Escrever sobre o que aconteceu passados dez meses e meio ainda é muito difícil, as lágrimas insistem em escorrer pela cara. Nada fazia prever que isto tudo fosse acontecer, mas apenas cinco dias após o nascimento do meu filho, tive um AVC. Tenho pequenos flashes daquele dia, pois a maior parte das coisas que eu sei foram-me partilhadas pelo meu noivo Tiago.
Foi no dia 21 de novembro de 2023. Tinha ido levar a minha filha de sete anos à escola e sentia-me bem. Lembro-me que ao chegar a casa fui logo ter com o meu bebé para o adormecer. Estava a conversar com a minha a sogra e com o Tiago, e do nada comecei a rir-me muito, totalmente descontrolada. Ao mesmo tempo, comecei a chorar e a perder a força no lado direito do corpo. A sensação que temos é de que estamos a movimentar o corpo, mas na realidade não conseguimos fazer nada. É como se o mesmo não reagisse à nossa vontade.
O Tiago ficou logo em alerta, ligou para o padrinho do nosso filho a explicar o que se passava e como sou ansiosa achávamos que era “apenas” uma crise de ansiedade severa. A minha sogra foi buscar uma cadeira de rodas e ambos transportaram-me do primeiro andar para o piso de baixo para me levarem ao hospital. Fomos para o hospital no nosso carro, o Tiago parecia um piloto de fórmula 1 e o medo estava presente nos olhos dele. Dava para ver e sentir.
Quando lá cheguei, o temido diagnóstico de AVC isquémico afastava a hipótese de crise de ansiedade. Fui transferida de imediato para o Hospital de Santo António no Porto, onde tenho muito a agradecer ao médico que esteve comigo durante todo o processo, às enfermeiras e auxiliares que me deram carinho e atenção para que não me faltasse nada. Como a minha área de residência é em Vila Nova de Gaia, fui transferida para a Unidade de AVC do Hospital Eduardo Santos Silva e lembro-me de pedir à anestesista que estava comigo na ambulância para não me deixar morrer porque tinha dois filhos que precisavam de mim.
A primeira noite foi um terror. Ver o Tiago a chorar ao ir embora por ter de me deixar no hospital foi algo que me entristeceu. Os dias seguintes não foram fáceis, chorava dia e noite, aguardava ansiosa pelo horário das visitas. Ainda assim, quis restringir o número de pessoas a visitarem-me, não quis lá ninguém além do Tiago. Queria aproveitar cada minuto com ele. O meu pai também chegou a ir lá, o que me magoou, porque não gosto de ver a tristeza nos olhos das pessoas. Quanto aos meus filhos, nunca foram, por decisão minha. O hospital não era ambiente para eles.
A dada altura, quis assinar o termo de responsabilidade para ter alta hospitalar, queria ir para minha casa e regressar para junto dos meus filhos, mas sei que seria um enorme erro. O meu estado de saúde era frágil e vir embora num momento precoce seria o pior que poderia fazer a mim mesma. Foram 10 dias de internamento, os mais longos da minha vida. Ainda assim, nunca estive sozinha. Os fisioterapeutas, terapeutas, auxiliares, enfermeiros e médicos estiveram sempre ao meu lado.
Após dez meses e meio do AVC, estou aqui para contar a minha história como uma sobrevivente de algo tão sério quanto isto. Um AVC não traz só sequelas físicas, mas também sequelas não visíveis. No meu caso, fiquei com parte da memória afetada. Não me recordo de grande parte do meu passado e também de aspetos recentes. Fiquei com défice de atenção e não consigo estar em sítios com muitas pessoas.
Hoje posso afirmar que apesar do que correu menos bem, sou muito agradecida pela segunda oportunidade que a vida me deu e a todos os profissionais, família e amigos que estiveram e – estão comigo – neste longo percurso. Tenho sido acompanhada por uma psicóloga para tentar minimizar as sequelas de foro mental.
Fui pedida em casamento meses depois do AVC. Continuo de baixa e tenho muito receio de voltar a trabalhar. Passarei a ir à consulta de neurologia a cada seis meses e aguardo que o Centro de Reabilitação Profissional, em Gaia, me chame para começar a tratar os aspetos da socialização e de regresso ao trabalho. Enquanto isso não acontece, tento aproveitar os momentos em família e o privilégio de ver os meus filhos crescerem.
Beatriz Correia tem 28 anos. Após cinco dias de ter sido mãe pela segunda vez teve um AVC isquémico. Atualmente é operadora de loja de um supermercado, mas ainda se encontra de baixa para se dedicar à sua reabilitação.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
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