No ano em que Portugal assume a sua quarta presidência do Conselho da União Europeia (UE), para além da prioridade do Orçamento da UE para 2021-2027, o Fundo de Recuperação pós-pandemia e o Brexit, existem temas sensíveis como o ambiente, a transição digital, a dimensão social, a resiliência e a Europa global, nos quais o desporto deve estar alinhado.

O artigo 165.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) confere à UE competências específicas para desenvolver uma dimensão europeia do desporto, não obstante estas disposições se referirem fundamentalmente a uma interpretação convencional do desporto, restrita às atividades e aos eventos realizados em clubes, associações e federações desportivas, e à função social e educacional do desporto.

A pandemia da Covid-19, a quarentena prolongada e as medidas de distanciamento físico e, nalguns casos, social, tiveram implicações dramáticas para todo o setor desportivo, afetando as instituições promotoras do desporto como um todo, conforme apresentado no Documento de Posição sobre o impacto da Covid-19 no setor desportivo.

A pandemia afetou também a capacidade do sector de contribuir para o crescimento económico, inovação, coesão social e atratividade territorial. Por tal facto, e como parte de uma futura política desportiva integrada, o apoio ao setor deve ser reconhecido e disponibilizado, urgentemente, através do pilar de recuperação, nomeadamente através dos orçamentos específicos ou de linhas de ação no REACT-EU, via pacote e unidade de recuperação e resiliência.

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Complementarmente, a perceção do desporto em toda a UE mudou, alargando-se para além das estruturas tradicionais, devido fundamentalmente à evolução das motivações dos praticantes, com claras implicações para a economia, atividades empresariais e comerciais, reforçada pela evidência da importância do desporto nas sua múltipla abrangência (atividade física não estruturada, exercício e atividade desportiva) na saúde e bem-estar; na investigação e inovação; na proteção ambiental; na  educação, coesão territorial e social, prioridades que não têm tido reflexo, nalguns casos, nas políticas nacionais.

Se a nível europeu se multiplicam iniciativas que têm defendido a relevância do desporto para o desenvolvimento regional, através do seu impacto nas áreas políticas fundamentais supramencionadas, em particular como meio eficaz de atingir os objetivos da Política de Coesão da UE e dos Fundos Estruturais e de Investimento Europeus, a nível nacional não há referências explícitas, justificando-se por isso uma agenda própria que urge implementar em questões estratégicas:

Desporto e relevância económica. É inquestionável a importância económica do desporto e suas externalidades, a acompanhar a mudança digital e o desenvolvimento tecnológico, criando oportunidades crescentes com possibilidades irrestritas para a investigação e inovação, constituindo um campo de ensaio por excelência numa ampla variedade de áreas: na medição de desempenho e aplicações das TIC’s à ciência de materiais; na tecnologia biomédica e terapias, áreas que podem impulsionar ainda mais o crescimento económico e as oportunidades de emprego.

A reconhecida importância do desporto no desenvolvimento de um estilo de vida saudável abriu uma importante dimensão económica, com o crescimento de ginásios e outras instalações similares nas comunidades locais e de todas as atividades associadas envolvidas, que vão desde os equipamentos, vestuário, suporte e treino nesta área.

Desporto e transição para uma economia verde e azul. O desporto pode desempenhar um papel importante na transição para uma economia verde e azul em Portugal. Não só o crescimento da caminhada, percursos pedestres e da bicicleta como meio de transporte pode reduzir o carbono e outras emissões e transformar as paisagens rurais, periurbanas e urbanas, como pode impulsionar estilos de vida mais ativos, atuando como fatores motivadores para a mudança de hábitos e práticas na ótica de um comportamento mais ecossustentável.

Este facto é tão mais pertinente porquanto Portugal, para além da orla marítima, possuiu ainda uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) da Europa, cobrindo cerca de 1.683.000 km², sendo a terceira maior da União Europeia e a 11ª do mundo. Esta descrição, só por si, justificaria a existência de um programa educativo estratégico com prioridade política de competência aquática no desenvolvimento integral da criança no 1º ciclo do ensino básico. Esta seria a mudança de paradigma necessária para assumir a transição para a economia azul, devidamente integrada nos modelos de desenvolvimento de hélice quíntupla (governo, investidores, sistema científico e tecnológico nacional, indústria e utentes) com impacto social relevante.

Desporto, saúde e bem-estar. O potencial do desporto em relação à saúde preventiva tem sido objeto de pesquisas internacionais, em particular a relação causa-efeito entre inatividade e doenças potencialmente fatais e as implicações para o custo dos cuidados de saúde a nível transnacional, fator que desempenhou um papel importante numa série de decisões políticas, nomeadamente a recomendação do Conselho, de 2013, sobre a promoção da saúde. Estes argumentos tornaram-se ainda mais prementes no contexto da pandemia da Covid-19, como forma de contribuir para o desenvolvimento da resiliência pessoal.

Desporto e a dimensão social e comunitária e de inclusão. O desporto pode integrar indivíduos marginalizados nas comunidades locais, privilegiando a igualdade, o trabalho em equipa e os objetivos comuns, promovendo a cidadania ativa e valores humanos fundamentais, como respeito e tolerância, bem como capacidades transversais, como comunicação, liderança, autodisciplina e espírito de equipa, as tão designadas soft skills.

Estas dimensões, sociais e comunitárias assumem ramificações extensas e podem constituir-se como ações muito eficazes para promover, além da coesão social, itinerários alternativos de educação e, através das extensas redes do desporto, o empreendedorismo e a inovação social.

A política desportiva de futuro deve alargar a atual interpretação do artigo 165.º do TFUE e considerar: as implicações éticas e de sustentabilidade; as trocas de capital social na comunidade; o desenvolvimento tecnológico, infraestrutural e de planeamento urbano.

Esta nova agenda para o desporto, europeu e nacional, deve ter consequências não só nas prioridades de financiamento nacionais, mas também no apoio tradicional que o sector do desporto tem recebido da União Europeia através do programa ERASMUS +, devidamente alinhada com as estratégias de desenvolvimento económico e social, bem como com as políticas ligadas às PME; a investigação e inovação; o ambiente e coesão social, integrando, ainda, a promoção da saúde e do bem-estar e os fundos da Política de Coesão, em estrita ligação com os cinco objetivos políticos: uma Europa mais inteligente, uma Europa mais verde e com baixo teor de carbono, uma Europa mais social, uma Europa mais conectada e uma Europa mais próxima dos cidadãos.

O apoio político ao sector deve incluir, ainda, disposições para a recolha de dados, melhores e mais comparáveis, sobre o impacto económico e social do desporto em toda a UE, para uma formulação de políticas baseada em evidências, tanto a nível europeu como a nível nacional.

Neste âmbito, urge reativar a conta satélite do desporto em todos os Estados-membros, fator estruturante indispensável para sedimentar a compreensão de como o desporto está a influenciar a sociedade contemporânea e respetivas consequências políticas para os cidadãos e as suas comunidades.

Urge, também, a criação de um observatório sobre o desporto com a participação das organizações desportivas; das instituições do sistema científico e tecnológico nacional e instituições de ensino superior; do sistema nacional de saúde; das associações de classe; e do turismo, no qual a informação produzida e organizada se possa constituir como apoio eficiente à tomada de decisão  e de informação e apoio a políticas e recomendações de instâncias internacionais e nacionais.

Cabe, por fim, às organizações desportivas transformarem-se, uma vez mais, sendo produtoras de atividades e de ações compatíveis com esta agenda. Não mais o desporto de rendimento será o driver das motivações das populações e do financiamento dos Estados… na Europa.