No dia 26 de abril de 2023, assumindo como verdadeiro o relato do Ministro João Galamba e dos diferentes órgãos de comunicação social, viveu-se no Ministério das Infraestruturas, um dos mais degradantes episódios da democracia portuguesa das últimas décadas.
Após ter sido verbalmente exonerado do cargo de adjunto do Ministro das Infraestruturas, o adjunto Frederico Pinheiro foi ao ministério e tentou levar o seu computador para casa. Ao ter dado conta disto, alguém presente no ministério, ligado ao governo, terá tentado evitar que esta ação ocorresse. Deram-se altercações, tendo sido a Polícia de Segurança Pública (PSP) chamada ao Ministério. Frederico Pinheiro foi identificado pela PSP e sem mais questões seguiu a caminho de casa com o computador que lhe estava atribuído pelo ministério. Após um contacto telefónico feito por um funcionário do Serviço de Informações de Segurança (SIS), recebeu ordem para entregar o equipamento informático, ordem à qual o ex-adjunto do ministro acedeu com a entrega a efetuar-se na rua. Vinte e quatro horas depois o SIS entregou o computador à Polícia Judiciária (PJ).
Não me vou alongar sobre este caricato e muito pouco dignificante episódio que envolve agressões e ofensas entre assessores e membros do governo de António Costa. Interessa-me mais analisar a outra componente de tão famigerado episódio; a intervenção do SIS na recuperação do computador de serviço utilizado por Frederico Pinheiro.
Sejamos claros: os serviços de informações, seja o SIS, seja o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) não podem realizar ações de interceção e recolha de qualquer tipo de material. A lei que regulamenta o funcionamento do SIRP — Serviço de Informações da República Portuguesa — é muito precisa no limite de atividades destes serviços, referindo que é “vedado exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou da competência específica dos tribunais, do Ministério Público ou das entidades com funções policiais. […] não podem desenvolver atividades que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei”.
Em síntese, o SIS não é um órgão de polícia criminal como a PSP, a GNR ou PJ, logo não pode ter qualquer mandado judicial para apreender o computador do ex-adjunto do ministro João Galamba.
Tudo isto indicia uma inaceitável intromissão do governo em instituições, as quais devem estar acima de qualquer suspeição de instrumentalização política e partidária, pois estas intromissões implicam uma perda de confiança nas instituições, perda esta absolutamente letal para a Democracia.
O Estado português é um Estado de Direito e assim não pode deixar de o ser, para bem dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas também para continuarmos a ser credíveis a organizações internacionais como a União Europeia. A última coisa que Portugal precisava, mas também este governo, era da suspeita de que um serviço de inteligência ultrapassou as suas competências e atuou como uma polícia criminal.
Perante esta situação, o Conselho de Fiscalização do SIRP, órgão dominado por ex-governantes socialistas, tem de estar absolutamente seguro ao afirmar que a atuação do SIS foi dentro da lei.
Da pouco clara nomeação do procurador europeu, à dependência do poder económico face ao governo, passando pela influência do partido do governo nos media, talvez muito para além da mera opinião publicada, e por uma revisão constitucional que pode facilitar ao governo o decretar do estado de emergência com todas as limitações que tal pode ter na liberdade individual das pessoas, perante estes factos geradores de suspeições, a última coisa que este governo e o país precisavam era de mais uma suspeita fundamentada de instrumentalização dos serviços de informação para fins políticos.
Obviamente, que quando percebemos que os serviços de informações são instrumentalizados em vez de servirem para proteger a segurança nacional, quando juntamos o caos e descrédito da Justiça e das funções do Estado a tudo isto, é natural que a confiança no governo e nas instituições democráticas possa fundamentadamente ser posta em causa, levando ao aumento dos discursos desagregadores e populistas, de esquerda e de direita, com os cidadãos a procurarem alternativas anti-sistema político.
Para evitar esses riscos, é importante que os serviços de informações sejam independentes e não haja a suspeição de que são controlados pelo partido do governo. Isso significa que os serviços de informações devem ser defendidos de forma a garantir a sua independência e autonomia em relação ao poder político. Além disso, é importante que haja uma supervisão adequada dos serviços de informações por parte do poder legislativo e da sociedade civil, a fim de garantir que eles operam de forma transparente e responsável.
Esperemos que esta situação seja clarificada o mais depressa possível, pois podem estar em risco os nossos direitos, liberdades e garantias e por inerência termos um irregular funcionamento das instituições democráticas.