É uma das maiores dificuldades com o diabo. Há muita literatura a explicá-lo. O príncipe das trevas é isso mesmo: um príncipe. Um sedutor. Um senhor. Alguém que paira acima, não abaixo. Um que por pouco não era Deus. O eleito, o mais cheio de luz. Um mestre da subtileza, que assim nos conduz ao engano. A sua maior artimanha, diria Dostoievski, é a de nos persuadir de que não existe.

Não sei se por inspiração, se por fenómeno ontológico mais complexo, o fascista tende a capturar algum deste modus operandi. É educado, culto, elegante, elevado, sofisticado se não no mundo viajado, pelo menos na biblioteca. É claro que é um sedutor. É claro que se oferece à admiração. Ele é, por definição, a corporização das ideias perigosas que defende: uma elite.

Ora, donde quer que se olhe, não é isso que aqui temos. O que aqui temos é um arruaceiro, que não engana ninguém. É um azeiteiro, com o devido respeito por tão importante indústria nacional. É o primeiro fascista cujo dom da oratória não consiste em seduzir o auditório com o seu discurso, mas em interromper constantemente o discurso dos outros para que ninguém os consiga ouvir. Não é o fascista da ordem, é o do caos. É o fascista que não estuda, não faz contas, que talvez não se rodeie de quem tenha a capacidade para o preparar porque, se calhar, ainda lhe ficava com a chafarica. É o fascista cábula, que se habitou a passar sem abrir um livro e que desata aos gritos de cada vez que é apanhado sem saber uma resposta. É um fascista com ar de quem copiou no exame de história do fascismo.

O verdadeiro fascista é uma coisa abominável. Tem ideias terríveis e uma convicção cega nelas – de resto, não poucas vezes, granjeia naipes de admiradores apenas pela determinação com que defende essas ideias. O que aqui temos é algo ainda um pouco pior. É um fascista que muda de ideias, é um fascista que quer agradar, é um fascista que faz olhos de carneiro mal morto, é um fascista que pilha aqui e ali – uma ideia deste, um chavão daquele, um tique gestual daqueloutro. É um fascista mole, que é um tipo de fascismo que ainda não tínhamos bem conhecido. É o fascista receptáculo: é uma forma de fascista, um invólucro, em cujo interior se vai pondo o que der jeito a cada momento: um dia, xenofobia, noutro Nossa Senhora; um dia, anti-ciganos, no outro anti-bancos; um dia neoliberal, no outro, titã dos pensionistas.

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Os fascistas defendem o fascismo; este defende a própria pele. Não é o diabo que nos quer persuadir de que não existe; é exactamente o contrário: é o que não pára de nos tentar convencer de que existe. É o que se apercebeu de uma oportunidade de mercado: havia uma tendência e uma vaga para fascista, e desde então que ele se candidata ao lugar. É um fascista que nivela por baixo, das melhores famílias de trogloditas. Um fascista de taberna, de caserna, de comentário futebolístico, de mandar umas bocas para o ar a ver se põe os matulões da sala do lado dele, um bully, banal, como todos tivemos de aturar meia dúzia e chutar para canto nos anos de escola. Não é bem um fascista; é uma imitação de. É o aspirante na fila para o casting de fascistas. Um fascista da loja dos 300, um cabeçudo de fascista no grande desfile de Carnaval.

É um fascista que quer lá chegar enganando uns tolos contentes e uns descontentes inteligentes, na esperança de que, se o puserem lá, quando se aperceberem do que fizeram, seja já tarde de mais para o tirar.

Ainda não é este. Mas cuidado. Se uma imitação de pechisbeque chega tão longe, imaginem quando vier um a sério.