De quatro em quatro anos, a discussão repete-se: para que serve o jogo do 3º e 4º lugar? A resposta à La Palice é: para definir o 3º e o 4º lugar. Haverá, no entanto, maneiras menos sádicas de o fazer. Por exemplo, fica em 3º lugar a equipa eliminada na meia-final que tiver marcado mais golos ao longo do campeonato. Ou a que tiver sofrido menos golos. Ou a equipa com o equipamento mais bonito. Ou a equipa com o onze titular mais atraente de acordo com uma votação online. Ou o primeiro país por ordem alfabética. Na verdade, aos olhos dos jogadores qualquer alternativa deve parecer melhor do que este derradeiro suplício. Talvez seja esse o objetivo da FIFA: fazer com que nas meias-finais as equipas se esforcem tanto para atingir a final como para escapar ao jogo de consolação que, em vez de consolar, só exaspera o sofrimento.
Enquanto Bélgica e Inglaterra trocavam passes como quem troca bocejos, em Wimbledon, Rafael Nadal e Novak Djokovic lutavam por cada ponto como se fosse o decisivo. Não podia haver maior contraste competitivo. De um lado, vinte e dois jogadores ainda sob os efeitos atordoantes da mais dolorosa das derrotas – nunca nenhum deles disputou uma final de um Mundial e, para muitos, esta foi a última oportunidade – e, do outro, dois jogadores que já conquistaram tudo o que há para conquistar no ténis, mas que estavam a jogar no limite das forças, das capacidades técnicas e da pura vontade de vencer. A reação de Djokovic a cada erro não forçado e a expressão física de Nadal quando ganhava um ponto após uma extenuante troca de bolas eram, por si só, razões suficientes para o espectador ficar preso ao televisor. Em São Petersburgo, os belgas comemoraram os golos com a alegria lutuosa de quem se despede pela última vez de um amigo que deixou tantas recordações maravilhosas. Imagine-se o que seria se, amanhã, Nadal tivesse de enfrentar John Isner, o outro semi-finalista derrotado, num jogo para se apurar o terceiro classificado. Aposto que ambos os jogadores inventariam uma lesão, um compromisso inadiável, a morte de um parente afastado, para escaparem à tortura.
Porém, este Bélgica-Inglaterra tinha a vantagem de ser o desenlace de uma história que começou a ser contada há duas semanas. Foram as duas únicas equipas que, neste Mundial, se enfrentaram mais de uma vez. Na primeira, ainda na fase de grupos, ninguém queria ganhar porque a vitória empurrava o vencedor para o lado difícil do sorteio. Agora, como castigo, tiveram de disputar o jogo que ninguém quer jogar. Um jogo cuja relevância é apenas estatística: Kane lá se sagrou melhor marcador do Mundial (a não ser que amanhã Mbappe ou Griezmann lhe estraguem as contas; a propósito, não me consigo lembrar de um Bota de Ouro tão fraco desde que Oleg Salenko ganhou em 1994 com cinco golos marcados aos Feijões num jogo a camarões) e a Bélgica lá cumpriu o objetivo de alcançar a melhor prestação de sempre.
Diga-se em abono da verdade que, não havendo muito a ganhar, uma derrota neste jogo pode deslustrar uma participação meritória, como um doce que amarga no fim. Aconteceu com Portugal em 2006. Depois de três vitórias na fase de grupos, de eliminar Holanda e Inglaterra, a seleção de Figo, Ronaldo e Deco perdeu nas meias-finais com a França e, no jogo da tortura, foi atropelada pela anfitriã Alemanha, motivada para dar uma última alegria aos seus adeptos. Agora aconteceu com Inglaterra. Esta derrota lança uma outra luz sobre a campanha inglesa: três vitórias (contra Tunísia, Panamá e Suécia), três derrotas (contra Croácia e Bélgica, esta duas vezes) e um empate (com vitória nos penáltis contra a Colômbia). Pode ser a melhor prestação da Inglaterra desde 1990, mas, olhando friamente para os números, nem com muito boa vontade se pode confundir este conjunto de resultados com uma gesta épica. Um regresso a casa após a meia-final teria sido mais digno e compassivo, mas a omnipotente FIFA gosta de torcer a navalha nos derrotados.