O impacto do turismo nas economias locais é inegável. Muitas vezes, por um lado, leva a uma crescente descaracterização das cidades/regiões, ou pelo menos é assim que muitos o percepcionam; por outro, é a fonte de rendimento de uma elevada fatia da população, que encontra neste sector e em todos os que o suportam — desde serviços de marketing, limpezas, fornecedores de materiais ou logística — a fonte de rendimento que, no final do mês, põe comida na sua mesa e das suas famílias.

Portugal não é excepção, e o crescimento do turismo tem-se feito notar desde há uns anos para cá, por via de um excelente trabalho de promoção por parte do Turismo de Portugal, ao qual também não serão alheios eventos externos como a Primavera Árabe, que afetou vários destinos do Norte de África. No caso português, há ainda um impacto adicional: com um país falido, vítima do governo de José Sócrates, severamente condicionado pela Troika para cumprir os acordos de dívida a que se tinha comprometido, pode-se dizer com bastante propriedade que o turismo foi a grande matriz e principal indústria para que Portugal pudesse, de vez, virar a página da austeridade e dinamizar a sua economia.

António Costa e os seus sucessivos governos foram incapazes de solidificar a estrutura económica portuguesa, optando por um caminho de dormência que levou a uma quase de facto estagnação, não se reconhecendo diferenças substanciais entre o país que encontrou quando tomou posse no final de 2015 e o que deixou em 2023, mesmo considerando os inevitáveis danos causados pela pandemia e como esta foi gerida. Passados 8 anos, Portugal apostou, e bem, na atratividade para estrangeiros, mas continuamente ignorou os que cá crescem, estudam e querem investir, asfixiando-os com uma carga fiscal desajustada e burocracias típicas de quem não quer encontrar soluções, levando a um brutal êxodo de população jovem altamente qualificada.

Não foi capaz de dar aos seus recém-licenciados um país com salários atrativos, não foi capaz de fomentar outras indústrias que pudessem servir de suporte à economia e não foi capaz de antecipar o crescimento de procura por habitação e colmatá-lo com aumento de oferta, não só por meio de construção e renovação de prédios devolutos para venda, mas também para habitação pública, levando aos preços hoje praticados no mercado imobiliário, incompatíveis com a realidade salarial de grande parte da população.

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Isto não é culpa do turismo. Isto é culpa de quem geriu o país com condições de excelência e falhou na missão de o melhorar de forma substancial. Basta recordar o que era a Baixa de Lisboa em 2008 (cidade que conheço melhor e que, como tal, uso como exemplo), um aglomerado de prédios em decadência constituindo quase ameaças à segurança de transeuntes muitos, hoje, convertidos em hotelaria e comércio. O turismo e as suas receitas recorde apenas permitiram que a falta de visão e sucessiva incompetência dos governos de Costa fossem sendo mascaradas num estado de “deixa andar”, tão tipicamente português como prejudicial. E mais que isso, o turismo e as suas receitas recorde permitiram que muitos dos que em 2012 se viam sem perspetiva futura, encontrassem sustento e potencial de negócios para moldar as suas vidas.

Como sempre, nem tudo são rosas. Custou-me ver o encerramento da Tasca na Rua dos Fanqueiros para dar lugar a mais um restaurante de ramen, sendo eu até bastante apreciador desta típica sopa japonesa; custou-me ver o encerramento do Mercado da Praça da Figueira, onde tantas vezes fazia refeições aproveitando os preços acessíveis dada a zona, para dar lugar a um novo empreendimento hoteleiro; custou-me ver o encerramento do Girasol perto da Rua do Jardim do Regedor, onde comia uns sublimes pastéis de bacalhau com arroz de feijão, por motivos de obras do prédio e subsequente construção do Hotel Benfica na antiga sede do clube, sendo eu até adepto e sócio do Sport Lisboa e Benfica.

No fundo, vai sempre custar ver o fim de estabelecimentos tipicamente nossos e aos quais vamos chamando casa com o passar dos anos, tal como vai sempre custar ver que as pessoas que nos habituámos a ver nas mesmas ruas às mesmas horas vão gradualmente deixando de lá estar. A nostalgia inevitável não deve, no entanto, impedir a constatação de algo natural: as cidades são espaços dinâmicos. Sim, devem ser feitos esforços e tomadas medidas concretas para preservar a nossa cultura de tasca e gastronomia típica (da qual as gerações mais jovens estão cada vez mais afastadas), assim como a vivência e identidade dos nossos bairros. Mas tais medidas não podem vir a qualquer custo.

Tem sido amplamente noticiada uma manifestação anti-turismo que decorreu recentemente em Barcelona, onde os “manifestantes” usavam pistolas de água para mostrar àqueles que visitavam a “sua” cidade que não eram bem-vindos. Responder a ódio com ódio é mais típico de recreios de jardim de infância do que propriamente desejável em jovens em idade de trabalho. O mesmo se diria do uso de pistolas de água como forma de contribuir para uma sociedade melhor. Olhando ao teor da manifestação e seus intérpretes, não surpreende por isso o método usado.

Poderíamos falar do egoísmo destes “revolucionários” que se acham no direito de dizer aos outros como podem ou não ganhar a sua vida, assim como se podia perguntar onde estavam eles nos primeiros meses pós-pandemia onde as cidades viviam sem turismo e, como tal, num mundo próximo ao que alegadamente reclamam. De como ignoram o facto de que as suas ações prejudicam o trabalho de gente honesta que precisa desse trabalho para viver. De como optam pelo discurso populista em vez de aproveitar as oportunidades que lhes são apresentadas. Mas o exercício mais interessante será sempre o de substituir a palavra “turista” por “imigrante”. “Imigrantes fora daqui”, “Imigrantes não são bem-vindos”, “Lisboa já não é o que era e a culpa é da imigração”. A teoria da ferradura, bem viva.