António Costa quer mesmo aprovar o orçamento? Agora que a factura de o PS ser poder está a chegar – o país não tem Governo mas sim um pagador de avenças a quem permite ao PS ocupar o Estado – cabe perguntar: António Costa vai ou não ser primeiro-ministro até 2023? Se vai não sei mas parece-me óbvio que não é isso que quer. Vamos deixar-nos de ingenuidades, António Costa anseia por um bom motivo para deixar de ser primeiro-ministro. O chumbo do Orçamento é o argumento de que precisa. Costa não tem feitio para enfrentar críticas e os próximos tempos serão duros. Já começou a contagem decrescente para o período em que ainda pode sair com uma imagem positiva. Ou mais propriamente com a imagem das contas certas e do homem que derrubou os muros à esquerda. Mais uns meses as contas podem deixar de parecer tão certas e a esquerda com os muros derrubados pode muito bem desatar aos murros num combate de consequências imprevisíveis. Dêem-lhe um pretexto para sair do Governo e António Costa agarra-o.
A farsa da radicalização no que não se diz. Durante horas o homem que matou cinco pessoas e feriu mais duas num ataque com arco e flecha na Noruega a 13 de Outubro foi apresentado como suspeito de radicalização. Sem mais, radicalização. Mas radicalização em quê? Afinal quem radicaliza radicaliza em alguma coisa. Mas aqui ficávamo-nos pela radicalização. O único dado que se avançava sobre o autor destes ataques era a sua nacionalidade – dinamarquesa. Como é óbvio a quem acompanha este tipo de notícias o radical devia integrar um dos grupos mediaticamente protegidos porque quando tal não acontece o atacante é rapidamente coberto de adjectivos: fascista, ultra-direita, racista, xenófobo. Por fim lá veio a explicação: o autor destes atentados convertera-se ao islão, radicalizara nessa fé e já estava no radar das autoridades.
Dois dias depois, a 15, o deputado inglês David Amess foi esfaqueado. Acabou por morrer. O autor do ataque é um jovem que veio da Somália ainda criança para o Reino Unido. Muçulmano terá também ele radicalizado. Tal como o atacante da Noruega também estava monitorizado pelas autoridades.
Os terroristas islâmicos são agora apresentados como radicais. Radicais sem mais explicações. Invariavelmente as autoridades já os tinham sinalizado, mais invariavelmente ainda os seus actos desaparecem quase de imediato das notícias e as suas vítimas são rapidamente esquecidas.
O radical de si mesmo sucede mediaticamente falando à pessoa com transtornos psicológicos ou problemas psiquiátricos. Durante anos não houve ataque que na Europa não fosse de imediato apresentado como tendo sido levado a cabo por um desequilibrado. Como é que de imediato se fazia um diagnóstico clínico de tal envergadura não se sabe. Mais ainda se desconhece como é que de repente os doentes psiquiátricos na Europa desataram a matar, esfaquear e decapitar em países tão diversos como a Alemanha, França ou Espanha. (A propósito de diagnósticos psiquiátricos a la minute, já se sabe quem é o homem que em Fevereiro de 2020, esfaqueou uma turista francesa num McDonald’s em Lisboa? Recordo que de imediato a Lusa nos informou que “A polícia está agora a investigar a ocorrência, a recolher testemunhos e vai consultar as imagens de videovigilância do estabelecimento para tentar identificar e posteriormente localizar o atacante, admitindo que este possa sofrer de problemas psicológicos, já que parece não existirem motivos para o ato.”)
Os deputados britânicos pedem agora mais segurança, pedido que em si mesmo é uma confissão de derrota: não são os deputados que devem ter mais segurança, são sim os agressores que devem ter mais repressão. Cada atentado deixa atrás de si um rasto de perplexidades que levam invariavelmente à mesma pergunta: como foi possível não se ter parado antes o autor da agressão? Regra geral muitos daqueles que depois são designados como radicalizados deram evidentes sinais do seu ódio ao Ocidente, alguns acumulam ordens de expulsão nunca cumpridas, agressões não registadas (o autor do atentado de Nice de Novembro de 2020 era autor de um esfaqueamento em 2016 mas isso não o impediu de viajar como refugiado), pequenos e médios delitos inexplicavelmente perdoados (o autor do atentado de Viena que teve lugar em Novembro de 2020 tinha sido libertado sem cumprir a pena a que fora condenado na Áustria por ter tentado integrar o Estado islâmico)
Por fim, uma pergunta: será que David Amess vai ter uma rua em Lisboa com o seu nome como aconteceu com a vereadora brasileira Marielle Franco também ela assassinada? Recordo que além da homenagem da CML também o parlamento português aprovou, por unanimidade, um voto de pesar escassos dois dias após a morte de Marielle Franco. Aguardam-se pelas homenagens a estas vítimas nomeadamente a David Amess.
A farsa do negacionismo. Esta semana escrevia Luís Rosa aqui no Observador sobre o juiz Ivo Rosa: “É impossível calcular o número exato de decisões do juiz Ivo Rosa que já foram revogadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa desde 2017, mas é certo que já estarão em causa perto de vinte acórdãos de diferentes desembargadores das três secções criminais daquele tribunal superior. Esta quarta-feira, mais um despacho do magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal foi anulado — e num tom bastante severo para com Rosa.” Depois da expulsão da magistratura do juiz Rui Fonseca e Castro, expeditamente tratado como “juiz negacionista”, é difícil entender a complacência com Ivo Rosa. Será ele afirmacionista? Não me perguntem o que é um juiz afirmacionista: não sei. Mas também não sei o que é um juiz negacionista.
O Terror que chega como libertação. A 16 de Outubro de 1793 foi guilhotinada Maria Antonieta. Já não era rainha de França mas sim a viúva Capeto. Já não era a jovem que envergava jóias e trajes deslumbrantes em Versalhes mas sim uma mulher doente e envelhecida. Tinha perdido tudo. Fora injuriada e caluniada até onde uma mulher o pode ser. Os queixinhas que por aí andam agora, dois séculos depois, deviam ler os folhetos que circulavam em França quando Maria Antonieta era rainha e para os quais não faço link porque ainda me arrisco a ser acusada de estar a promover a pornografia. Ou as acusações que lhe foram feitas durante o julgamento a que a submeteram. onde nem faltou uma acusação de incesto com esse filho de oito anos que lhe tiraram dos braços para fazerem dele um cidadão, primeiro embriagando-o, depois semiemparedando-o até à morte.
Agora que se assinala mais um aniversário da execução de Maria Antonieta é urgente recordar o que foi o Terror e como ele se impôs a uma sociedade que gritava “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Rapidamente se constata que os jacobinos do século XXI aprenderam bem a lição com os seus antepassados: encontramos a mesma fixação na linguagem, a mesma criação de novas palavras e formas de tratamento que de um momento para o outro se tornam obrigatórias; a mesma imposição de novas categorias e a consequente diabolização das anteriores. No século XVIII, sob o pretexto do combate à religião e à monarquia, os revolucionários franceses acabaram com o antigo calendário e impuseram um calendário revolucionário que ninguém conseguia utilizar; proibiram as habituais formas de tratamento entre as pessoas; alteraram o nome das localidades com mudanças tão apatetadas quanto Montmartre que passou a Mont-Marat e Grenoble a Grelibre… Não é coincidência qualquer semelhança com o que agora acontece com os géneros, as fantasias das identidades e a imposição de formas politicamente correctas de falar e escrever. É sim o jacobinismo a mostrar a sua influência e os jacobinos a impor o seu controlo absoluto a sociedades que acreditam estar a libertar-se. E agora, tal como no século XVIII, é preciso arranjar alguém para fazer subir ao patíbulo (agora figurado) no meio das multidões electrizadas.