1 Surpresa. Como todos os analistas, comentadores e centenas de milhares de cidadãos, enganei-me num importante detalhe. O PS teve mesmo uma maioria absoluta, algo que não previa nem desejava, pois achava e acho que ela não promove compromissos e que o PS não a merecia. A existir ela deveria ser dada apenas a partidos que tenham uma forte dinâmica de reflexão interna, grupo de estudos sólidos e produtivos, quadros qualificados e abertura à sociedade civil para implementar uma estratégia de desenvolvimento económico e social sustentável ambientalmente. Ora tal não sucede com nenhum dos grandes partidos nacionais.

2 Sondagens. Já analisei os resultados eleitorais na própria noite eleitoral aqui no Observador. Não tenho dúvidas que as sondagens deram essa maioria absoluta ao PS apesar de como é sabido a maioria dos portugueses não a desejar. Acontece que nenhum voto comanda o resultado das eleições, mas dado o impacto das sondagens urge tirar ilações. A primeira é sobre as dimensões e os desenhos das amostras. Parece-me que as amostras não aumentaram em dimensão em relação a outras eleições e duvido que a estratificação da amostra se tenha alterado significativamente (é mais barato manter a mesma estratificação). Ora se isto se verificou (na do ICS a amostra reduziu-se de 1330 em Outubro de 2019 para 1003 em Jan. 2022), acho que foi um duplo erro. Numa eleição em que é sabido que a configuração do eleitorado vai mudar substancialmente seria avisado aumentar a amostra e eventualmente alterar o seu desenho. A segunda questão que deverá ser ponderada é até que dia deve ser permitido divulgar resultados de sondagens. É uma decisão política, como o é a existência do dia de reflexão, com o qual aliás, concordo. O facto das sondagens, poderem ter um efeito não intencional de “publicidade enganosa”, leva-me a sugerir que deveria ser até ao domingo anterior ao ato eleitoral.

De qualquer modo a maioria absoluta do PS está aí, pelo que uma brevíssima análise SWOT do PS de António Costa se justifica.

3 Forças. Aquilo que mesmo sem ajuda das sondagens teria dado a vitória ao PS, é que Portugal é, no contexto europeu, um país relativamente pobre, com estratos sociais vulneráveis, com jovens em situação precária, com pobreza energética afetando todos, mas os idosos em particular e mães solteiras com fracos rendimentos. Ora neste contexto uma gestão empenhada, serena e eficaz da pandemia, uma capacidade de diálogo de António Costa, e políticas sociais dirigidas aos mais desfavorecidos, combatendo as desigualdades e respeitando e valorizando os direitos das minorias só poderia traduzir-se em apoio popular. Tudo isto foi conseguido pelo PS, com a ajuda de BE e PCP nestes anos (agora justamente penalizados pelo chumbo do Orçamento) e é um capital social e de confiança valioso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

4 Fraquezas – Antes de abordar as oportunidades que se abrem ao PS – porque uma maioria absoluta é uma grande oportunidade – importa identificar as fraquezas do PS. A principal, já aflorada, é o não investimento na formação de quadros nas juventudes partidárias, a pouca dinâmica do grupo de estudos e da Fundação Res Pública. Ação política não alimentada por reflexão e quadros capazes não é ação, é reação ou improvisação. O PS tem-se fechado à sociedade civil. Lembremo-nos, a contrario, dos Estados Gerais de Guterres ou do grupo de economistas de Costa (I) agora reduzidos a Costa Silva. O PS tem um peso excessivo das corporações que por vezes o conseguem capturar (vidé as Ordens profissionais, mas não só) e não tem habitualmente um ímpeto reformista. Tem a tentação, como qualquer grande partido, de controlar ou influenciar em seu benefício os media e o poder judicial. Desconfia sempre de instituições independentes.

5 Oportunidades – Tem-se falado muito de António Costa poder bater Cavaco Silva no tempo de exercício como primeiro-ministro. Porém, o essencial, para o próprio e para o país, é como este estará daqui a quatro anos. Uma maioria absoluta é uma oportunidade única de realizar ou, no mínimo, encetar essas reformas. Se este governo conseguir avançar com quatro ou cinco grandes reformas já seria um sucesso. A ideia de encarar o governo como uma task force é adequada. Deveria haver uma unidade de missão para cada grande reforma a iniciar nesta legislatura que teria a missão de apresentar, já para o OE2023 mas numa perspetiva plurianual, um pacote de medidas coerente para os objetivos a alcançar e que tipicamente são transversais a vários ministérios. Estas medidas devem resultar de um diálogo político, com partidos de oposição e um diálogo social, não apenas com os parceiros sociais mas com a restante sociedade civil. Os fundos europeus, só por si, não farão nenhuma reforma substancial no país.

6 Ameaças – Qualquer estratégia de reforma com ganhos gerais para o país, defronta sempre alguns interesses instalados. É polémica e tem de ser bem sustentada. As ameaças são de vária natureza. Ao nível interno é o conforto do imobilismo, o não querer suportar o custo de uma maior transparência, a ameaça sempre presente da captura das reformas por interesses instalados e de boys e girls partidários que lhes servem de porta de entrada. Quando se lê notícias sobre o Banco de Fomento, instituição muito pouco transparente, de que já escolheu as empresas a capitalizar diretamente e que isso resulta quer de auscultação ao mercado quer de “abordagens efectuadas por algumas empresas” é motivo para se ficar preocupado. Tanto mais que a experiência do passado com um fundo público com objetivos semelhantes (o FACCE) não foi nada animadora como se pode ver neste artigo: “fundo estatal que torrou 90% do dinheiro que investiu.” Se a falta de escrutínio adequado dos gestores públicos e de transparência das instituições é uma ameaça, o recrudescimento das tensões sociais parece inevitável com o PCP, com fraca representação parlamentar, a voltar à rua. O contexto macroeconómico também não será favorável, com a subida da inflação e das taxas de juro.

7 Instituições e Cultura – Ambos explicam o sucesso ou o fracasso das nações. Faz agora dez anos estávamos sob o jugo da troika. Conforme escrevi na altura não foi só por causa da crise internacional. Fez-se desorçamentação e outra engenharia financeira para tornear o Tribunal de Contas, parcerias público-privadas ruinosas, nomearam-se gestores públicos sem competências adequadas, regulou-se mal a banca. A isto adicionava-se uma cultura de que as regras orçamentais europeias eram para ser subvertidas. Dez anos volvidos fez-se um caminho. O PS dá hoje importância às “contas certas” e aceita, ainda que não entusiasticamente, um Conselho de Finanças Públicas e entidades reguladoras independentes. Mas há muito caminho a fazer. O Banco de Portugal (a par do BCE) deve avaliar eficazmente a idoneidade dos gestores da banca, em particular dos gestores públicos. A CRESAP deveria ser reformulada e deixar de ser uma repartição pública sem autonomia nenhuma e ter maior independência e recursos que não tem. O Conselho de Finanças Públicas deveria olhar sobretudo para os dois grandes riscos orçamentais – a segurança social e o setor público empresarial – e publicitar sempre que pede informação ao governo e este não lhe dá. O Tribunal Constitucional deveria avançar rapidamente com a Entidade da Transparência tratando da informação de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos, sobretudo agora que temos novos atores na Assembleia da República (AR) que porventura desconhecem as novas regras de transparência. O sistema eleitoral deveria ser revisto e uma revisão constitucional deveria explicitar normas de justiça intergeracional. Em suma, só a melhoria da qualidade das instituições e da sua governança permitirá evitar os erros do passado. O Presidente da República viu obviamente os seus poderes reais diminuídos face à maioria absoluta, mas pode, assim o queira, desempenhar um papel essencial para promover os consensos necessários a algumas grandes reformas que o país necessita.  O grande desafio da vida de António Costa só agora começa.