Um dos efeitos colaterais da novela política que nos últimos dias envolveu António Costa, Mário Centeno e Marcelo Rebelo Sousa foi o de tornar menos improvável uma possível segunda volta das presidenciais disputada entre André Ventura e Marcelo Rebelo de Sousa.

Apesar de não sair com imagem reforçada da actual crise, Marcelo Rebelo de Sousa parte para as presidenciais como o claro e inequívoco favorito. Cultivou ao longo de todo o seu primeiro mandato a sua própria popularidade e todos os estudos de opinião conhecidos apontam para que terá sido bem sucedido nesse objectivo.

Mas na política (que Marcelo durante anos comentou na TV), tal como no futebol (que Ventura continuará aparentemente a comentar na TV), não há vencedores antecipados e as únicas previsões absolutamente seguras são as que se fazem depois de conhecer o resultado final.

Uma segunda volta entre Marcelo e Ventura não será à partida o cenário mais provável para as próximas presidenciais, mas também está longe de ser impossível e talvez valha por isso a pena reflectir um pouco sobre essa possibilidade.

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Com Marcelo como candidato transversal e com ampla base de apoio, as candidaturas que terão maior potencial de mobilização contra ele serão precisamente as que se posicionem como anti-sistema. Ora esse é o campo de eleição de André Ventura pelo que não é inverosímil que uma candidatura sua, não obstante as suas fragilidades, consiga mobilizar bem além da actual dimensão do Chega.

O apoio de António Costa a Marcelo ajuda Ventura de duas formas: primeiro, porque dificulta a passagem à segunda volta de qualquer candidatura de esquerda (com o apoio do PS e do BE uma candidatura em registo populista de alguém como Ana Gomes estaria muito bem posicionada para o conseguir); segundo, porque ao colar Marcelo ainda mais ao PS (que sinaliza pela voz de Costa o seu apoio mesmo antes do PSD), aumentará o impulso para rejeição de Marcelo numa parte do eleitorado tradicional à direita.

Se adicionalmente considerarmos a possibilidade de uma esquerda fragmentada entre vários candidatos, bastará que Marcelo fique ligeiramente abaixo dos 50% e que Ventura seja o mais votado dos restantes candidatos para termos uma segunda volta entre os dois – um cenário porventura hoje relativamente improvável mas longe de ser impossível.

O que seria essa hipotética segunda volta?

De um lado, Marcelo como candidato do regime com o apoio resignado de todas as esquerdas com vista a evitar o mal maior e uma retórica de condenação e demonização de Ventura. Do outro, Ventura validando junto do seu eleitorado em crescimento que ele próprio e o movimento por si liderados são a única alternativa real ao sistema.

PS, PSD, BE, PCP e CDS lado a lado apelando ao voto em Marcelo reforçariam e credibilizariam ainda mais a mensagem anti-sistema de Ventura. A reeleição de Marcelo dificilmente estaria em causa mas uma segunda volta nesses moldes poderia ser o catalisador que falta para mudar o (até agora excepcionalmente estável) sistema partidário português em moldes similares ao que já aconteceu em França ou na Itália.

Neste contexto, a ausência de um candidato presidencial alternativo por parte da direita que não se revê em Ventura (temendo racionalmente um possível resultado humilhante atrás do candidato do Chega) pode assim paradoxalmente ajudar o próprio Ventura e a consolidação do Chega.

Daí que se perceba que Marcelo possa ter aconselhado amigavelmente Ventura a não se candidatar. O que já não se percebe é que o mesmo Marcelo não veja com bons olhos (ou mesmo incentive) uma candidatura oriunda da área do CDS e Iniciativa Liberal. É verdade que a apresentação nesta área de um candidato forte – por exemplo Paulo Portas ou Adolfo Mesquita Nunes ou mesmo, num segundo plano, Carlos Guimarães Pinto ou António Lobo Xavier – reduziria a probabilidade de Marcelo ser eleito à primeira volta. Mas ao mesmo tempo reduziria ainda mais o risco de uma eventual segunda volta disputada por Marcelo Rebelo de Sousa com André Ventura.

Com a agitação que se vive à direita no sistema partidário português e a incerteza associada à crise económica e social, umas presidenciais que pareciam ser apenas um mero exercício formal para carimbar a recondução de Marcelo podem assim acabar por abalar as estruturas do próprio regime.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa