Na sequência da VII Convenção da Iniciativa Liberal, ouviram-se opiniões na comunicação social e em redes sociais que mostraram alguma incompreensão sobre o que aconteceu naqueles dois dias. Foi uma convenção pouco convencional, aberta a todos os membros do partido, em que todos podiam expressar-se livremente e dizer o que lhes ia na alma. Tanta diversidade gerou alguns equívocos e interpretações pouco fundamentadas sobre o caminho que a Iniciativa Liberal está a tomar.

Aqui ficam as minhas notas sobre alguns desses mal-entendidos.

 

Não discutiram política, apenas o partido.

Não havia, nem há, qualquer diferença significativa na forma de olhar o país por parte dos três candidatos à liderança. Todos estavam de acordo no essencial. O que os diferenciava era a forma como se propunham organizar a Iniciativa Liberal para ser mais capaz de transmitir a sua mensagem política nos próximos anos. Sendo a Convenção eletiva e que servia, basicamente, para escolher os órgãos nacionais do partido para o próximo biénio, era natural que o que estivesse em jogo fosse um debate interno.

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A verdade é que há uma total convergência política no caminho que a Iniciativa Liberal deve tomar e quais as bandeiras com que se deve apresentar aos portugueses. Após as eleições, o novo presidente enviou uma carta aos membros onde reafirma as principais bandeiras da IL:

Queremos uma fiscalidade simplificada, menos extorsiva, para pessoas e empresas.
Queremos que a escolha da escola dos nossos filhos não seja apenas uma opção para os mais favorecidos.
Não aceitamos que milhões de portugueses estejam condenados a intermináveis filas de espera para consultas nos hospitais do SNS.
Queremos que o mercado de habitação não esteja refém de arrasadoras burocracias que bloqueiam a oferta.
Queremos um ambiente económico saudável e atrativo para investimentos.
Queremos que os comerciantes, os agricultores, os pequenos empresários e os profissionais liberais possam exercer livremente as suas atividades sem se sentirem permanentemente ameaçados e esmagados pela máquina burocrática e repressora do Estado.
Queremos que os nossos jovens não sejam obrigados a emigrar porque o nosso país é incapaz de lhes proporcionar a esperança numa vida melhor.
Queremos uma função pública eficiente e valorizada.
Queremos um Portugal a crescer, capaz de reparar o elevador social, que reconheça o mérito e permita que as pessoas possam subir na vida através do trabalho.
Queremos um país atrativo, rico, acolhedor e sustentável para os nossos jovens, para os nossos filhos, para os nossos netos.

Não conheço ninguém na IL que não se reveja nestas bandeiras. Os objetivos não dividem ninguém. Há apenas diferentes ideias de como chegar lá.

A Iniciativa Liberal está dividida. O resultado das eleições prova-o.

Sempre que numas eleições há mais que um candidato, pode argumentar-se que o eleitorado está dividido. A forma típica que os comentadores usam para explicar o resultado nas eleições para as lideranças partidárias é linear:

  • Se há apenas um candidato, há unanimismo.
  • Se há dois candidatos, o partido está dividido.
  • Se há três candidatos, o partido está esfrangalhado.

O que aconteceu pode explicar-se de uma forma mais simples: A Iniciativa Liberal teve umas eleições com excelentes candidatos, mas só um podia vencer.

Vi na TV um apanhado das intervenções dos membros e fiquei chocado.

O que as televisões escolheram foram os momentos mais divertidos e mais surreais. Parte dos momentos “selecionados” pelos media foram apenas segundos divertidos de belíssimos discursos, como foi o caso do Prof. Eduardo Teixeira, em que se mostra apenas a reação de surpresa do momento em que ele se apercebe que terminou o seu tempo ou do Sérgio Loureiro, que começou a sua intervenção com uma frase de captação de atenção e foi tudo o que se viu. Passei o fim-de-semana a tentar adivinhar que momentos iriam parar ao programa de Ricardo Araújo Pereira. Acertei alguns, falhei noutros. Como é natural, é recreativo ver todos aqueles momentos em sequência, como se fosse um resumo da Convenção.

Mas convém assinalar que falaram na convenção quase 200 membros da Iniciativa Liberal. A maior parte destas pessoas não tinham qualquer experiência política anterior à Iniciativa Liberal e muitos nunca tinham falado para tão grande audiência. O nervosismo causado pela inexperiência esteve patente na forma como alguns membros se expressaram. Uns, mais entusiasmados, exageraram na forma. Outros no conteúdo. Alguns, muito poucos, exacerbavam diferenças com outras pessoas, deram voz a insinuações e espelharam divergências provavelmente mais imaginadas que reais. Foram uma minoria, felizmente. Mas tudo o que se diz e faz numa convenção à porta aberta afecta a imagem da Iniciativa Liberal e são justamente os maus momentos que são exponenciados pela Comunicação Social e pelas Redes Sociais.

Se a sensibilidade política não foi uniforme em todos os oradores, a realidade é que a grande maioria dos membros que falaram fizeram-no com educação e bom senso, fosse na defesa dos seus candidatos ou em considerações sobre as moções estratégicas ou sectoriais. Infelizmente, nenhuma seleção de momentos de bom-senso faz um best-off de uma convenção.

Foi um evento muito desorganizado. Aqueles atrasos são incompreensíveis.

Os estatutos da Iniciativa Liberal impõem que as Convenções sejam universais e implicam um quórum de 50% dos inscritos para se dar início ao evento. Sendo uma reunião que se iniciava Sábado de manhã pelas 9h00, a organização foi surpreendida com os atrasos de muitas centenas de pessoas que apenas optaram por se deslocar no próprio dia, vindas de todo o país. Além disso, muitos membros inscreveram-se para ter direito a voto, mas o voto era apenas no Domingo. Só houve quórum por volta das 11, atrasando todos os trabalhos e obrigando a que parte da Ordem de Trabalhos fosse transferida para o dia seguinte.

No caso das votações, a demora deveu-se aos procedimentos de auditoria e ao problema de alguns membros que, apesar de inscritos, não receberam o boletim de voto eletrónico em tempo útil, por erros que tiveram de ser corrigidos, um a um.

Foram lições que ficam para a próxima convenção, que terá de ter regras diferentes.

Há uma guerra entre conservadores e progressistas

Certas intervenções amplificaram ideias que nasceram nas semanas anteriores, e criaram a noção que um grupo de membros de uma lista candidata ao Conselho Nacional não apoiava a defesa de minorias e que entendia que essa defesa era woke.

Nunca os interpretei dessa forma. Achei também uma má opção de se chamarem a si próprios liberais clássicos. Somos todos liberais clássicos. Critiquei várias vezes o excesso de linguagem que usaram na campanha, mas o que os membros de essa lista defendem, se bem entendi, é que a Iniciativa Liberal não deve apadrinhar benefícios para ninguém por questões identitárias e deve abster-se de participar em eventos onde esse tipo de identitarismo é promovido.

Outras pessoas interpretaram aqueles conceitos como um ataque a minorias e à vontade de cada um ser como é, como ficou patente em algumas intervenções mais acaloradas. Foi uma interpretação excessiva.  Se estes dois grupos se sentassem a uma mesa compreendiam que grande parte destas diferenças são artificiais.

Por muito que este debate possa parecer importante dentro da Iniciativa Liberal, a verdade é que nenhum dos três candidatos à presidência podia ser associado a qualquer destes grupos mais vocais.

Para um liberal, cada pessoa pode ser o que desejar desde que respeite os direitos dos outros a serem também o que pretenderem. Todos são tratados por igual. Um liberal não quer saber o que cada um faz em privado. Todos têm direito a procurar a felicidade da forma que entenderam. Mas essa liberdade de cada um ser dono de si próprio, implica também que ninguém imponha aos outros comportamentos que eles não tencionam ter ou que qualquer pessoa ou grupo de pessoas seja favorecido com direitos exclusivos ou prejudicado por razões identitárias.

Na Declaração de Princípios aprovada na Convenção de 2021, pode ler-se que “a Iniciativa Liberal defende igualdade de tratamento por parte do Estado para todas as pessoas, com direitos iguais para todos e privilégios diferentes para ninguém. Defende a autonomia das minorias perante o peso das maiorias, reconhecendo que a mais pequena das minorias é o indivíduo. Uma sociedade livre exige que ninguém seja politicamente discriminado em função das suas escolhas ou circunstâncias, local de nascimento, ascendência, cor da pele, sexualidade, religião, capacidades, convicções políticas ou condição social.

Com isto, todos concordam.