Com o chegar dos turistas chega também a estação em que os nativos se queixam deles. Nestas queixas há muitas vezes um tom político. O sonho de qualquer nativo é poder ser cosmopolita em férias e xenófobo em público. Por prudência, todavia, costuma ser xenófobo em privado e desconfiado em férias.

Uma acusação frequente a turistas é a de que estão por definição numa posição em que nunca percebem completamente os nativos; e que por isso a sua mera presença é um acto de injustiça e um insulto reiterado aos nativos que lhes fizeram o favor de existir. Pondo de parte a questão de saber se haverá aqui qualquer coisa que valha a pena perceber, os argumentos são de dois tipos. O primeiro é o de que os turistas não se demoram nos sítios o tempo que é preciso para perceber alguém. O segundo é o de que os turistas são estrangeiros.

A estas acusações vale a pena observar que também não é frequente os nativos dedicarem muito tempo a perceber os outros nativos; e que tal não os impede de produzir reiteradamente opiniões sobre eles, como aliás sobre todos os turistas. Com efeito, os nativos também estão em contacto com os turistas durante muito pouco tempo. A segunda acusação sugere entretanto que só os portugueses percebem bem os portugueses. Intima um comércio particular com aquilo que há a conhecer e uma grande aptidão para a verdade. Será que a extraordinária perspicácia dos portugueses se deve a serem quase todos portugueses?

O tom político destas queixas está ligado a outra coisa, mais geral, muito característica dos que dividem o mundo desta maneira. Trata-se da fantasia de que só eu sei certas coisas acerca de mim, de que só eu posso conhecer-me bem, e de que ninguém tem o direito de me conhecer melhor que eu próprio. Esta fantasia resulta da ideia de que eu sou uma espécie de nativo de mim próprio, combinada com a ideia de que todas as opiniões alheias sobre mim são reprováveis. Consiste em ver todas as nossas interacções com as outras pessoas como uma ameaça à independência nacional.

Tal fantasia é no entanto desmentida todos os dias pelos erros grosseiros de apreciação que cometemos a respeito de nós próprios (mesmo apesar de alguns de nós serem portugueses) e pela experiência, que todos já tivemos, de alguém que não nos poderia conhecer muito bem, chamemos-lhe um turista, descrever com verdade e minúcia aquilo que nunca conseguimos ver a respeito de nós próprios. O espanto e a surpresa que ao longo das nossas vidas já pudemos experimentar em relação aos variados turistas deviam fazer-nos pensar mais vezes antes de os mandarmos entre dentes para as respectivas terras.

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