Uma semana depois das eleições, são três os aspectos principais do processo em andamento. Em primeiro lugar, a votação propriamente dita e as suas distorções; depois, a formação do governo; e para concluir o ciclo, quais são as perspectivas políticas do país a um ano e três meses, ou seja, daqui à eleição presidencial de Janeiro de 2021. Comecemos pelo princípio. Segundo as estatísticas oficiais, haveria 9,3 milhões de eleitores inscritos em Portugal, o que é tanto mais improvável quanto os últimos dados apontam para uma população com pouco mais de 10 milhões, andando os menores de 18 anos perto 1,5 milhões, o que não chega a 9 milhões de adultos contra os 9,3 milhões recenseados

Isto significa que os cadernos eleitorais de Portugal têm perto de meio milhão de eleitores fictícios. A esta manipulação acrescenta-se outra, não menor, que é o milhão e 400 mil eleitores da chamada «diáspora», cujo comportamento ainda não se conhece mas irá contribuir para a maior abstenção de sempre! Não admira, pois, que o abstencionismo contribua para distorcer o significado político das eleições!

O sistema aprovado há 45 anos pelos candidatos a donos permanentes da política nacional permanece inalterado desde então e funciona hoje de forma cada vez mais afastada da desejada proporcionalidade entre os votos válidos por partido e o respectivo número de deputados. Ora, basta somar os votos válidos – exclusive dos votos perdidos (cerca de 200.000 sem qualquer representação) e dos mais de 200 mil anulados (brancos ou nulos) – para que a taxa de abstenção se eleve já a 50% e vai aumentar quando se conhecerem os resultados dessa mistificação política que é a «diáspora».

O regime não se importa com isso mas a verdade é que bastante mais de 50% dos eleitores registados não votam ou votam mas não vêem o seu voto representado. Com efeito, um exercício muito simples mostra que, no caso de o regime eleitoral português corresponder efectivamente à proporcionalidade entre votos e deputados eleitos num círculo nacional único, como sucede noutros países de pequena e média dimensão, o resultado equitativo dos 226 deputados eleitos continuaria, evidentemente, a dar a vitória ao PS (36,7%) mas de forma alguma a distribuição de deputados por partidos que se verifica. Basta dizer que a média de eleitores efectivos por deputado eleito (226) é cerca de 21.700, quando três partidos com um total superior a 180.000 votos apenas elegeram 1 deputado cada um deles: dava para eleger 8 ou 9!

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Com efeito, se em vez de os deputados serem eleitos segundo o sistema clientelar dos 20 círculos distritais de 2 em Portalegre a 48 em Lisboa, fossem eleitos num círculo único, a ordem por que foram eleitos seria a mesma mas não o número de deputados. O PS teria apenas 88, a seguir o PSD com 67, o BE 23, o PCP 15, o CDS 10, o PAN 8 e mais seis novos partidos distribuiriam entre si cerca de uma dúzia de deputados: algo que não alteraria as divisões ideológicas mas poderia iniciar uma evolução partidária diversa do actual bloqueamento!

Quanto à formação do governo, o primeiro-ministro em exercício decidiu fechá-la completamente no serralho do PS. Perante a iniquidade da representação parlamentar, não admira a dificuldade em formar governos capazes de governar e não só de gastar tempo e dinheiro a comprar fidelidades sem fazer a menor reforma para libertar minimamente a sociedade civil e restabelecer um pouco de equidade eleitoral. Como uma grande árvore seca no meio de uma data de arbustos tortos e alguns minúsculos, é isso que o PS irá fazer a partir da semana que vem até à eleição presidencial daqui a pouco mais de um ano. Pela experiência que temos da qualidade do pessoal e das práticas do PS, pouco ou nada há a esperar do próximo governo.

Entretanto, o presidente da República abriu a corrida à eleição de 2020 ao anunciar, logo a seguir à posse do PM, as suas preocupações de saúde, avisando para a possibilidade de não poder candidatar-se de novo à presidência. Por pouco provável que isso seja, o PR marcou assim a marcha do tempo que que resta lá, determinando a consagração desse ano e pouco à propaganda governamental em benefício de uma improvável mas não impossível candidatura de António Costa à presidência no caso de o actual Presidente não ter recuperado a saúde. Ou seja: será um período de atenção e de passividade mútuas, sem oportunidade para lidar com as dificuldades crescentes que o PS irá muito em breve enfrentar. Não foi por acaso que António Costa afastou prudentemente a sombra de uma nova geringonça assim que o PR marcou o terreno.