Os republicanos foram mesmo sequestrados por Trump, e os democratas não conseguem sacudir Sanders. Os EUA sempre pareceram estranhos à Europa. Basta pensar nos “caucuses”, que a imprensa europeia tem de explicar aos seus leitores de quatro em quatro anos. Mas estão os Estados Unidos em vésperas de desenvolver o equivalente da Frente Nacional e do Syriza? É o que sugerem algumas comparações entre Donald Trump e Marine Le Pen, ou entre Bernie Sanders e Alex Tsipras. Há uma diferença óbvia: Trump e Sanders estão a competir pelo apoio dos grandes partidos do sistema. Mas não representam eles o mesmo tipo de demagogia que na Europa explora a ideia de que elites cosmopolitas sacrificaram a coesão social e a homogeneidade cultural da nação?

No entusiasmo de uma das suas vitórias, Bernie Sanders anunciou uma “revolução política”. É a isso que estamos a assistir nos Estados Unidos e na Europa, com nativistas e radicais a desalojar, nas preferências dos eleitores, a direita liberal-conservadora e a esquerda social-democrata? Tudo é mais complicado, porque populismos e radicalismos não correspondem às velhas divisões parlamentares: a FN em França captou os antigos votos comunistas, e o Syriza está aliado à extrema-direita. Nos EUA, Donald Trump, um antigo amigo dos Clinton, conquista a direita republicana prometendo mais intervenção do governo, atacando a herança de Bush e recusando-se a condenar Planned Parenthood. Alguém ainda se lembra de quando os neo-conservadores, o Tea Party ou o movimento evangélico controlavam a opinião republicana?

Mas seria um erro tentar perceber Trump ou Sanders sem olhar para os seus rivais. Todos os candidatos às presidenciais americanas os imitam, num sentido preciso: todos insistem em que estas eleições não devem servir para eleger um presidente, mas para “transformar a América” contra os que estão no “topo”, e todos se propõem ser o “outsider” que vai abalar Washington. A ideia feita é que o populismo e o radicalismo são, num sistema político, gerados de fora. Não é o que temos aqui. O que temos é uma classe política capaz de transmutar-se, e não apenas disposta a explorar o sentimento anti-sistema, mas até a promovê-lo. Afinal, Sanders é um senador e Trump é um milionário, celebridade televisiva e amigo de políticos. Não há apenas aqui uma “revolta de baixo”, mas uma espécie de “revolta de cima”.

Nada disto é novo. Como alguém já notou, Trump faz lembrar Andrew Jackson, presidente entre 1829 e 1837: um milionário que se propõe defender o “homem comum” contra a “corrupção” do governo. Trump tem aliás tido o seu máximo apoio na América rural e anglo-saxónica que elegeu Jackson há quase 200 anos, e a elite intelectual nova-iorquina, que achou Jackson grosseiro, tem reagido da mesma maneira a Trump.

Trump não é simplesmente uma força da natureza ou um fenómeno sociológico. As suas vitórias devem muito à divisão dos seus rivais: no Estado da Virgínia, a maioria dos eleitores republicanos ressente Trump, mas ele ganhou — mas ganhou com apenas um terço dos votos republicanos. Porque é que os outros dois terços não prevalecem? Porque a elite do Partido Republicano detesta muito mais o senador Ted Cruz, e portanto tem hesitado em fazer frente a Trump, com medo de beneficiar Cruz. O problema de encontrar o anti-Trump, é que nenhum dos candidatos republicanos quer que seja o vizinho. De tal modo, que o governador de New Jersey, Chris Christie, quando desistiu da sua candidatura, preferiu apoiar Trump.

O populismo e o radicalismo não são apenas a face feia do eleitorado, mas a face abjecta de uma oligarquia política, do seu egoísmo e do seu oportunismo. James Baldwin disse um dia que “o mais perigoso produto de qualquer sociedade é o homem que nada tem a perder”. Mas um oligarca disposto a tudo para manter o poder ou chegar até lá não é menos perigoso.

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