Reagi às acusações contra Trump com dois sentimentos opostos. Por um lado, as acusações não me espantam. Olho para Trump como um tipo sem escrúpulos, capaz de tudo para prosseguir os seus interesses. É um egocêntrico que se julga acima de tudo e de todos. Não tem um pingo de decência, nem cumpre os requisitos necessários para exercer cargos públicos. Em Trump, tudo é vulgar e ordinário.

Trump cometeu um erro imperdoável: confundiu a sua oposição ao “establishment” de Washington com o ataque à democracia americana. Havia muitas razões válidas para atacar a degradação, moral e material, do poder político americano quando Trump foi eleito. Havia igualmente razões para Trump atacar os Democratas, desde a corrupção moral dos Clinton ao populismo cínico de Obama. Mas Trump nunca poderia ter atacado a democracia americana, portando-se como um aspirante a ditador, transformando a Presidência num caos permanente, e provocando um grupo de radicais a atacar o Capitólio.

Trump deveria ter defendido a regeneração da democracia Americana, nunca a poderia ter atacado com uma violência brutal. Há momentos em que os regimes democráticos permitem o crescimento de oligarquias que abusam do poder, usam o governo para prosseguirem fins particulares e até pessoais. Mas nunca se pode confundir o combate contra essas oligarquias com o ataque à democracia. As oligarquias não representam a democracia, abusam dela.

Trump nunca entendeu o essencial, nem poderia entender por duas razões. Em primeiro lugar, porque ele próprio fazia parte das oligarquias que abusaram do poder e dos privilégios de quem se julga dono do regime. Em segundo lugar, porque não tem qualquer apego à cultura e aos valores democráticos.

Mas há um segundo sentimento que me preocupa. Sendo um mestre da manipulação das emoções populares, Trump vai usar o processo judicial a seu favor. As autoridades judiciais do Estado de Nova Iorque ofereceram a Trump o que ele mais gosta: a sua transformação numa vítima política. Desconfio que Trump ganhou ontem as primárias do partido republicano. É sempre um péssimo sinal quando as autoridades judicias influenciam de um modo decisivo a vida política de um país. Mesmo que o façam involuntariamente.

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