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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Como Costa chegou à maioria absoluta, e Rio e a esquerda saíram derrotados. 13 opiniões rápidas sobre as eleições

A análise aos resultados das eleições legislativas desde a maioria absoluta do PS, às derrotas do PSD, Bloco e PCP. Sem esquecer a 'extinção' do CDS e a força ganha pelo Chega e a Iniciativa Liberal.

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José Manuel Fernandes. Será que algum dia sairemos da armadilha?

Quando um país alimenta uma legião de dependentes, quando o Estado é a referência de sobrevivência da maioria dos seus cidadãos, é muito difícil tirar esse país da anomia e da rotina, é muito difícil desinquietá-lo e relançá-lo. Triunfa sempre o imobilismo.

Faz-nos muita falta Medina Carreira. Fazem-nos muita falta as suas lições sobre este país submetido ao que designava por “partido Estado”. Um partido fácil de definir: é composto de todas as dependências, das dependências alimentadas pelos empregos públicos, pelo sistema público de pensões, pela escola pública e pelo sistema público de saúde. “O Estado é um padrinho, é um companheiro, é um treinador, é uma coisa qualquer assim deste estilo que acompanha o cidadão desde o berço até à morte”, disse ele aqui há uns anos. Ora. quem se habitua a ter assim um padrinho, um companheiro, um treinador, quem se habitua ao seu amparo, quem depende do seu braço e da sua bolsa, tem medo do mundo.

Em Portugal, o “partido Estado” encarnou no Partido Socialista, e nestas eleições nele coalesceram todos os medos de mudança – os justificados e os injustificados. É um partido envelhecido, mas como o país está envelhecido, é um partido maioritário. Por enquanto não houve energia, nem votos, para evitar que obtivesse uma maioria absoluta que pediu e depois deixou de pedir. Mas que desejava.

Quando um país alimenta uma legião de dependentes, quando o Estado é a referência de sobrevivência da maioria dos seus cidadãos, é muito difícil tirar esse país da anomia e da rotina, é muito difícil desinquietá-lo e relançá-lo. Triunfa sempre o imobilismo.

É esta a armadilha em que estamos e que a eleição de ontem confirmou – como Medina Carreira teria certamente observado, se ainda fosse vivo.

É certo que nem tudo ficou igual e ainda bem.

Há coisas que ficaram melhores – é sempre bom ver os partidos da esquerda radical perderem peso eleitoral, é especialmente saboroso assistir à derrocada da arrogância do Bloco de Esquerda.

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Também é bom que, no outro lado do hemiciclo, tenha surgido uma força política com um discurso diferente, urbano e mais moderno, capaz de abalar velhos dogmas. Falo da Iniciativa Liberal.

Mas o “partido Estado” tem outro efeito perverso: gera anticorpos, alguns especialmente virulentos. O Chega, partido do Portugal zangado, partido do país esquecido por esse mesmo “partido Estado”, partido que se tornará no abcesso de fixação de medos e oposições. Como terceira força política no Parlamento não ajuda, desajuda.

Quanto ao nosso futuro, e à esperança de sair desta armadilha, essa fica à espera da próxima crise. Se pensarmos bem, tem sido sempre assim nas últimas décadas.

P.S.: No entretanto, esperemos também que o PSD tome juízo.

Helena Matos. Afinal deitámo-nos cedo

É precisamente no útil que está o busílis desta questão: enquanto Rui Rio centrava a sua proposta na utilidade de uma colaboração do PSD com o PS, o PS tratava da sua vida captando o voto útil da esquerda.

Desde o terramoto do PRD em 1985 que não vivíamos nada assim: o PS consegue uma maioria absoluta e, mais importante ainda, ganha todos os distritos de Portugal Continental: o BE e a CDU cabem num Uber daqueles maiorzinhos, o PSD deixa de ser um grande partido e torna-se num partido médio, a terceira força política é o Chega, o CDS desaparece do parlamento… e tudo isto aconteceu tão rapidamente que vamos para a cama a tempo e horas.

Mas para alimentar a insónia aqui ficam umas perguntas:

E agora Marcelo? Uma maioria absoluta do PS não fazia parte dos cenários, pois não? A meio das suas declarações, António Costa deu conta da profunda alteração de forças que se registou no país: “O garante de que não pisaremos o risco sou eu”. Há poucos dias ainda o mesmo António Costa dizia: “Quem é que acredita que com um Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa uma maioria do Partido Socialista podia pisar a linha?”. Como se pode perceber destas palavras onde antes estava a linha traçada pelo PR está agora António Costa a ver quem pisa o risco, PR incluído.

A esquerda é agora o PS? O PS ganhou e não ganhou apenas ao PSD. Ganhou também ao BE e à CDU. Daqui resulta uma situação nova, com um PS hegemónico à esquerda e também um aviso para eventuais parceiros de futuras geringonças, sejam elas de esquerda ou de direita: entre 2015 e 2022, BE e PCP perderam mais de um terço dos seus eleitorados. À direita, a Iniciativa Liberal e o Chega não deixarão de tomar nota desta espécie de comboio descendente em que partiram todos à gargalhada e acabam com uns a rir (o PS) e outros (BE e CDU) a cerrar os dentes para não chorar.

Rui Rio útil ou inútil? Rio atribui a vitória do PS ao voto útil da esquerda. Declara que não percebe como pode “ser útil se o PS tiver maioria absoluta”. É precisamente no útil que está o busílis desta questão: enquanto Rui Rio centrava a sua proposta na utilidade de uma colaboração do PSD com o PS, o PS tratava da sua vida captando o voto útil da esquerda.

Rui Tavares teve sorte ou azar? O homem de quem já se dizia que dava azar desta vez teve sorte. Mas dentro da sorte — conseguiu entrar no parlamento — teve o azar de não ser o deputado que garantiria a maioria absoluta ao PS.

Nas próximas legislativas o PCP terá um novo líder? Jerónimo de Sousa apresenta sinais de uma debilidade que já nada consegue iludir. Mas o falhanço do possível sucessor, João Oliveira, que não conseguiu ser eleito deputado, é uma pedra na engrenagem dessa sucessão que se adiou tempo demais.

O CDS constará do próximo boletim de voto? Provavelmente não. Francisco Rodrigues dos Santos merecia mais, mas os partidos também morrem.

… Contra todos os cenários vamos deitar-nos cedo. Boa noite.

Alexandre Homem Cristo. Dr. Rui Rio, a porta da rua é ali

Incompreensivelmente, Rui Rio não se demitiu esta noite. Fez mal: é um cadáver político e um bloqueio no espaço político da direita. Nos próximos quatro anos, a direita atravessará um longo deserto.

Lembra-se de a campanha do PSD ridicularizar a estratégia eleitoral do PS por ser aos ziguezagues? Recorda-se de ouvir Rui Rio sugerir a António Costa que aceitasse perder com dignidade? Tem ideia de Francisco Rodrigues dos Santos se declarar ministro da Defesa de um eventual governo de direita? Tudo isto se ouviu há três dias. Nesta noite eleitoral, soa a piada de mau gosto. O PS ganhou com maioria absoluta, António Costa obteve uma vitória histórica e a estratégia de ruptura à esquerda provou-se acertada – o PS dizimou eleitoralmente os parceiros da geringonça.

A vitória socialista teve méritos e teve sorte. A maior das sortes foi ter Rui Rio na liderança do PSD, pois a maioria absoluta do PS ergueu-se pela diferença abismal de votos entre os dois partidos. E essa diferença começou na opção de Rui Rio se abster de conduzir a oposição ao PS e de renegar o posicionamento no centro-direita. Não há outra forma de o colocar: a estratégia de posicionar o PSD no centro falhou estrondosamente – entregou o eleitorado da direita ao Chega e à Iniciativa Liberal, enquanto foi incapaz de mobilizar o eleitorado insatisfeito com a governação socialista. Recorde dos recordes: pela primeira vez na história, o distrito de Leiria não foi ganho pelo PSD. Tudo somado, incompreensivelmente, Rui Rio não se demitiu esta noite. Fez mal: é um cadáver político e um bloqueio no espaço político da direita.

Nos próximos quatro anos, a direita atravessará um longo deserto. Terá de o aproveitar para a sua redefinição e reorganização – o CDS desapareceu do parlamento, enquanto o Chega e a Iniciativa Liberal têm agora os seus momentos de afirmação. O PSD, que é o motor político da direita, terá de escolher: ou elege finalmente uma liderança para esse projecto alternativo ao PS, ou será o parceiro de sonho para o PS se enraizar no poder para lá da vida desta maioria absoluta.

Nuno Gonçalo Poças. O PS é Portugal e Portugal é do PS

O centro-direita tem muito em que pensar. Terá o tempo de chegarmos a uma nova crise económica para chegar a conclusões válidas. Este é o grande desafio desta noite eleitoral. O resto é mais do mesmo: a certeza de que a nossa pobreza continuará a ser gerida pelos mesmos dos últimos 25 anos.

Para ser totalmente honesto, a única coisa surpreendente nestes resultados eleitorais é a diferença percentual entre socialistas e o PSD. Não contava com uma vitória de Rui Rio, mas não esperava um fosso tão grande. Ainda assim, reconheço que mesmo aqui sofri de algum optimismo: pode ser surpreendente, mas não era assim tão imprevisível que isto acontecesse.

O fenómeno começa lá atrás, depois das autárquicas, com os desenvolvimentos da crise que levou ao chumbo do Orçamento. O que me pareceu naquela altura foi isto: um bluff inicial dos comunistas, para tentar ganhos políticos; o BE inicialmente forte na sua posição política, acreditando que o PCP acabaria por viabilizar o Orçamento, e que depois ficou sem poder voltar atrás; Marcelo Rebelo de Sousa a tentar uma vitória política com a chantagem da dissolução; um PS cada vez mais dominado internamente por Pedro Nuno Santos; a direita em frangalhos; o PSD com a cabeça cheia da ilusória vitória em Lisboa; e António Costa vislumbrou em tudo isto a chave ideal para tentar, pela derradeira vez, a maioria absoluta. Ou, no mínimo, a consagração do PS enquanto partido-mor do reino, com o empurrão de algum pequeno partido que lhe garantisse poder hegemónico. Teve o que queria: o PS é cada vez mais dono e senhor do País, das instituições, da economia, e tem tudo a seus pés.

Com mais participação eleitoral que em 2019, a extrema-esquerda sai desta noite de rastos. Resta saber o que seis anos de Geringonça significaram efectivamente em reforço orgânico para o PCP: é a partir de agora que o PS começará a sofrer contestação sindical. Se ela não se verificar, então os comunistas podem fazer as malas. Idem para o Bloco de Esquerda. A única alternativa era a sua moderação económica. Não sendo previsível que ela se verifique, resta-lhes esperar por um Governo de direita que os faça renascer das cinzas.

Por seu lado, o PSD fica, e a partir de agora de forma ainda mais evidente, perante um problema grave: a direita tem questões estruturais por resolver, e não parece sequer compreender que esse problema exista. Para já resta salientar o óbvio: Rui Rio não tem outro remédio que não abandonar. E não parece haver ninguém capaz de o substituir com sucesso.

A Iniciativa Liberal e o Chega representam na perfeição o que significa a erosão eleitoral do PSD e também do CDS. As mudanças de siglas, de imagem, de discurso, de programa, de abordagens, ajudaram a deixar tudo isto mais claro: enquanto que o PS representa na perfeição uma sociedade conservadora, envelhecida, muito dependente do Estado, há uma parte do País que, procurando um futuro diferente, já não o encontra nas respostas que PSD e CDS têm dado nos últimos anos. A IL ganha aqui. E André Ventura ganha onde o populismo pode ganhar: nos segmentos, sempre crescentes, da sociedade que estão zangados com a democracia, com a economia, talvez nalguns casos zangados até com tudo. O centro-direita tem muito em que pensar. Terá o tempo de chegarmos a uma nova crise económica para chegar a conclusões válidas. Este é o grande desafio desta noite eleitoral. O resto é mais do mesmo: a certeza de que a nossa pobreza continuará a ser gerida pelos mesmos dos últimos 25 anos. Boa noite e boa sorte.

Raquel Abecassis. Maioria mesmo absoluta

Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente que gostava de mexer os cordelinhos e de ter o governo e a oposição dependentes dos conselhos presidenciais, esse Marcelo Rebelo de Sousa perdeu. A partir de agora, António Costa é o homem do leme. A torre de controlo já não está em Belém.

O surpreendente resultado desta noite não trouxe surpresa apenas num ponto. Os portugueses deram mais uma vez uma mensagem clara e inequívoca. Querem o PS a governar sozinho. António Costa soma troféus na política portuguesa. Ao fim de seis anos de governo consegue aquilo que parecia uma miragem e conquista a impossível maioria absoluta. O próprio António Costa esperava tudo menos este presente de Natal atrasado dos portugueses.

Rui Rio vê assim chegar ao fim aquela que sempre disse ser uma surpreendente carreira política. Afinal, o Still Standing não durou mais de um mês. A derrota do PSD nestas eleições é também um recado claro dos portugueses. Não é este PSD concebido por Rui Rio que os portugueses consagraram como o grande partido de alternativa ao poder. O centro ao centro não convenceu nem convence ninguém. Num momento em que tipicamente os portugueses poderiam querer optar pela mudança, Rui Rio não conseguiu apresentar-se como o rosto mobilizador para a mudança. Não houve voto útil à direita e os defensores da mudança preferiram dar a oportunidade a outros. Ao Chega e à Iniciativa Liberal.

Bloco de Esquerda e PCP tiveram o troco dos portugueses. A senhora que num mercado deu um raspanete em público a Catarina Martins deu voz à esquerda profunda. Catarina e Jerónimo deitaram para o caixote do lixo o seguro de vida que António Costa lhes tinha oferecido e agora vai ser muito difícil aos dois sobreviver. Vai voltar o protesto no Parlamento e na rua. A ver vamos se os portugueses, que agora experimentaram como se portam PCP e BE na hora de assumir responsabilidades, ainda alinham no canto da sereia dos amanhãs que cantam.

O semivencedor da noite é Marcelo Rebelo de Sousa. Terá respirado de alívio por não ter um país ingovernável após os resultados desta noite. Quando um Presidente assume a decisão de dissolução do Parlamento é porque conclui que o país necessita de uma clarificação política. Se essa clarificação não resulta das eleições é uma clara derrota do juízo presidencial. Nesse sentido, o Presidente da República ganhou porque acertou no juízo que fez. Já Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente que gostava de mexer os cordelinhos e de ter o governo e a oposição dependentes dos conselhos presidenciais, esse Marcelo Rebelo de Sousa perdeu. A partir de agora, António Costa é o homem do leme. A torre de controlo já não está em Belém.

Finalmente, este é o dia em que, pela primeira vez em 47 anos de democracia, deixa de estar representado no Parlamento um partido fundador da democracia. O CDS não conseguiu eleger nenhum deputado. É um dia triste para o partido e para os muitos milhares de eleitores que em muitos atos eleitorais ao longo dos anos votaram no CDS. Não sei se o partido resiste a este terramoto, mas sei que o eleitorado que deu vida ao CDS ao longo de quase 50 anos continua a existir e será interessante ver como se vai reorganizar daqui para a frente.

Paulo Tunhas. Uma grande vitória ou uma enormíssima derrota?

O PC, e sobretudo o Bloco, caíram aos trambolhões por aí abaixo. Muita gente não lhes terá perdoado a maldade. Não se vê como Catarina Martins possa continuar à frente da agremiação e duvido imenso que alguém possa, no futuro, fazer melhor do que ela. Quanto ao PC, eles lá sabem. 

A vitória esmagadora do PS, com maioria absoluta, sobre o PSD, de Costa sobre Rio, é, é claro, a coisa mais surpreendente da noite. É de tal modo maciça que dificilmente se concebe que Rio possa continuar à frente do PSD. Aquela estratégia de afirmar o PSD como sendo um partido de centro-esquerda deu no que se viu. Uma parte não despicienda da direita fugiu-lhe claramente, e já vinha, muito compreensivelmente, fugindo muito antes das eleições. O centro também não veio a correr, amoroso, para os seus braços.

Os portugueses mostraram que, em grande número, confiam em António Costa, que não vai precisar de Rio para nada. Se a derrota de Rio é, na sua vasta dimensão, retrospectivamente explicável, a enorme vitória de Costa não o é tanto. Todos os ziguezagues da campanha, para não falar do resto, deviam inspirar no eleitor algumas dúvidas. Mas há de certeza várias razões que podem ser contadas. Sobretudo, uma grande parte das pessoas não terá gostado de ver o orçamento do PS chumbado pelo Bloco e pelo PC e decidiu-se por uma vingança fatal. Além de que os eleitores preferem os partidos que afirmam a sua identidade claramente (o PS apresenta-se como sendo de esquerda) àqueles cuja identidade é incapturável (como foi o caso do PSD de Rio).

O PC, e sobretudo o Bloco, caíram aos trambolhões por aí abaixo. Muita gente não lhes terá perdoado a maldade. Não se vê como Catarina Martins possa continuar à frente da agremiação e duvido imenso que alguém possa, no futuro, fazer melhor do que ela. Quanto ao PC, eles lá sabem. Em todo o caso, uma desgraça para ambos. O Livre lá conseguiu um deputado e o PAN também, quase voltando ao estado de natureza. Pelo seu lado, o Chega e a Iniciativa Liberal tiveram óptimos resultados. O que é que podem fazer no Parlamento e no País, ninguém sabe. A clamorosa derrota do PSD, produto daquela mirífica ideia de um PSD de centro-esquerda, impede tanto uma aliança fecunda com a IL como uma “domesticação” do Chega. Claramente, no meio do grande mapa cor-de-rosa, vai ser cada um por si. E sem o CDS, tristemente, que fica fora do Parlamento.

Se a ambição máxima dos portugueses era a pura e simples estabilidade, então tiveram uma grande vitória. Se era a de encontrar um meio de relançar o País, receio bem que tenha sido uma enormíssima derrota. Com uma grande ajuda do PSD, que não ofereceu nenhum fio condutor à direita durante estes últimos anos. Não foi nos debates nem na campanha que o PSD perdeu. Aí nem esteve particularmente mal. Foi muito antes.

E, francamente, com estes resultados, Rui Rio vir-se gabar, no seu discurso de admissão da derrota, que o PSD não tinha ficado com dívidas por causa da campanha, foi a coisa mais surrealista que podia acontecer… Ou quase… Porque logo a seguir começou a falar em alemão… Meu Deus!

Paulo Trigo Pereira. E agora António Costa? Como vai o PS governar?

António Costa tem condições de mostrar que maioria absoluta não deve ser a implementação de um poder absoluto. Para isso deve ponderar ousar fazer diferente de Cavaco Silva e de José Sócrates nas suas maiorias absolutas.

A maioria absoluta do PS dará estabilidade política parlamentar. A verdadeira questão agora é a forma como o PS vai governar. António Costa disse, no seu discurso de vitória, que vai governar em diálogo com as restantes forças políticas, e em diálogo na concertação social e com o Presidente da República. Disse mais, que irá mudar a opinião dos portugueses sobre as maiorias absolutas e que sabe que muitos dos que votaram PS não são votantes tradicionais socialistas. Na prática, como será governar com esta maioria absoluta?

O PS voltou a ganhar, e esta vitória é antes do mais mérito de António Costa. O PS beneficiou do voto útil advindo de PCP e BE e também de eleitorado potencial de PAN e Livre que quis evitar uma vitória do PSD. As sondagens ao dar a sensação (irreal) de um taco a taco entre PS e PSD acabaram por beneficiar também o PS. A gestão da pandemia, bem como as políticas sociais e alguma reposição de rendimentos de funcionários públicos e pensionistas decerto que explicam muitos votos adicionais no PS.

Estas eleições foram talvez a maior transformação da representação política parlamentar em democracia. Ela deveu-se à entrada, pela primeira vez, de um partido liberal no espetro político português, bem como de um grupo parlamentar considerável de um partido de extrema direita. Penso que ambos estão para ficar. Os liberais, pois têm o dinamismo e a criatividade da juventude. O Chega, pois “Deus, Pátria, Família e Trabalho”, bem como o alegado combate à corrupção ecoa no Portugal profundo. Tivemos também a quase extinção de um dos partidos fundadores da nossa democracia, o CDS, por grande demérito do seu líder. Finalmente, a saída de “Os Verdes” da Assembleia da República e a entrada de Rui Tavares deixa-o como único representante da esquerda ecologista.

É perfeitamente claro que o povo português valoriza a estabilidade governativa e considerou, e bem, que PCP e BE foram os causadores desta crise política, ainda bastante mais do que em 2011, em que também se aliaram aos partidos de direita para derrubar o governo. A narrativa que ambos desenvolveram que foi António Costa que provocou esta crise subestimou a inteligência do eleitorado de esquerda. Quando há partidos que votam contra um Orçamento, são esses partidos que chumbam o Orçamento. Penso que é fácil de entender. A bancada parlamentar do PCP perde dois dos seus melhores deputados: João Oliveira e António Filipe. O mesmo com o BE, com a não eleição de José Manuel Pureza e outros bons e boas deputadas. Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e os respetivos partidos deveriam tirar as devidas ilações e responsabilidades políticas destes resultados.

O CDS, sem nenhum deputado eleito, levou Francisco Rodrigues dos Santos a concluir aquilo que para muitos era óbvio, que não tinha condições para liderar o CDS. Depois de ter impedido que a sua liderança pudesse ser questionada antes destas eleições, colocou em causa o futuro do próprio partido. Não havia necessidade.

O PAN teve um erro estratégico nesta campanha. Considero que a base eleitoral do PAN é do centro-esquerda apesar de o partido não se assumir oficialmente na dicotomia esquerda-direita. Ao dizer em campanha que poderia coligar-se com PS e PSD perdeu certamente muitos votos, nomeadamente votos úteis que foram para o PS. Inês Sousa Real perdeu o grupo parlamentar, também porque o partido não se soube afirmar como verdadeiro partido ecologista.

Rui Rio fez uma boa campanha, mas o programa que apresentou a estas eleições foi bastante próximo nalguns pontos com o apresentado pelo PS, como tive ocasião de mostrar aqui no Observador, nomeadamente na parte económica. A derrota do PSD não a atribuo a Rio nem à sua estratégia, mas quer à emergência de IL e Chega, não afetados pelo voto útil , quer ao trauma da austeridade imposto pela troika, que apesar de negociada e com largas responsabilidades do PS de Sócrates, foi implementada por PSD e CDS.

António Costa tem condições de mostrar que maioria absoluta não deve ser a implementação de um poder absoluto. Para isso deve ponderar ousar fazer diferente de Cavaco Silva e de José Sócrates nas suas maiorias absolutas. Promover um diálogo com o principal partido de oposição, o PSD, para reformas que são inadiáveis para o país. Convidar Rui Tavares para o governo, embora não necessite, para que saiba mostrar que o Livre pode ser a componente ecológica que falta a este governo. Não implementar a “lei da rolha” como fez Cavaco, mas assegurar a transparência e accountability das decisões políticas. Abrir a debate público a decisões políticas mais polémicas e controversas. Não aprovar leis na AR apenas porque o PS tem a maioria, mas porque sabe argumentar melhor na defesa das suas propostas. Não tentar interferir no poder judicial nem nos órgãos de informação para veicular a verdade do PS. Sei que António Costa é capaz disto tudo, o que é bom. Mas também sei que há quem no PS não pense assim.

André Azevedo Alves. Costa espremeu a esquerda

Com o crescimento do PS à custa dos partidos mais à esquerda, a maioria absoluta de Costa é também, pelo menos no curto prazo, uma derrota da orientação estratégica protagonizada no interior do PS por Pedro Nuno Santos.

António Costa é inequivocamente o grande vencedor da noite. A mensagem centrada no apelo à estabilidade e em explorar os receios do eleitorado relativamente à mudança funcionou em pleno. Como funcionou também o ajustamento do discurso na recta final da campanha: paradoxalmente, o PS assegura a maioria absoluta depois de retirar esse objectivo do seu discurso e beneficiando da mobilização do eleitorado à esquerda gerada pela percepção do risco de uma derrota perante o PSD.

Costa apostou tudo na responsabilização de BE e CDU por terem provocado uma crise política com o chumbo do Orçamento do Estado e com essa estratégia conseguiu espremer grande parte do espaço à esquerda do PS. Só o Livre cresce ligeiramente face a 2019 enquanto BE, CDU e PAN (que não chumbou o OE mas foi incapaz de segurar o seu eleitorado face à pressão do voto útil) sofrem pesadas perdas.

Os resultados confirmaram também que as dinâmicas de mobilização associadas ao voto útil foram decisivas. A dinâmica de voto útil à esquerda possibilitou ao PS conseguir uma maioria absoluta numas eleições em que a esquerda no seu todo recua e em que os partidos à direita do PS crescem, no seu conjunto, substancialmente face a 2019. Com o crescimento do PS à custa dos partidos mais à esquerda, a maioria absoluta de Costa é também, pelo menos no curto prazo, uma derrota da orientação estratégica protagonizada no interior do PS por Pedro Nuno Santos.

Uma última nota para realçar o resultado do Chega: André Ventura não só conseguiu que o seu partido ficasse como a terceira força política a nível nacional como estabelece uma vantagem superior a 100.000 votos relativamente ao quarto partido (a Iniciativa Liberal). Partindo de uma base de pouco mais de 1% dos votos e um deputado em 2019, o Chega supera em 2022 os 7% e consegue eleger 12 deputados. Com deputados eleitos por oito distritos diferentes e um grupo parlamentar maior do que do Bloco de Esquerda e CDU combinados, o resultado do Chega é o segundo dado mais marcante destas eleições.

Miguel Pinheiro. Rui Rio foi de vitória em vitória até à derrota final

Che Guevara queria ir de derrota em derrota até à vitória final, mas Rui Rio, que sempre se orgulhou de fazer as coisas de forma diferente, decidiu fazer o caminho inverso. Para ele, a história também não acabou bem.

Rui Rio estava convencidíssimo de que o mundo estava errado e ele estava certo. Até um ponto, percebe-se de onde veio a fantasia: quando Luís Montenegro o desafiou no interior do PSD, Rui Rio ganhou; quando as autárquicas ameaçaram a sua liderança, Rui Rio ganhou; quando Paulo Rangel parecia ter o partido na mão, Rui Rio ganhou; e quando as primeiras sondagens começaram a dar o PS como vencedor inevitável nestas legislativas, Rui Rio ganhou nas segundas sondagens. Estava criado um mito: Rui Rio era o derrotado anunciado que acabava sempre por vencer.

Mas até os mitos precisam de votos. E votos, Rui Rio não teve. Os 79 deputados com que o PSD começou esta campanha estão agora em 71, a que se poderão somar mais dois nos círculos da emigração.

Quando tudo acabou, Rui Rio mostrou a sua verdadeira natureza. Primeiro, a sua natureza política: enrolado em equívocos, sempre se declarou de “centro esquerda”, mas parece que estava afinal à espera dos votos da direita, que a sua confusa cabeça considerava que lhe deveriam ter sido servilmente entregues. Depois, a sua natureza pessoal: quando os seus apoiantes começaram a apupar os jornalistas que lhe faziam perguntas na noite eleitoral, cavalgou a agressividade e respondeu a um repórter falando em alemão, parecendo muito divertido com esta tentativa de coerção e humilhação.

Che Guevara queria ir de derrota em derrota até à vitória final, mas Rui Rio, que sempre se orgulhou de fazer as coisas de forma diferente, decidiu fazer o caminho inverso. Para ele, a história também não acabou bem.

Filomena Martins. No que deu este Rio fofinho

Rio tramou-se, deu a maioria ao PS e ajudou a exterminar o CDS. Os portugueses sempre foram acomodados, porquê arriscar no desconhecido que Rio nem nunca lhes soube explicar bem, logo se via, se podem ficar com o que já conhecem e seguir em frente, e logo se verá no que dá, pior talvez não fique.

Não vale a pena dourar a pílula. Além da vitória esmagadora do PS, esta foi uma derrota brutal para Rui Rio. O que os portugueses lhe disseram foi claramente: se é para votar em alguém que admite coligações com quem está; se é para eleger alguém que vai depois dar a mão a quem quer substituir; se é para tornar primeiro-ministro alguém que tanto pode aliar-se a um lado, como ao outro, porque é igualmente do mesmo centrão; se é para ter um Governo que pode ter como vice quem atualmente o lidera; então é melhor ficar com quem lá está. Ou melhor: o ideal mesmo é até dar-lhe mais poder e assim evitar novas crises e novas eleições daqui a dois anos.

Com esta campanha suave, fofinha, pisca-pisca, de um partido que nem quis aliar-se ao CDS por marcar a sua posição de ser de centro e não uma oposição clara, Rio tramou-se, deu a maioria ao PS e ajudou a exterminar o CDS (coligados, Costa talvez não a tivesse conseguido). Os portugueses sempre foram acomodados, porquê arriscar no desconhecido que Rio nem nunca lhes soube explicar bem, logo se via, se podem ficar com o que já conhecem e seguir em frente, e logo se verá no que dá, pior talvez não fique.

Também não vale a pena estar com falinhas mansas. Este foi um afundanço completo da extrema esquerda. Por muitas voltinhas e cambalhotas à Simone Biles que Catarina Martins tivesse dado durante a campanha, mais o salto mortal à retaguarda no discurso de derrota, o Bloco passou de terceira para quinta força política, de 19 para 5 deputados e perdeu metade dos votos em relação a 2019: achou que era o que não é, agiu com a altivez de sempre e agora que se estatelou ao comprido vai ter de saber sair com a dignidade que lhe resta. O PCP, que vem em queda permanente e perdeu metade da representação parlamentar (de 12 para 6 deputados) tem um problema parecido: sendo que um dos Joões falados para o rejuvenescimento nem sequer conseguiu ser eleito deputado.

Ambos receberam o mesmo recado dos eleitores: não são partidos de poder, mas de contestação e ou voltam à sua genética ou já eram. Receberam o castigo dos anos de apoio aos socialistas, por um lado, e do chumbo que levou a esta crise, por outro. Pelo voto, viu-se a sua utilidade.

Sobram o Livre e o PAN, que estiveram até ao último minuto a contar os votos pelos dedos para serem eleitos. Mas para desgosto de ambos, Costa não precisará deles para a eco geringonça. Pode fazê-lo apenas por favorzinho, que é o pior que lhes pode acontecer.

Não vale a pena igualmente inventar palavras para o que aconteceu ao CDS. Morreu um partido fundador da Democracia, 47 anos depois. Francisco Rodrigues dos Santos foi o seu coveiro. Dificilmente alguém o ressuscitará, pelo menos ao ponto de voltar à I Divisão: quando muito estará no de debate dos pequenos nas próximas eleições, ao lado de Bruno Fialho e Tino de Rans.

À Direita há duas novas realidades muito diferentes: a Iniciativa Liberal e o Chega. Um traz ideias concretas e diferentes em termos ideológicos, mas que dificilmente conseguirá impôr apesar de ter passado de um deputado para um grupo parlamentar de oito; o outro, populista e extremista, poderá ter além de Ventura mais 11 pessoas aos berros no Parlamento, com um programa de uma dúzia de páginas, e é preciso ver o que virá além do barulho.

Este é o caldo dos próximos quatro anos. Costa será senhor absoluto com tudo o que isso implica. E ninguém duvide que implica muito, até internamente no partido (alô Pedro Nuno, vamos ter calma). Se era esta a sua intenção, como sempre se disse quando partiu para esta crise, saiu-lhe melhor que a encomenda. Resta perguntar, até porque ambos se despedirão dos cargos na mesma altura: e agora, Marcelo?

Pedro Jorge Castro. Quantos não teriam votado PS e PSD se soubessem que era para isto?

Rui Rio andou a entreter os eleitores com fotos do seu gato Zé Albino, a fazer-se de fofinho, mas mostrou afinal poucas garras para capitalizar ao centro, e deixou-se abocanhar pelos novos partidos à sua direita.

Não foi de todo a humildade que deu esta maioria absoluta a António Costa, ao contrário do que ele alvitrou no início do seu discurso de vitória. Humildade em quê? Não foi humilde a governar mesmo sem ter maioria, não foi humilde a reconhecer erros, não foi humilde a rebentar pontes com os outros partidos, não foi humilde a pedir a maioria absoluta, nem foi humilde depois quando recuou nesse pedido ao ver as sondagens desfavoráveis. Dificilmente será humilde agora com o poder absoluto, após tanto cansaço e altivez acumulados em seis anos de governação, mas tem quatro anos para desvendar essa nova característica da sua personalidade ao país.

Não foi portanto António Costa, o Humilde, a vencer. A haver cognomes, seriam António Costa, o Impiedoso, pela violência eficaz com que arrasou Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, culpando-os, com sucesso, de terem provocado as eleições. Ou António Costa, o Mal Menor, por ser o único candidato a primeiro-ministro que ofereceu garantias de não dar importância ao Chega.

Costa pode ainda agradecer muito às sondagens divulgadas ao longo da campanha, que apontavam para um resultado muito mais equilibrado e para o risco real de o PSD disputar a vitória. Quantos eleitores não teriam votado PS, se soubessem que o resultado era esta maioria absoluta? E quantos mais teriam votado Chega, IL ou CDS, se soubessem que o voto no PSD afinal era inútil?

Rui Rio andou a entreter os eleitores com fotos do seu gato Zé Albino, a fazer-se de fofinho, mas mostrou afinal poucas garras para capitalizar ao centro, e deixou-se abocanhar pelos novos partidos à sua direita.

A sua disposição permanente para se vergar ao PS; a inexplicável defesa do fim dos debates quinzenais — que agora ainda farão mais falta no escrutínio de um governo com maioria absoluta; a forma tenrinha como se deixou dominar por André Ventura no debate televisivo; e a tardia e pouco firme barreira que ergueu contra o Chega: tudo motivos de desconfiança para os potenciais eleitores. Bem pode agora desabafar em alemão sobre as agruras da política, enquanto faz festas ao gato, que talvez o compreenda, ao contrário da maioria dos portugueses que foi votar.

Quanto aos pequenos: vamos ver o que acrescentam a André Ventura os 11 novos deputados do Chega; a Iniciativa Liberal ganha tempo e espaço para se mostrar com um grupo parlamentar de 8 deputados; PCP e Bloco terão de se confrontar com crises de liderança, ao mesmo tempo que soltarão os sindicalistas de novo para a luta nas ruas; Rui Tavares salvou-se à justa e dificilmente será pior deputado do que Joacine Katar Moreira; o PAN entrou em vias de extinção; o PEV acabou mesmo; e Francisco Rodrigues dos Santos, que não teve coragem de enfrentar a oposição interna em eleições e descartou uma deputada como Cecília Meireles, acabou afinal humilhado sem conseguir sequer ser eleito. De pouco lhe serviu ter vencido Ventura no debate, com a frase do esquadrão de cavalaria a desfilar na sua cabeça sem esbarrar numa ideia. Francisco Rodrigues dos Santos chegou a usar a sigla do CDS para significar Costa Deve Sair, mas afinal acabou por sair qualquer coisa como Chicão Dá à Sola.

Ricardo Conceição. Jerónimo e Catarina ficam com as migalhas e o Zé Albino vai ter o colo do dono de volta

O PSD voltou a perder com Rui Rio. A estratégia do homem ilustre do povo que fala de forma desabrida, que tem um gato simpático, ruiu por completo ao não conseguir assumir-se como alternativa convincente perante os eleitores.

50 anos depois, assistimos esta noite ao sinal inequívoco de que o país político mudou à esquerda e à direita, mas a velocidades diferentes. O PCP mantém a sua trajectória a caminho da irrelevância e o Bloco de Esquerda foi vítima da própria arrogância e irá pagar um preço alto pela ousadia. A tentativa de afirmação bloquista com 2 chumbos sucessivos das propostas de Orçamento do Estado e a queda do governo socialista redundaram num castigo severo por parte do eleitorado. Nem na campanha eleitoral o BE acertou ao concentrar atenções no Chega e não nos reais problemas dos eleitores. O BE entregou de bandeja o próprio eleitorado à ideia de voto útil no PS. António Costa, o grande vencedor da noite, acertou em cheio na estratégia do “a culpa foi deles”, quando os eleitores à esquerda procuravam estabilidade e gostam da ideia de geringonça. PCP e Bloco de Esquerda ficaram agora sujeitos a disputar migalhas. Desta noite eleitoral fica a certeza de que nos comunistas tudo vai ficar igual, resta saber se Catarina Martins vai manter a liderança bloquista e por quanto tempo.

O PAN também foi um dos grandes derrotados. O escrutínio apertado a um partido que já foi “fofinho” e pitoresco poderá ter conduzido à extinção daquele que nunca deixou de ser o Partido dos Animais. O extremismo do PAN foi derrotado, porque os portugueses não se revêem na imposição de práticas que lhes são culturalmente avessas.

À direita, a mudança faz-se a maior velocidade ao confirmar-se o desaparecimento do histórico CDS, a afirmação eleitoral do Chega e da Iniciativa Liberal e a derrota de um PSD à procura da identidade.

O PSD voltou a perder com Rui Rio. A estratégia do homem ilustre do povo que fala de forma desabrida, que tem um gato simpático, ruiu por completo ao não conseguir assumir-se como alternativa convincente perante os eleitores. Ao líder social-democrata faltou a humildade que tanto apregoou e a bazófia ajudou a cerrar fileiras à esquerda. Rui Rio foi incapaz de mobilizar o voto útil do centro-direita, como o próprio admitiu este domingo. Rio ainda conseguiu ser o protagonista de um triste espectáculo ao permitir à sala apupos às perguntas dos jornalistas. O homem da frontalidade não deu uma resposta clara sobre a sua eventual demissão e acabou a falar em alemão. O Zé Albino deverá ter o dono de volta em breve.

A Iniciativa Liberal soma ao amealhar os votos dos deserdados do CDS, dos eleitores urbanos que não gostam do dono do gato e que exigem ruptura. A IL fez uma boa campanha e consegue chegar a uma classe média afogada em impostos, que está a largar o PSD por falta de resposta.

E terminamos no Chega, que continua a capitalizar os votos dos descrentes e descontentes da política. A noite foi de vitória expressiva para o partido do homem só, que vocifera contra as “vergonhas” que todos conhecem, e que nalguns casos infernizam a vida aos comuns mortais sem que sejam resolvidas. Os partidos tradicionais não dão resposta nem voz aos problemas dos portugueses do mundo real e enquanto assim for o Chega vai continuar a somar. Continuar a agitar a bandeira do racismo e do extremismo não basta, é preciso criar alternativas e respostas políticas credíveis para os problemas. Porém, terá o Chega capacidade para capitalizar o sucesso? Um grupo parlamentar aumenta a exposição para o bem e para o mal e os eleitores vão rapidamente tirar as suas conclusões.

Uma última nota para dizer que a política interessa. Os portugueses viram os debates, acompanharam a campanha eleitoral, ouviram as entrevistas e saíram de casa para votar invertendo a tendência ascendente da abstenção, que se verificava desde 2005.

Rui Pedro Antunes. Eh lá, até o centro se assustou

Perante António Costa e outro moderado de centro-esquerda, o centrão preferiu o original. A direita fugiu de quem disse que não era de direita e esquerda mobilizou-se.

A culpa, já se sabe, é do Passos. A saída do antigo primeiro-ministro da liderança do PSD — dois anos depois de liderar um Governo com uma costela liberal e com boa aceitação na direita conservadora — abriu espaço para o surgimento de novos partidos como o Aliança, o Chega e a IL. Se o primeiro não se safou, os outros dois afirmaram-se, em parte, à boleia de eleitorado do PSD. Culpa da saída Passos, mas mais de Rio que não conseguiu segurar o eleitorado ao fugir da direita como o diabo foge da cruz.

A culpa é também do Passos porque ainda está fresco na memória coletiva os cortes dos tempos da troika. Os portugueses não esquecem os cortes em feriados e subsídios e, no momento do voto, o que conta mais (dizem todos os estudos de opinião) é o bolso. O PSD bem se esforça em explicar que só salvou o país da bancarrota provocada pelo PS, mas Passos foi sempre o rosto dessa crise do além. Do ir além da troika. O PS (curiosamente secundado pelo Chega) trouxe a PàF para a campanha e Rio não conseguiu desfazer essa ideia. Culpa de Rio, que não o soube contrariar.

Os resultados mostram também que Rui Rio estava completamente errado na estratégia de colocar o PSD ao centro. Os votos e deputados que a IL e o Chega conseguiram mostram que era à direita que o presidente do PSD tinha de conquistar votos. Havia deputados a ganhar no espaço não-socialista, mesmo que os resultados mostrem que a maioria sociológica de esquerda está longe de ser um mito anacrónico.

Rio não ganhava a Costa nem que fosse pré-coligado com aquilo a que os comunistas chamam de seus sucedâneos. Mas mantinha o PSD mais perto. Chega e IL — partidos que não existiam quando Rio chegou à liderança do PSD — conseguiram, juntos, 20 deputados, o que seria o suficiente para o PSD passar dos 75 deputados que já tem (pode chegar a 77 com os círculos da emigração) para os 95 ou 97.

Perante António Costa e outro moderado de centro-esquerda, o centrão preferiu o original. A direita fugiu de quem disse que não era de direita e a esquerda mobilizou-se. Rio não só não conseguiu captar o voto útil em torno dele (Moedas, em Lisboa, conseguiu), como foi um fator agregador do voto útil à esquerda em torno de António Costa.

Rio tentou vender Pedro Nuno Santos como um Papão do PS, mas foi ele (com trapalhadas como a prisão perpétua e outras teias em que se deixou enredar por Ventura) o papão que deu jeito ao PS para conquistar o centro. Papão não, diabo.

[Como se desenhou um mapa cor-de-rosa absoluto. O filme da noite eleitoral:]

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