceber o que fazer hoje em formação de executivos. Não basta supor que a auto-motivação deve ser um dado adquirido para os participantes e se lhes deve pedir que estejam auto-motivados.

Na maioria dos casos em que as empresas pagam a formação os primeiros tempos são de negação e até de resistência. E os resultados, com isto, não serão propriamente os mais interessantes.

Dito isto, a ideia mais estruturante para contrapor à solicitada auto-motivação é a criação de um desafio. Um desafio que os formandos tenham de cumprir e sobretudo que tenham que apresentar. Terá um deadline (dentro do desenho do programa), terá uma apresentação e terá como necessidade o fazê-los aparecer, aos formandos. Aparecer como e perante quem? Perante a universidade, que os avaliará, e perante pares, superiores e equipas que, igualmente, os avaliarão. E avaliarão no resultado e na forma. No conteúdo e na capacidade de o comunicar. Não há, assim, forma de contornar um obstáculo que, não sendo imposto, acaba por funcionar muito bem: o desafio é também uma oportunidade, uma oportunidade de aparecer e de mostrar o seu valor. Só que…aparecer estando a ser avaliado, facto que só eleva a fasquia.

9. Ver | Experimentar – Factor central na formação de executivos. Mais que ver, mais que ouvir falar de algo, mais que mostrar é necessário colocar os participantes a experimentar. Ao almoço, queira-se ou não, os participantes experimentam a comida – boa ou não. Como vão à casa de banho e a notam limpa e agradável, ou não. Exatamente o mesmo lhes é pedido na experiência de formação, tout court.

Experimentem fazer. Experimentem usar. Experimentem meter “as mãos na massa”. Tragam o lado prático e o lado expedito para poderem entregar-se à experimentação. Não apenas experimentação como coleção de experiências postáveis – Facebook, Instagram, Linkedin e quejandos. Antes como experiências que fiquem, que marquem.

Isso mesmo, o experimentar, faz emergir o diálogo entre todos. Não o diálogo via informacional e mensagens. Mas o diálogo, o gosto-não gosto, o debate, o entrosamento-não entrosamento, até a velha discussão. Emocionalmente muito mais rico, muito mais aglutinador/estruturante ou desestruturante e muito mais marcante.

Sirva-se experiência. Não se conte apenas como funciona. Mas isto leva-nos à última. O storytelling.

10. Theory telling | Storytelling – Uma história que conto por vezes aos meus formandos e que tem muito a ver com esta realidade. Entre teoria e prática e entre teoria e a arte de contar uma história.

Ano 2050 e uma nave espacial levanta da terra com habitantes, famílias, para viverem no espaço. As crianças que a nave transporta nasceram todas na própria nave espacial. Nenhuma nasceu na terra. Há um professor a bordo. E o professor tem a sua turma; a sua missão é, supostamente, ensinar crianças. Um dia o professor pede às crianças para desenharem um pássaro. Mas as crianças ficam intimidadas. Ninguém desenha o pássaro. O professor meio aborrecido diz: “voltem para os vossos aposentos e desenhem um pássaro como trabalho para casa”. E as crianças vão-se da aula. Voltam no dia seguinte e o professor pergunta-lhes: ”Então o pássaro, desenharam?”. Nenhuma resposta. Até que o professor começa a ficar exasperado e a proferir uma série de impropérios. Uma criança levanta o braço, a medo, e pergunta: “Sr. professor, o que é um pássaro?”. História simples. Penso, porém, que elucidativa. É uma história em formato de storytelling com uma verdade e uma “moral da história”. É sobre teoria e sobre prática. Precisamente para sublinhar que não podendo nunca abandonar a teoria, porque com ela saberemos o que é um pássaro, também não podemos passar ao desenho do pássaro (aplicação) – a menos que haja uma qualquer, por pequena que seja, explicação inicial do que é um pássaro.

Quer-se, pois, passar a contar uma história. E bem. É mais entretido e experiencial. Porém, a história tem de ter fundamentos que, em algumas áreas, terão de ser quase incontornavelmente fundamentos teóricos. Alinhados com a história. Mas que haja fundamentos para a construção da história.

Dito isto e concluindo. Muito está a mudar. Em formação de executivos como em formação dita mais convencional. A questão maior é como agarrar um novo paradigma, pincelado por um conjunto de tendências mais ou menos claras (no que vejo e na minha cabeça), dando-lhes consistência e substrato. Não vale a experiência pela experiência. Como não vale o formato pelo formato. O grande repto está na integração dos conteúdos em desafios, experiências, formatos, jogos, e muito mais. Um mundo de oportunidades para pensar. Um mundo de oportunidades para as escolas de gestão. Daí ao sucesso da Singularity University (pelo menos até ver) vai um passo. Get involved é um claim. Be exponential, é outro claim. Depois destes dez tópicos saber-se-á porquê?

Professor Catedrático, NOVA SBE – NOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS, crespo.carvalho@novasbe.pt