O início de 2023 trouxe ao Canadá uma nova lei que proíbe a compra de casas nos meios urbanos por parte de investidores estrangeiros não residentes. A medida, anunciada pelos liberais em abril e aprovada em junho no parlamento, entrou agora em vigor por dois anos.

Não tardaram os que em Portugal vieram aplaudir a decisão. Os suspeitos do costume exigem ainda que o mesmo seja feito no nosso país: “Banir o dinheiro estrangeiro”, como também se pode ler no site do Partido Liberal canadiano. Aparentemente, a ligeireza em torno de soluções vistosas, drásticas e simplistas parece ocorrer nos dois lados do Atlântico. Uma ligeireza que não permite ver que esta lei não é solução nem para o Canadá nem para Portugal.

O falso problema

O problema dos preços da habitação não é o dinheiro ou investimento estrangeiro, não é de agora e não se resolve rapidamente. Justin Trudeau, Primeiro-ministro do Canadá, sabe-o, mas preferiu ceder ao populismo, encontrando rapidamente um inimigo político fácil: os estrangeiros. A associação de imobiliárias da região de British Columbia demonstrou, num artigo do The New York Times, que a pandemia congelou a atividade económica dos estrangeiros mas, mesmo assim, os preços das casas continuaram a escalar.

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Em Portugal (2019), apenas 8,5% dos imóveis transacionados foram vendidos a não residentes. No Canadá, os números são igualmente pouco expressivos. Em 4 províncias e 1 território abrangidos pelo estudo “Canadian Housing Statistics Program in 2020”, a percentagem de imóveis que pertenciam a não residentes oscilava entre 2% e 6%. Na British Columbia, uma das zonas mais afetadas pela especulação imobiliária, apenas 1,1% das transações em 2021 envolveu um comprador estrangeiro.

Todos sabemos que quando a procura por um produto aumenta, mas o produto disponível não, o seu valor sobe. Em 2022, a Canada Mortgage and Housing Corporation afirmou que são necessárias mais 3,5 milhões de novas casas até 2030 para que o seu valor se torne acessível. Em Portugal, de acordo com o INE, entre 2000 e 2020 a construção de novas casas caiu cerca de 85%.

Os juros baixos praticados até aqui incentivavam à compra de habitação, mas a crise de 2009 levou muitas empresas de construção à falência. As que sobreviveram continuam a enfrentar impostos elevados, a subida constante dos custos de construção, a penosa burocracia e a instabilidade fiscal. Perante este cenário, torna-se evidente que os promotores imobiliários procurem o mercado internacional para garantir a viabilidade financeira dos projectos. Nunca haverá casas para todos (os portugueses) se não houver quem as financie e as ponha de pé. Esse é o ponto. Não vender a estrangeiros pode significar não vender de todo.

A regra das exceções

A lei que entrou em vigor a 1 de janeiro é uma promessa eleitoral que pretende proteger os nacionais da escalada de preços no setor imobiliário, alegadamente provocada pela procura estrangeira. No entanto, dentro do conceito de “não-residentes” há exceções: estudantes estrangeiros, portadores de autorizações de trabalho, estrangeiros com cônjuges nacionais e requerentes de asilo. Para além disso, imigrantes com visto de residência permanente também podem continuar a comprar habitações, sendo que a diferença entre estes e qualquer outro estrangeiro-investidor é o tempo que está disposto a esperar pelo visto e a capacidade para fintar a burocracia, ambas qualidades normalmente encontradas em quem tem milhões de dólares para pôr a render num mercado apelativo.

As (in)consequências

Na Nova Zelândia esta mesma solução já foi testada. Em 2018 proibiu-se a aquisição de imóveis por estrangeiros para controlar a crise na habitação, mas não só os preços não desceram, como continuaram a subir.

Quando falamos de investimentos imobiliários, falamos de milhões que transitam de contas bancárias sujeitas a impostos igualmente milionários para propriedades físicas, seguradas e estáveis. Peter Thiel, co-fundador da Paypal e um dos suportes de capital da Meta é americano e comprou uma casa num lago em Wānaka, Nova Zelândia, avaliada em mais de 13,5 milhões de dólares. Poderá transitar esta residência para o mercado corrente da classe média? Falamos sequer da mesma economia? As necessidades deste empreendedor conflituam com a procura de casa por parte de uma família neozelandesa? Obviamente que não.

Tranquilizador seria ver o Estado começar a dar destino ao seu património abandonado, devoluto ou vazio. Como proprietário, o poder público mantém os seus espaços vagos, ao mesmo tempo que procura no proprietário privado um voluntário forçado de caridade habitacional. Os socialistas preferem entregar promessas do PRR do que chaves nas mãos das famílias portuguesas.

A discriminação

A história do Canadá foi forjada na imigração e o seu presente continua intimamente ligado aos milhões que todos os anos escolhem este país para desenvolver os seus projetos de vida. Ainda de acordo com a Statistics Canada, tendo como base os resultados provisórios dos Censos 2021, 23% da população (8.3 milhões de pessoas) é ou já foi imigrante, um record só batido em 1921. Não só a imigração é uma realidade incontornável que atravessa gerações, como o envelhecimento da população e uma economia carente de mão-de-obra a incentivam – a diáspora portuguesa que o diga. O Canadá global precisa destas pessoas, mas Trudeau decidiu aplicar medidas com base no local de nascimento dos seus cidadãos.

E os reformados estrangeiros em busca do sol português? Nada poderia estar mais longe da realidade da imigração no nosso país. De acordo com os resultados dos Censos 2021, o trabalho constituía a principal fonte de rendimento da população estrangeira, sendo “Trabalhador da limpeza” a profissão mais representada. 58% dos estrangeiros vive em alojamentos arrendados e quase 38% em casas sobrelotadas.

O igual e o diferente

Deste lado do Atlântico há quem queira aplicar medidas do Canadá, achando que as realidades são iguais. Não são. Mas isso não significa que tudo seja diferente. Há demasiadas semelhanças: também aqui a esquerda procura soluções fáceis; também aqui a esquerda recorre ao populismo. Também vemos o ataque ao estrangeiro na voz da nossa esquerda e direita radical. Por último, mas inegável, o ataque aos proprietários também aproxima a nossa esquerda dos “liberais” de Trudeau.

Estão bem uns para os outros e igualmente enganados.