A política em Portugal está intrinsecamente ligada a uma dualidade de critérios doente, que em muito tem prejudicado o debate público e até mesmo a própria democracia e a saúde da mesma.

Em Portugal, desde o 25 de Abril, foi sempre muito mais fácil ser de esquerda. Não se trata apenas com o facto de que ideologicamente (e até ao nível discursivo) é mais simples passar a mensagem, trata-se sim, também, e em grande parte, com a diabolização doente que se faz a quem não é de esquerda (e até alguns membros do PS já vão sendo categorizados de fascistas).

Mas ora vejamos até onde chega a dualidade de critérios e a diatribe oratória de alguns setores da sociedade (pseudo-pensante). Fiquei perplexo com muita coisa na manifestação da habitação de há uns dias, desde a participação do grande especulador, Ricardo Robles (ex-vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa), ao teor de muitos cartazes e mensagens que, desonestamente, iam muito para além da questão importante da habitação e não mencionando sequer a violência a que se assistiu e que deve ser sempre intolerada. Contudo, a questão aparte da violência que mais me chocou, sem sombra de dúvidas, foi um ajuste de contas e um conjunto de boçalidades dirigidas ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, a propósito da temática. Gritaram, vociferaram, “avisaram” que, e passo a citar Ipsis Verbis “Lisboa estaria na Rua!” pela habitação, como se a culpa da crise da habitação fosse de um autarca que serve Lisboa há dois anos e que todos os meses entrega casas em regime de habitação social. Mas eu pergunto: o país não tem uma ministra com a pasta da Habitação? Não tem um primeiro-ministro? O Partido Socialista não esteve 14 anos na liderança da Câmara de Lisboa? Portanto a questão é muito simples: Quais as razões para não se exigirem os devidos esclarecimentos aos verdadeiros responsáveis?

“Mudando de página mas sem sair deste capítulo”, fomos brindados por uma gala da elite televisiva portuguesa na qual, entre outras, uma personalidade dirigiu-se a Carlos Moedas, com um tom de repreensão, rogando-lhe que não abandonasse a cultura na cidade. É caso para dizer que foi com perplexidade que tomei nota destas declarações (diga-se, em bom nome da verdade, que foram proferidas por alguém que está sedento de atenção mediática). Carlos Moedas é presidente de Câmara há 2 anos, entre outras medidas, tem cumprido com o seu compromisso de construir/reabilitar um teatro em cada freguesia da Cidade de Lisboa, e depois é brindado com aquele tipo de declarações? Quem governou o executivo durante 14 anos não merece nem uma frase de condenação? Quem perante as questões incómodas sobre o estado do setor cultural sugeriu como prioridade o famoso “Drink da Tarde”, não merece nem uma reprimenda?

Também as eleições na Região Autónoma da Madeira foram também uma radiografia perfeita do tópico que me conduz a este artigo. Resumidamente o sucedido foi o seguinte: Sem ignorar a perda da maioria absoluta, a Coligação governamental liderada pelo PSD/Madeira venceu as eleições e apenas ficou a 1 deputado da Maioria. Por sua vez, o PS/Madeira e os restantes partidos e movimentos de esquerda (ou conotados com essa parte do espectro) perderam. A derrota do PS foi estrondosa, perderam 8 deputados. Mas façamos o exercício de memória e lembremo-nos, entre figuras políticas com mais espaço no mainstream televisivo e comentadores, a quem foi pedida “a cabeça” e justificações no dia de eleições. Foi ao derrotado PS? Foi ao candidato do PS/Madeira? Foi a António Costa? Não, meus caros – este último (que é líder do partido) nem a decência teve aparecer. Foi sim ao partido vencedor.  Mas não se fica por aqui, sabendo que a vitória era mais do que legítima e existia a possibilidade da construção de uma maioria parlamentar, a solução encontrada para desviar as atenções da derrota dos partidos de esquerda foi questionar a legitimidade da maioria encontrada por Miguel Albuquerque (que pessoalmente não me agrada pois não me revejo nos princípios basilares do PAN, mas esse é um assunto puramente autonómico).

Por fim, mas sem dúvida nunca de importância menor, o estado tenebroso a que chegaram os serviços basilares do estado. A educação (ou instrução, como eu gosto de lhe chamar), a saúde e as forças de segurança. Nas escolas há pelo menos 55 mil alunos sem professores a pelo menos uma disciplina; ainda há professores a 300km de casa, entre tantas outras questões. No SNS instala-se o caos com poucos serviços a funcionarem plenamente. Nas forças de segurança exatamente o mesmo. Se dividisse estas três temáticas para apresentar o problema e facultar algumas soluções, um artigo não seria suficiente.

Caros leitores, temos um país fantástico se olharmos a Portugal comparativamente a muitos países pobres por este mundo fora. Tantos desejariam ter as nossas oportunidades e os nossos modo e nível de vida. Mas Portugal deve-se comparar com esses países, ou deve olhar para o modelo dos países prósperos? Temos que exigir mais, nós podemos mais e melhor.  Porque se continua a desculpabilizar o PS e António Costa se são eles os principais autores do estado calamitoso a que chegou o nosso país…

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