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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR
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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR

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O fundo estatal que “torrou” 90% do dinheiro que investiu

Banco de Fomento lançou esta semana programas de investimento que têm características semelhantes ao FACCE, o fundo que foi lançado em 2009 e já perdeu 90% do capital nas empresas onde investiu.

Um dos fundos públicos que estão no capital da Dielmar, conhecido pela sigla FACCE, perdeu quase 90% dos investimentos que fez em empresas que, na sua maioria, acabariam por não se salvar. Este é um fundo lançado em 2009 (pouco antes da reeleição de José Sócrates) que nunca teve um resultado positivo e já “torrou” mais de 84 milhões de euros – consumido pelas apostas ruinosas nessas empresas e pelas comissões pagas à gestora PME Investimentos, como mostram as contas a que o Observador teve acesso.

Além da Dielmar, nomes como a ex-Aerosoles (Investvar), a La Seda, a Tegopi e o AliSuper constam da “galeria de horrores” do FACCE, um fundo cujas contas não estão disponíveis publicamente apesar de este ser um veículo estatal. O Banco Português de Fomento, que incorporou a PME Investimentos e é o atual responsável pela gestão do fundo, não respondeu a um pedido para a partilha das contas, feito há vários meses.

Mas nesses relatórios, a que o Observador acabou por ter acesso, é possível ver como no final de 2020 o fundo tinha perdido mais de 84 milhões dos 94 milhões do capital que lhe foi disponibilizado. E, na certificação legal de contas de 2020, os auditores avisam, também, que havia “uma desvalorização potencial acumulada de 93%” nos investimentos que ainda estavam ativos no final desse ano.

O Fundo Autónomo de Apoio à Concentração e Consolidação de Empresas (FACCE) foi criado, inicialmente, com 175 milhões de euros em capital – uma dotação que acabou por ser reduzida para 94 milhões no tempo de Vítor Gaspar, quando o FACCE já estava a fazer pouco mais do que tentar sair da maioria dos investimentos da forma menos danosa possível.

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Segundo as contas anuais do FACCE, é isso que foi feito desde pelo menos 2013. Ainda hoje correm em tribunal vários processos em que se tenta recuperar alguma coisa – por entre ameaças veladas por parte de alguns dos empresários de que centenas de postos de trabalho podem estar em risco. É pouco provável que haja recuperações significativas, acreditam as fontes ouvidas pelo Observador.

O fundo investiu em 26 empresas, entre 2009 e 2011, e em cerca de dois terços dos casos as empresas já foram para insolvência – os dedos de uma mão chegam e sobram para contar os casos de sucesso.

Filosofia semelhante a novos fundos da “bazuca”

Em maio de 2009, quando o FACCE foi criado, José Sócrates ainda gozava de maioria absoluta mas estava em fim de mandato e a perder popularidade. O seu governo, a braços com as ondas de choque da crise internacional, preparava-se para ir a votos novamente dali a uns meses, em setembro – eleições que o PS viria a ganhar mas perdendo a maioria.

Esse foi o ano do icónico aumento de 2,9% nos salários da Função Pública, decidido numa altura em que a economia portuguesa já tinha travado a fundo, no final de 2008. O PIB tinha crescido apenas algumas décimas em 2008, prenunciando a recessão que viria no ano seguinte, em 2009: a economia acabou esse ano com uma contração (real) de mais de 3%.

A taxa de desemprego, que estava nos 7,6% em 2008, já tinha iniciado uma trajetória de aceleração. Em 2009 acabaria por superar os 10%, no último trimestre do ano. Numa das medidas tomadas para tentar estancar a sangria, em maio, o governo Sócrates criou um fundo com 175 milhões de euros, cuja gestão entregou à PME Investimentos, como se pode ler no despacho que lançou o veículo.

O FACCE foi lançado a poucos meses da reeleição de José Sócrates, para tentar atenuar uma subida do desemprego (que atingiu os dois dígitos no final de 2009).

LUSA

O objetivo era investir em “projetos de demonstrada valia económica de reestruturação empresarial, associações em participação ou outras formas de parcerias industriais e comerciais estáveis”.

A filosofia era muito semelhante à que vai estar subjacente aos programas de investimento, ligados à “bazuca” europeia, que o Banco Português de Fomento anunciou esta semana. Tal como o FACCE, os dois primeiros fundos lançados pelo Banco de Fomento, no valor de 650 milhões de euros, “têm como objetivo apoiar a solvabilidade e resiliência financeira de empresas nacionais estratégicas e o investimento produtivo, em crescimento e consolidação empresarial”.

Novos fundos da "bazuca" com a mesma filosofia do FACCE

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Ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a chamada “bazuca europeia”, foram lançados nesta última semana antes das eleições legislativas os dois primeiros programas de investimento geridos pelo Banco Português de Fomento (BPF). As linhas orientadoras dos Programas de Investimento do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR), são muito semelhantes às que nortearam a criação do FACCE.

Os novos instrumentos financeiros, no valor de 650 milhões de euros, são o Programa de Recapitalização Estratégica e o Programa Consolidar. Segundo comunicado de imprensa, têm como objetivo apoiar a solvabilidade e resiliência financeira de empresas nacionais estratégicas e o investimento produtivo, em crescimento e consolidação empresarial”.

O Observador questionou o Banco de Fomento sobre como pode garantir um desempenho diferente para esse programa (e outros), mas não obteve qualquer resposta.

No comunicado de imprensa de lançamento dos dois fundos, Beatriz Freitas, CEO do BPF, considera que “o lançamento destes dois Programas é um exemplo claro da missão do BPF em financiar a economia, projetando-a para o futuro. Acreditamos que o FdCR terá um impacto significativo na modernização, expansão e internacionalização de empresas estratégicas nacionais, e através destes dois programas procuramos que isso seja feito em conjunto com os gestores e acionistas de cada empresa”.

“Era um fundo que entrava quando já pouco havia a fazer…”

O FACCE “é um fundo do tempo de [José] Sócrates, um tempo em que nasciam fundos públicos todos os dias, em que se dizia que havia dinheiro para tudo”, recorda uma fonte ligada ao setor do investimento empresarial, acrescentando que essa proliferação de fundos também estava associada à “instrução europeia de injetar dinheiro nas economias para atenuar o impacto da crise” causada pelo colapso do Lehman Brothers.

Porém, embora admita que “pontualmente poderá ter corrido bem”, esta fonte do setor recorda que “era um fundo que entrava no momento em que já pouco havia a fazer, além de salvar (por algum tempo) alguns postos de trabalho…”.

No setor afiança-se, também, que algumas escolhas das empresas onde se decidiu investir não foram impermeáveis a ligações políticas: Manuel Pinho era o ministro da Economia e João Vasconcelos, que morreu em 2019, era adjunto e assessor do gabinete do primeiro-ministro José Sócrates nas áreas do desenvolvimento económico regional. “Entrou-se no capital de empresas controladas por pessoas muito poderosas”, recorda fonte que acompanhou o processo numa fase posterior.

Fonte: Relatórios e contas do FACCE, entre 2009 e 2020

O FACCE, que foi criado na propriedade do IAPMEI, tem um conselho geral, com quatro membros. Nos anos em que os investimentos foram feitos, na liderança desse conselho geral estava um antigo chefe de gabinete de Manuel Pinho (em 2007/2008), Pedro Matias, hoje presidente do ISQ e que também presidiu a outro fundo que está na Dielmar, o FIAIE (Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas).

Esse gestor acabou por sair do FACCE (e do FIAIE) em março de 2014, com o PSD/CDS-PP no governo. Foi substituído por Luís Carvalho Lopes, que acabou exonerado quando o governo voltou a mudar. Em final de 2015, quando o PS forma a “geringonça”, Pedro Matias é nomeado chefe de gabinete do secretário de Estado João Vasconcelos.

Contactado pelo Observador a propósito dos investimentos feitos pelo FACCE, Pedro Matias preferiu não fazer comentários e remeteu para a sociedade gestora, a PME Investimentos (agora Banco Português de Fomento).

Foi, também, nomeado técnico especializado no mesmo gabinete Bruno Matias, irmão de André Matias de Almeida – que pouco depois, no início de 2017, ascenderia a presidente do FACCE, quando tinha menos de 30 anos (Pedro Matias fica como vice). André Matias de Almeida tem sido ligado aos corredores do Partido Socialista e que nos últimos anos tem aparecido publicamente sobretudo como porta-voz da ANTRAM, associação de empresas de transportes que sofreram com a greve dos motoristas de matérias perigosas, em 2019.

O ajuste direto com “conflito de interesses aparente” e as ligações ao PS do porta-voz da ANTRAM

Poucas semanas depois de André Matias de Almeida ser nomeado, quem o nomeou sai do Governo: demite-se o secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos, que viria a ser constituído arguido no caso das viagens pagas pela Galp para ir aos jogos do Euro 2016.

João Vasconcelos ainda foi constituído arguido noutro processo por alegado crime de fraude na obtenção de subsídio. Em maio de 2018, foi considerado formalmente suspeito de alegadamente ter favorecido uma empresa da sua mulher num investimento que envolvia fundos públicos. Morreu menos de um ano depois, em março de 2019, aos 43 anos.

O ex-secretário de Estado que é arguido mas dizia que não

Comissão anual de 1,7 milhões para gerir carteira de 2,5 milhões

Hoje, o FACCE está sem presidente do conselho geral. A gestão corrente está entregue ao Banco Português de Fomento, que integrou a antiga gestora PME Investimentos – outra estrutura pública que, apesar da destruição de valor que o fundo teve, sempre cobrou uma comissão anual de 1,75% da totalidade do capital, um valor que, segundo fontes do setor, está acima dos habituais neste tipo de processos. Embora essas sejam comissões que não saem da esfera dos organismos públicos, na prática subtraem-se aos valores que efetivamente podiam chegar às empresas. E colocam em causa as perspetivas do fundo onde já só restam menos de 10 milhões em capital.

As últimas contas disponíveis apontam para um prejuízo de quase 260 mil euros em 2020, ainda assim melhor do que a perda de 2,76 milhões do ano anterior (2019). O fundo nunca teve um resultado positivo e começou, logo nos primeiros anos, a reconhecer imparidades milionárias nos investimentos que tinha feito.

Aliás, logo no primeiro ano de atividade (2009), os resultados foram negativos em 3,2 milhões e logo aí foi constituída uma provisão superior a 1,6 milhões no que viria a ser uma das aplicações mais ruinosas para o FACCE: o grupo Investvar, a empresa de Artur Duarte que comercializava os sapatos Aerosoles e que pediu insolvência ainda em 2009.

Em 2010, novo prejuízo de 3,3 milhões – com mais perdas na Investvar (e na MoveOn, empresa que herdou alguns dos seus ativos) e uma comissão de gestão superior a três milhões de euros. Em 2011, quase 17 milhões em prejuízo, com “perdas associadas à carteira de investimentos e créditos [que] decorrem do registo de desvalorizações apuradas no âmbito do processo de avaliação dos investimentos realizados”. Depois viria o pior ano de todos: 30,2 milhões de imparidades reconhecidas em 2012, 10 milhões dos quais com o investimento na La Seda de Barcelona.

No final de 2020, como demonstram as contas anuais, o que restava do ativo já não chegava a 10 milhões de euros, três quartos dos quais aplicados em depósitos bancários. O restante terço, 2,5 milhões, diz respeito à carteira de investimentos cuja gestão onera o fundo em 1,7 milhões de euros anuais nas tais comissões de gestão – que nos primeiros anos do fundo superavam os três milhões (1,75%, ao ano, sobre o valor do capital que inicialmente era de 175 milhões de euros).

A presidente executiva do Banco Português de Fomento, Beatriz Freitas, discursa na apresentação de medidas de apoio de Recuperação Económica, que decorreu na Porto Business School, em Matosinhos, 13 de julho de 2021. FERNANDO VELUDO/LUSA

Beatriz Ferreira, CEO do Banco de Português de Fomento. O banco não facultou as contas do FACCE nem respondeu às questões do Observador.

FERNANDO VELUDO/LUSA

Ao longo da sua história, o FACCE atraiu 98 candidaturas e dessas selecionou 26 – que todos os projetos foram iniciados entre 2009 e 2011. Como reconhecem as contas de 2020, nos oito anos seguintes apenas se fez “a gestão da respetiva carteira de investimentos e a gestão dos processos de desinvestimento”, tentando recuperar o mais possível dos capitais injetados nestas 26 empresas que representavam, à data dos investimentos, 11.800 postos de trabalho. O fundo nunca podia investir mais de 40% das necessidades de cada projeto, exigindo-se que os acionistas também participassem ou, então, teria de haver crédito bancário – a Caixa Geral de Depósitos foi, em várias situações, o principal credor, em outros casos o Banco Espírito Santo (BES).

No final de 2020, o fundo ainda tinha nove empresas na sua carteira de investimentos, onde apostou um total de 32 milhões de euros – foi saindo das outras ao longo dos anos. As empresas eram as seguintes:

Por outro lado, havia quatro empresas que se encontravam inativas ou em processo de insolvência no final de 2020. O FACCE dizia que “têm sido desenvolvidas diligências e negociações no sentido de procurar recuperar parte do valor do investimento”, que foi de um total de oito milhões de euros. Essas quatro empresas são:

Em duas empresas, o FACCE rapidamente perdeu tudo devido a liquidação:

Até ao final de 2020, o FACCE já realizou desinvestimentos em 11 operações, segundo as contas de 2020:

Na certificação legal de contas de 2020, os auditores colocaram uma ênfase onde salientam a desvalorização potencial acumulada de 93% nos investimentos que ainda estão ativos, face ao respetivo valor de aquisição.

Essa desvalorização é justificada com uma “degradação das condições de financiamento das empresas bem como das perspetivas de desenvolvimento futuro, resultantes de uma instabilidade da procura e uma deficiente capacidade de financiamento das empresas”, que “não tem permitido assegurar as condições para o desenvolvimento sustentado dos negócios, com especial impacto nas participadas do FACCE”.

As contas de 2020 indicam que em setembro de 2019 houve uma reabertura do período de investimento do FACCE: “Durante o ano de 2020 existiram diversos contactos de interessados nesta iniciativa, mas que não chegaram a materializar em candidaturas”.

O Observador contactou o Banco Português de Fomento para perceber a avaliação que é feita do desempenho do fundo, bem como saber que planos existem para o futuro do FACCE, mas não obteve qualquer resposta.

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