Já depois de ter publicado, no Observador de 20 de Abril passado, uma crónica sobre o livro Identidade e Família, de que sou um dos 22 autores, li, no Público, o artigo “O livro que não é sobre ‘família’”, de Maria João Marques (MJM). A crónica seria excelente se, em vez de editada a 10 deste mês, o tivesse sido no primeiro de Abril que, não em vão, é o dia das mentiras.
Com efeito, há já 7 anos, tantos quantos Jacob serviu o pai de Raquel, MJM acusou-me, num blog, de ter faltado à verdade na crónica publicada a 19-8-2017 no Observador, onde a agora cronista do Público já não colabora desde 2019, vá-se lá saber porquê. Ante essa grave acusação, apressei-me a pedir-lhe, respeitosamente e com conhecimento para o editor do jornal, que me dissesse quais as alegadas incorreções desse texto. Como não foi capaz de apontar nenhuma inverdade, ou imprecisão sequer, ficou claro quem tinha mentido. Agora, a propósito, ou despropósito, de Identidade e Família, MJM voltou a caluniar-me. Como dizia Rebelo da Silva, Ódio velho não cansa.
Embora não conste que MJM tenha lido os 22 textos que integram esta publicação, resume o livro nos seguintes termos: “Sonsice, desonestidade, falsidade, tudo em nome da maldade e da misoginia”. Fica a dúvida de se esta descrição diz respeito à dita obra, ou à sua crónica, à qual, salvo a misoginia, assenta que nem uma luva.
Na sua citada crónica, MJM começa por dizer que, “no meio dos autores há pessoas não assustadoras como o jesuíta Vasco Pinto de Magalhães (terá ido parar ali por distração?), Manuela Eanes e Guilherme d’Oliveira Martins.” Se só há três autores que são “pessoas não assustadoras”, os restantes 19 deverão ser, em boa lógica, pessoas assustadoras, o que é – isso sim – deveras assustador, sobretudo se se tiver em conta que, entre elas, se encontram o anterior Cardeal-Patriarca de Lisboa e o actual Bispo do Funchal.
A cronista do Público não esconde a sua indignação por, em Identidade e Família, só terem participado 6 mulheres. Mas estas, como aliás os homens, não colaboraram por razão do seu sexo, que é questão de menor importância, mas, como se lê na introdução, pelos “seus assinaláveis perfis de vida pessoal e familiar, religiosa, académica, científica e social”, que costumam faltar a quem, para se afirmar, precisa de recorrer a quotas.
É lamentável o modo como MJM desconsidera o Professor João César das Neves, de quem foi aluna, bem como o Professor Paulo Otero, de quem se escandaliza por ter dito “que se devia valorizar o papel das mulheres como donas de casa”. Mas – pergunto – não deve?! Não tive melhor sorte porque, logo no primeiro parágrafo, MJM escreve: “Gonçalo Portocarrero de Almada, padre que se especializou em escrever coisas tresloucadas, odientas, onde o mais saliente é a falta de caridade e de compaixão por, bem, quase toda a gente.” Quase toda a gente?! Que delírio! Dizia Santa Teresa: é bom que mintam muito, para que se veja que mentem.
As pessoas que me conhecem, o que não é, felizmente, o caso da cronista, que também não conheço, indignaram-se ao lerem este insulto, mas, vindo de quem vem, é um grande elogio. Claro que, se alguém perguntar que “coisas tresloucadas”, ou “odientas”, ou sem caridade, ou sem compaixão, escrevi – todos os meus artigos são públicos e estão acessíveis a quem os queira consultar – MJM terá, mais uma vez, que se remeter ao silêncio, que é o último refúgio dos cobardes e dos mentirosos.
Tem graça que, uma tão evidente manifestação pública de falta de caridade e de compaixão seja feita, precisamente, para me acusar … de falta de caridade e de compaixão!!! Já diz o ditado: julga o ladrão que todos são da sua condição! Mas, se as minhas crónicas são “odientas”, como classificar esta sua maledicência, que certamente não dignifica o Público?! Decididamente, a coerência não é o seu forte.
Antes de terminar, tenho ainda um agradecimento a fazer, um favor a pedir e umas desculpas a apresentar.
Apesar de ter partilhado, anos a fio, a mesma página de opinião do jornal oficial do Patriarcado de Lisboa, com o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins – por quem tenho muito apreço intelectual e pessoal, até por termos familiares comuns – estou muito grato à MJM por não me ter colocado, com ele, entre os autores que são “pessoas não assustadoras”. Não fazendo eu parte dessa elite, pertenço, necessariamente, ao grupo dos restantes autores que, se não são “pessoas não assustadoras”, em boa lógica são, como é óbvio, pessoas assustadoras. A saber: o Cardeal D. Manuel Clemente, Patriarca emérito de Lisboa e Prémio Pessoa, que muito amavelmente apresentou o meu livro “A Igreja e a vida”; D. Nuno Brás, Bispo do Funchal, Presidente da Comissão Episcopal da Cultura e Vice-presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da União Europeia, que também fez o favor de apresentar, no Grémio Literário, uma colectânea de crónicas minhas; o Professor Paulo Otero, que prefaciou um estudo de que sou autor, sobre uma polémica questão histórico-jurídica e que vai ser lançado, no próximo dia 16, por outro Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; o Professor Jaime Nogueira Pinto, Presidente da Fundação Luso-Africana para a Cultura, que tive a honra e o prazer de apresentar e ouvir, num almoço-conferência, no passado dia 15, no Círculo Eça de Queiroz, onde há 25 anos organizo regularmente estes encontros; o Dr. Pedro Vaz Patto, Juiz Desembargador, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, co-autor comigo de um ensaio sobre o matrimónio; etc. Melhor companhia, impossível!
Tenho ainda um pedido a fazer à dita cronista do Público: se souber e quiser, tenha a caridade de rezar por este seu inimigo, que o não é dela. Se o não conseguir, agradeço que, pelo menos, faça o favor de me ignorar ou, pelo menos, omita qualquer palavra de apreço, ou de consideração, pois seria, para mim, fatal.
Por último, peço desculpa por ter cometido a imprudência de ler a referida crónica, que é um ataque à inteligência e à decência, mas também à lógica e à gramática. Tratando-se, afinal, de um mero exercício gratuito de ódio, não merece mais do que desdém, mas como não posso, não sei, nem quero desprezar ninguém, ofereço à MJM a minha bênção, bem como as minhas orações pela sua conversão, senão ao Deus que é amor (1Jo 4,8.16), pelo menos à verdade que nos faz livres (Jo 8, 32).
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
P. S. No passado dia 21, o Dr. Alexandre de Camões Barbosa fez o favor de enviar, por correio electrónico, uma carta ao director do Público que, até à data, não foi publicada e de que me deu conhecimento. Ante o testemunho de um médico, que me conhece há 25 anos e com quem tive o gosto de conviver e trabalhar – por louvável modéstia, não refere que foi o director do Paradoxos, nem o principal autor do livro de que sou co-autor – é óbvio que a calúnia da cronista fica reduzida à sua própria insignificância. Agradeço ao autor, com o qual não tenho outra relação que não seja a recíproca amizade, a nobreza do gesto e lamento a atitude cúmplice e censória do Público, que me obriga, em nome da verdade e da justiça, a reproduzir, na íntegra, o conteúdo da referida carta:
“Maria João Marques escreveu, no Público de 10-4-2024, um artigo um tanto confuso sobre o papel da mulher na sociedade actual. Foi com estranheza que, nesse artigo, li uma frase de ódio ao Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada (GPA).
Conheço pessoalmente o Pe. GPA há mais de 20 anos, desde que serviu como capelão na residência universitária em que vivi quando estudei Medicina, pelo que somos amigos de longa data. Muitos universitários colaboraram também num projecto editorial que nos incluía, chamado Paradoxos, e mais recentemente fomos co-autores do livro «A Arte de Saber Estar». Portanto, para além do convívio e amizade de duas décadas, também trabalhámos juntos por mais de uma vez.
Nessa residência chamada Montes Claros, obviamente de natureza católica, mas com um grupo alargado de estudantes não católicos, não tenho memória de o Pe. GPA alguma vez ter tido algum comportamento “odiento”, ou que mostrasse “falta de caridade e de compaixão”, mesmo para com quem discordava abertamente dele. Pelo contrário. Sempre se mostrou caridoso e gentil, ao longo da vida, tanto para com católicos como para com ateus e outras pessoas que não partilhavam da sua mundividência — não apenas por uma educação exemplar, mas, precisamente, pela notória caridade.
Foi, por isso, com estupefacção que vi o ataque ad hominem despropositado e falso da cronista, reputando o Pe. GPA do que, como é evidente para todos que com ele contactam há anos, não é verdade.
Gostaria de deixar uma nota final para que um jornal de referência como o Público tenha o cuidado editorial de não publicar, pelo menos sem contraditório, um texto com passos de natureza difamatória, que parece denotar uma aversão pessoal e antiga da cronista. O espaço mediático não deve ser usado para denegrir o carácter das pessoas com quem não concordamos. Deve ser usado para a debate de ideias, para bem de todos.”