O caso Robles é sério. Não só pelo que disse Ricardo Araújo Pereira, que é um fino analista, quando explicou que «um dia, passeando pela Alfama, o camarada Robles deu um pontapé numa pedra e, pouco depois, estava a vender um prédio por mais de 5 milhões de euros sem saber o que se tinha passado». Os casos das centenas de indivíduos ligados à vida política e económica, incluindo o grupo Sócrates, eram simples em comparação: «Recebiam dinheiro por favores, desviavam as verbas dos seus fins, especulavam, em suma, eram corruptos e enriqueciam à nossa custa».

Robles, não. Ele é do «bloco de esquerda» e, portanto, incapaz de tal coisa. E se, por acaso, deu um pontapé na «pedra», a culpa era da irmã… Só faltou explicar como é que, tendo ele declarado um rendimento anual de 20.000 € enquanto vereador da Câmara de Lisboa, um banco lhe emprestou mais de 600 mil € a 16% de juros? Entregando integralmente esse rendimento ao banco e vivendo do ar, conforme o empréstimo exacto, isso levaria mais de 50 anos a liquidar… Será crível? Não me admira que haja quem insista em conhecer todos os pormenores, desde o preço inicial da «pedra», o montante e as condições exactas do empréstimo, e finalmente como é que se chegou ao preço de venda de 5,7 milhões de euros?

O caso Robles é mais grave do que um processo como o de Sócrates e apaniguados. Não é apenas o obscuro vereador quem está em causa. Por ele, teria provavelmente repetido a lenga-lenga habitual de que não fizera nada de «ilegal». Foi porém obrigado a demitir-se: porquê? Os grandes «manitus» do BE tentaram defender o indefensável. A estas horas, talvez tenham percebido a diferença entre «legal» e «legítimo»: a geringonça é legal mas politicamente ilegítima, pois é sabido que, no caso de o PS ter anunciado essa futura aliança, não teria tido os votos que teve!

Ora, se os chamados partidos do sistema já eram tidos por toda a gente como envolvidos de perto ou de longe na série de corrupções que caracteriza o actual regime, o BE pretendia – como o PCP – estar acima desse tipo de comportamento, o qual tem valido anos de iniquidade social e de atraso económico à sociedade portuguesa, fazendo de nós em breve o país mais atrasado da UE. Foi essa duvidosa virgindade da dita extrema-esquerda que se abateu com a «pedrada» de um vereador chamado Robles. Por isso é que Francisco Louçã e Catarina Martins perderam a cabeça, tentando pactuar com a «conspiração do silêncio» desde o tempo em que o PCP tentou impedir as primeiras eleições depois do 25 de Abril!

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É com esta dupla linguagem – a política, sobretudo a política partidária, é uma coisa; a ética, a decência e a coerência são outra – que todos esses partidos imaginam enganar os cidadãos. Não que os eleitores ignorem as manipulações de que são objecto e daí a sua abstenção cada vez mais generalizada. Dito isto, aquilo que o BE tem para vender no mercado das ideologias, após a fusão de várias correntes sem sucesso, não passa da enésima adaptação ao gosto das novas gerações urbanas das eternas aspirações igualitárias, outrora propagandeadas pela esquerda mas sem êxito em parte alguma até hoje!

Na realidade, este tipo de organização não é um verdadeiro partido. É um leque de movimentos de opinião mais dependentes da comunicação social e das redes internéticas do que de uma efectiva base de classe fora da alta e média burguesia, cujos filhos têm cada vez mais dificuldade em vender os diplomas no mercado de trabalho, sobretudo em países cujas economias não se modernizaram como Portugal. Viradas contra inimigos imaginários, estas novas gerações caíram em múltiplos engodos: são diminutas; sem pulso efectivo e totalmente dependentes do Estado, seja no que respeita às aspirações sócio-profissionais como às satisfações ideológicas dos seus apoiantes. À parte isso, qual foi a nova geração que não teve as suas «causas fracturantes?

Em primeiro lugar, a ruidosa propaganda mediática do «Bloco» está confinada às duas maiores zonas urbanas do país. Nas legislativas de 2017 – máximo resultado do BE – o movimento pouco mais teve de meio milhão de votos (10% de 52% de votantes, ou seja, uns escassos 5% do eleitorado). Metade desses votos veio dos distritos de Lisboa e Porto, e é nestas regiões que a direcção amadora do BE terá necessidade de provar que é mais do que um bando de hipócritas…

Na falta de uma verdadeira alternativa em que neste momento ninguém acredita, a única maneira de um grupo como o BE satisfazer as suas aspirações é a entrega da nossa liberdade ao aparelho de Estado, como sucede com PCP, de maneira a adquirir uma base eleitoral mínima, seja colando-se à compra de votos ou, se necessário, a uma forma disfarçada da ditadura eleitoral. Por baixos motivos ideológicos, a «geringonça» ficaria assim prisioneira desses funcionários que são a maioria dos políticos profissionais e das suas redes clientelares. Um personagem como o vereador Robles dá a imagem desse estatismo autoritário que o PS tem vindo a construir em Portugal e cujo controlo não pode perder sob pena de ver o poder esfumar-se.