Temos cada vez menos adolescentes. E cada vez melhores pais. Os adolescentes têm cada vez mais oportunidades educativas. E mais fontes informativas. Dispõem de mais recursos e têm cada vez melhor qualidade de vida. E são cada vez mais protegidos. Mas, apesar disso e a propósito deles, o presidente da Sociedade Europeia de Psiquiatria da Infância e da Adolescência fala, de uma epidemia de doença mental. Referindo que há mais comportamentos de risco nos adolescentes. Mais comportamentos aditivos. Mais depressão e mais ansiedade. Mais violência. E mais bullying. Apontando como causas possíveis para tudo isso a crise da família, a propósito da banalização do divórcio. As crises financeiras, pandémica e ambiental. E a revolução digital. Mas será que é assim? Se têm mais escola e mais família, onde estará tudo a falhar?

A adolescência é, hoje, muito diferente. Os adolescentes têm pouco tempo para ser adolescentes, como tiveram menos oportunidades do que deviam para serem crianças. Vivem a escola como uma prioridade mais importante que a família ou o brincar. São muitíssimo mais digitais; na forma como aprendem, como se informam, como se deixam condicionar e como se socializam. Ousam e arriscam de menos. Crescem demasiado protegidos e muito rodeados de controle. E de um ideal de segurança que contribui para uma “imunodeficiência adquirida” ao erro, ao insucesso, ao fracasso e à dor. Têm uma atitude mais racional e, aparentemente, menos afectiva com o amor, com os sonhos e com o futuro. Não têm a precocidade de aceder às relações amorosas e à sexualidade da geração dos seus pais. Manifestam um anseio de afirmação pela diferença e de notoriedade exagerados. E parecem ter como aspiração fundamental tornarem-se “grandes”, terem muita carreira e muita vida, muito sucesso e muito dinheiro. Muito depressa.

Estes adolescentes tiveram uma vida mais fácil que os seus pais. E, por vezes, tão mais fácil, que quando não têm sucesso “de caras” e “à primeira” desistem muito facilmente. Não tendo quem lhe recorde que o fácil exige muito tempo e muito trabalho. E que seja o que for que não consigam desde logo, isso não significa que o fácil, quando não é logo fácil, se torne impossível.

São adolescentes talvez um bocadinho mais egocêntricos, mais egoístas, mais individualistas e mais imediatistas. E menos autónomos! Que cresceram em famílias mais democráticas mas que, todavia, comprometem o exercício da autoridade parental com a forma um bocadinho medricas como lhes dizem: “não!”.

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Que, porque são mais protegidos, são, potencialmente, mais frágeis e vivem a infância durante muito mais tempo. Por mais que, para consumo de pornografia, violência, populismo ou jogos de azar se tornem, digitalmente, “maiores” aos 10, aos 11 ou aos 12.

Porque estes adolescentes vivem sob uma aspiração de controle  exagerado que os leva a confundir dominar sentimentos com pensar, tomam, muitas vezes, o nervoso miudinho, o medo ou a ansiedade como ataques de pânico.

Porque tiveram (felizmente) pouca exposição à dor, correm o risco de baralhar  tristeza com depressão.

Porque crescem com muitos tempos de autogestão , escorregam mais facilmente para a ânsia, para a aflição, para o desamparo e para a solidão.

Porque correram pouco, andaram pouco à bulha e não aprenderam a ser agressivos com lealdade, com urbanidade e com maneiras, têm mais ataques de raiva e mais episódios de violência.

E porque cresceram com demasiadas expectativas  sobre si, vivem engasgados por uma auto-estima frágil e num medo enorme de errar e de não cumprirem as expectativas dos seus pais.

Mas pode tudo isto transformar-se numa epidemia de doença mental entre os adolescentes? Não! Aliás, não há uma epidemia de doença mental nos adolescentes! Ou, melhor, há uma “epidemia”, sim, mas de saúde mental entre os adolescentes. Porque apesar de todos os constrangimentos que o futuro lhes parece reservar; apesar do stress com que vivem todos os seus dias; e apesar das exigências que têm sobre si, não deixam de ser miúdos luminosos, vivaços, equilibrados e sensatos.

Ainda assim, existem, hoje, mais adolescentes com problemas graves de saúde mental?

Existem muitos adolescentes a precisar de ajuda. Cujo colorido sintomático que manifestam tem uma influência enorme pela sua exposição desregrada às redes sociais. Mas não existem, hoje, mais adolescentes doentes. Pelo contrário! Se bem que a adolescência tenha sido, desde sempre, acompanhada por sintomas de sofrimento psíquico e por perturbações de comportamento. Muitos, aliás, que por falta de abordagens clínicas atempadas, comprometeram o futuro de inúmeros adolescentes, trazendo-lhes um “antes” e um “depois” da adolescência, que pontuou mudanças profundas de personalidade com custos, muitas vezes, exorbitantes para o seu desenvolvimento.

Por outro lado, alguma doença psicológica na adolescência é consequência das transformações da própria adolescência e dos desafios que o crescimento lhe traz. O que equivale a oscilações de humor, a estados transitórios de mal-estar ou de alguma perturbação. Regra geral, mais ou menos passageiros. Aquilo que os pais descrevem como “uma fase”.

Mas essas manifestações, mais ou menos transitórias, podem fazer com que muitos “vícios de forma” de comportamento das crianças, que tivessem estado disfarçados pelos seus resultados escolares ou pela forma como foram sendo tomados como manifestações de “personalidade” ou de “mau feitio”, por força das transformações da própria adolescência, acabem a evoluir para distúrbios psicológicos ou perturbações do comportamento. Que passam  a sinalizar um mal-estar ou um sofrimento que vão para além do razoável. Mas, todavia, esses sintomas do adoecer psicológico dos adolescentes não são, unicamente, uma consequência da adolescência. Não havendo uma epidemia de doença mental na criança, talvez fosse sensato que, a exemplo daquilo que se faz com a pediatria, a saúde mental das crianças seja, ciclicamente, monitorizada.

Seja como for, há uma leitura um bocadinho precipitada das manifestações adoentadas do comportamento dos adolescentes, que leva a que sejam sempre tomadas só como “uma fase”. Sendo acompanhadas pela convicção de que “passam com o tempo” ou que se “resolvem com a idade”. Mas a doença psicológica dos adolescentes tem, também, as suas “gripes” ou os seus “episódios inflamatórios”. Por mais que, muitíssimas vezes, sejam vividos, ao contrário da saúde física, como se tudo isso se fosse resolvendo, espontaneamente. O que não é verdade! Quando os sinais que vão dando não vêem resolvidas as questões que lhes estão subjacentes, eles terão tendência a tornar-se mais exuberantes, a partir do momento que o desenvolvimento lhes coloca, pela frente, desafios de complexidade crescente. Melhor: tirando algumas inibições mais superficiais e mais circunscritas, os sintomas e os sinais de alguma oscilação da saúde mental que os adolescentes vão dando não têm uma remissão súbita sem uma intervenção, antes de mais, muito focada e muito metódica sobre as atitudes dos seus pais.

Mas a doença mental dos adolescentes não é, hoje, nem maior nem mais irreparável. Os adolescentes são mais saudáveis! Podem ter, na expressão da sua doença mental, manifestações diferentes. Pode haver alguns adolescentes muito doentes. E a doença mental na adolescência pode manifestar-se com menos traços de inibição cognitiva, ao contrário do que sucedia. Mas ela continua a expressar-se através do comportamento. Sendo que os adolescentes têm, hoje, mais espaço e mais cuidados para expressarem o seu sofrimento psíquico duma forma mais verbal. E têm pais mais atentos e mais comprometidos com a sua saúde mental. O que, à primeira vista, pode levar a que surjam mais queixas de doença mental e que isso leve a que se suponha que existe uma “explosão” de doença mental.

Por outro lado, é verdade que há inúmeros adolescentes em acompanhamento psicoterapêutico e a prescrição de psicofármacos para adolescentes não pára de aumentar. Seja como for, isso não traz respaldo à ideia duma epidemia e doença mental. Pode, num caso e noutro, levar-nos a questionar os critérios elegíveis para que esse tipo de intervenções não deixem de se dar. No entanto, nem sempre mais intervenção clínica significará, por inerência, mais gravidade no âmbito da saúde mental. Por vezes, pode querer dizer que os pais, duma forma muito mais interventiva do que dantes se observava, promovem a saúde mental antes, ainda, dela resvalar para a doença psicológica.

Todavia, nada disto afasta a urgência de refletirmos sobre a promoção da saúde mental entre os adolescentes! Eles não podem continuar a ter cargas de trabalho exorbitantes como têm. Uma pressão exagerada sobre todos os seus desempenhemos, como têm. Muito pouco tempo para terem uma vida para além dos horários insanos de trabalho, como têm. Uma precocidade no acesso a dados móveis e uma auto-gestão digital, como têm. Não podem ter uma escola mais focada em rankings do que nas suas aprendizagens, como têm. Não podem ter da nossa parte uma condescendência exagerada perante a necessidade de terem regras, ritmos e rotinas sensatos, como têm. Não podem ter-nos a confundir a saudável necessidade de estarem sós com a solidão, como têm. Nem terem-nos a imaginar que o tempo, melhor que nós, resolverá as dificuldades psicológicas que eles têm. Porque, à medida que elas se avolumam, as dificuldades psicológicas dos adolescentes transformam-se em perturbações de personalidade que escondem algum doença psicológica. Depois, vão-se manifestando em sintomas que se podem instalar, progressivamente. E, mais tarde, em obstáculos que os tornam doentes. E os condicionam e prejudicam gravemente

A questão que se coloca talvez se possa resumir a uma pergunta: não havendo uma epidemia, como não há, será que os adolescentes serão hoje tão saudáveis como poderão ser? Não. E os melhores pais que a Humanidade já produziu podem, ainda assim, produzir adolescentes um bocadinho doentes. É um risco, claro. Mas podem, sim. Por distracções sucessivas. Algumas em resultado de leituras alarmistas, de intervenções precipitadas e do muito “lixo” digital sobre a saúde mental que lêem a propósito das crianças e dos adolescentes.

Seja como for, contando com tudo o que eles têm de muito saudável, se lhes dermos mais tempo para serem adolescentes; se viverem sob menos controle; com menos expectativas exorbitantes sobre si; com menos dependência digital e, claro, sempre com melhores pais, a saúde mental que os adolescentes já têm será, seguramente, melhor.