No passado dia 15, o Padre Mário Rui Leal Pedras que, enquanto decorria uma investigação diocesana a seu respeito, estava proibido de exercer publicamente o ministério sacerdotal, divulgou uma “Mensagem aos Paroquianos de São Nicolau e Santa Maria Madalena” (de que procedem todas as citações deste texto, excepto as que remetem para outra fonte).“No dia 12 de Junho, o instrutor da investigação, deu por finda a averiguação prévia e dada a inverosimilhança da denúncia, propôs ao Bispo que fosse levantado o ‘afastamento preventivo’. Medida justa que ontem, dia 14 de Junho, foi aplicada pelo Patriarca de Lisboa”. Uma vez que, por falta de provas, ficou concluído o inquérito diocesano, despoletado por uma denúncia anónima, que se provou destituída de fundamento e, portanto, de natureza criminosa, espera-se agora que o processo canónico seja definitivamente arquivado pela Santa Sé.

A vítima deste processo iníquo considerou, sem exagero, ter sido alvo de uma “gravíssima injustiça”, que a obrigou a três meses de “afastamento preventivo, também designado como proibição do exercício público do ministério”. Contra os mais elementares princípios da justiça e do Direito, o Pároco de São Nicolau foi publicamente punido, sem haver nenhuma condenação transitada em julgado, nem indícios credíveis de qualquer falta. Se revolta a leviandade com que se feriu a honra pessoal e sacerdotal de um conhecido presbítero do Patriarcado, não é menos surpreendente a grave inconsciência de quem deu crédito à inverosímil calúnia, cuja inconsistência era evidente. Pode ser conveniente, e até necessário, que uma denúncia seja feita sob anonimato, para evitar represálias, mas nunca anonimamente, em cujo caso o seu autor não responde pelo que afirma, nem pode ser responsabilizado pelas suas consequências. Uma calúnia anónima é, na certeira expressão do Padre Mário, “um acto mentiroso de cobardia”.

A justiça foi reposta, mas o dano manter-se-á.” Não obstante este feliz e absolutamente esperado resultado, resta agora apurar os enormes danos de reputação, que não podem ser imputados ao caluniador, por ser anónimo, mas sim aos responsáveis pela projeção mediática da falsa denúncia e pelo decorrente “afastamento preventivo” e “proibição do exercício público do ministério”.

Assim sendo, não pode ser branqueada a conduta dos membros da comissão denominada independente pois, por má-fé ou crassa negligência, deram enorme notoriedade e escandaloso crédito à calúnia que, de outra forma, teria passado despercebida: “A Comissão Independente recebeu e transmitiu a denúncia, fazendo de mera caixa de correio e dando ressonância à calúnia. Lavou as mãos como Pilatos, e integrou esta denúncia soez na listagem dos eventos que anunciou, de forma estridente e sensacionalista. O cenário montado e algumas intervenções públicas de membros da comissão, condicionaram os passos seguintes deste processo.

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Se a dita comissão, em vez de amplificar a calúnia, credibilizando-a, a tivesse ignorado, como devia, por ser anónima e inconsistente, não teria tido nenhuma relevância. Portanto, a comissão não foi inocente e deve, agora, reparar os danos que provocou.

Por sua vez, “a Comissão Diocesana” – segundo o Padre Leal Pedras – “cedeu à fortíssima pressão mediática. Não teve a ponderação exigida diante de uma denúncia anónima, difamatória e sem verosimilhança. Recomendou o meu afastamento do exercício público do ministério, insensível às consequências que daí derivariam inevitavelmente para mim. Não pode deixar de se considerar como chocante, arrepiante mesmo, o potencial de destruição permitido a um acto mentiroso de cobardia.

Se, para os membros da comissão supostamente independente, o Padre Mário Rui podia ser uma personalidade relativamente desconhecida, o mesmo não se pode dizer da comissão diocesana, que conhece perfeitamente a integridade pessoal e a exemplaridade pastoral do Pároco de São Nicolau. No contexto de uma única denúncia, ainda por cima anónima e incongruente, esperava-se, portanto, outra atitude, mas, pelos vistos, pôde mais o desejo de ficar bem diante da opinião pública e da comunicação social, segundo o conselho de Caifás: “Convém que um só homem morra pelo povo” (Jo 18, 14).

A calúnia, que agora vitimou este sacerdote, afecta, afinal, toda a “gente decente”: “Pergunto-me, amiúde, o que teria ocorrido se o caluniador tivesse visado mais 20, 30, 50 ou 100 sacerdotes, ou um ou mais bispos. Seriam todos afastados do ministério? Como poderia ser logrado este resultado apenas por alguns minutos de escrita anónima? Trata-se de um cenário assustador. Como pode gente decente ficar à mercê destas condutas?

Há quem permita o assassinato de carácter de um padre inocente, por via da comunicação social, para que a opinião pública não acuse a hierarquia de cumplicidade, ou de encobrimento dos abusadores. Esta atitude, contrária à justiça e à verdade, não é apenas uma hipocrisia e uma grave falta de solidariedade institucional. É, também, uma lamentável prepotência.

Não se pense que este discurso veicula uma atitude conivente, ou tíbia, com os abusos de menores na Igreja. Desde há muitos anos que me empenhei na luta efectiva pela verdade e pela justiça, doa a quem doer. Por amor a Deus e à Igreja, por respeito pelas vítimas, mas também por uma razão pessoal: um único sacerdote pedófilo é uma horrível vergonha para todos os padres, que somos os mais interessados em que se ponha termo, de uma vez por todas, a esse terrível drama: “As situações de abuso sexual causaram demasiadas vítimas que arrastam ainda hoje consigo demasiada dor e amargura. Uma só vítima já era demasiada. A Igreja impôs tolerância zero para este cancro moral.

Que reação se espera de um padre caluniado? “Diante do provérbio ‘quem não se sente, não é filho de boa gente’, alguém me citou as palavras evangélicas: ‘Se alguém te bater na face direita, apresenta-lhe também a esquerda’ (Mt 5,39). Ponderei se não devia seguir este conselho. Segui-lo-ia, sem qualquer hesitação, se essa nobre atitude que o Evangelho propõe ajudasse a cumprir a justiça e a repor a verdade. Como assim não é, escolhi antes seguir a atitude do próprio Jesus que diante de quem O ofende, pergunta: ‘Porque me bates?’ (Jo 18, 22). Compreenderão, certamente, que não me resigne perante esta enormidade e tente encontrar vias legais de reparação.

Mas, não seria mais evangélico perdoar e esquecer?! Não há, neste propósito de reparação, um desejo oculto de vingança?! A vítima não expressa uma excessiva preocupação por si mesma e pela sua honra, quando era suposto aceitar, em silêncio, a injustiça de que foi alvo, segundo a imagem bíblica do cordeiro levado ao matadouro?!

As questões são pertinentes, mas a resposta é óbvia: a vingança, ou retaliação, é pagar o mal com o mal, enquanto a justiça é a caridade de responder ao mal com o bem. Neste caso, não se quer nada mais do que a justiça que é devida. Há direitos que são mais difíceis de exercer do que o cumprimento de certas obrigações: se a vítima desistisse agora da luta, favoreceria a impunidade dos caluniadores, branquearia a negligência, ou má-fé, de quem agiu contra a verdade e a justiça e faria crer que, afinal, o crime compensa.

Não é só por si próprio, mas por todas as vítimas, as dos abusos e as das calúnias, pela Igreja e por todos nós, que o Pároco de São Nicolau tem a obrigação moral de não abandonar a luta, pois essa desistência seria, neste caso, uma deserção. A justiça não é falta de caridade, mas sua expressão, uma virtude cardeal que obriga a exigir o que é devido, mesmo quando seria mais cómodo, mas também mais cobarde, desistir do que, em consciência, se está obrigado. Não é uma questão pessoal, mas de princípios, de coerência e de defesa da Igreja, que é, afinal, a principal vítima desta campanha, tanto nas crianças abusadas, como nos sacerdotes caluniados. Quem não se lembra da escandalosa perseguição ao Cardeal Pell que, apesar de inocente, chegou a estar um ano preso?!

Prosseguir nesta luta, pela verdade e pela justiça, é uma exigência da coerência cristã. São Paulo, o inspirado autor do belíssimo hino da caridade (cf.1Cr 13,1-13), quando injustamente açoitado, sem ter sido sequer condenado, fez valer a sua condição de cidadão romano, exigindo o tratamento a que tinha direito. Por isso, “o tribuno ficou cheio de medo, ao saber que tinha mandado algemar um cidadão romano” (At 22, 29). Anteriormente, em Filipos, na Macedónia, ao ser ele e Silas presos ilegal e injustamente, quiseram depois libertá-los discretamente, mas Paulo exigiu a reparação pública a que tinham direito: “‘Açoitaram-nos em público, sem julgamento, a nós que somos cidadãos romanos; meteram-nos na prisão, e agora mandam-nos sair às escondidas! Não está bem! Venham eles próprios levar-nos lá para fora’. Os lictores foram comunicar estas palavras aos estrategos. Ao ouvirem dizer que eram cidadãos romanos, ficaram muito assustados. Foram pedir-lhes desculpa, [e] puseram-nos em liberdade” (At 16, 35-40).

Este caso ainda não está encerrado, porque falta o seu arquivamento definitivo e, também, a reparação que, em justiça, é devida à vítima, não só em termos de reputação pública, mas também da indemnização exigível pelos enormes danos causados por esta “gravíssima injustiça”.