Recentemente o Papa Francisco, através de um decreto papal (motu proprio), veio acabar com a celebração da missa na forma extraordinária, em latim, e muito apreciada por alguns grupos de católicos, os chamados “tradicionalistas”.

E aqui entra o marketing. O marketing é a ciência de se colocar no lugar do outro. Quando uma marca promove um produto, deve em primeiro lugar conhecer e dirigir a o seu produto/serviço para esse cliente. Ou, até, antes de criar qualquer produto, deve conhecer os consumidores e as suas necessidades e ir ao encontro das mesmas. Sem esta perspetiva, podemos estar a criar um produto que não terá consumidores e a criar uma necessidade que não existe. Por isso, o ponto de partida é o consumidor e não a marca. Aqui, na missa em latim é um pouco parecido. A Igreja decidiu convocar um Concílio na década de 60 do século passado, a qual se debruçaria sobre a relação da Igreja com o mundo. A Igreja é depositária de uma Revelação, de uma mensagem e se não se deixar renovar continuamente pelo Espírito, torna-se monolítica, desfasada do seu tempo. E esta relação da Igreja com o mundo é um “ir para fora” ao encontro das ovelhas – programa tão caro a esta Papa, expresso na “Evangelii Gaudium” -, procurar compreender essas ovelhas e entendê-las no seu progresso e desafios, de modo que se continue a tornar relevante e um apoio para muitos no seu caminho de vida.

De há uns anos para cá, tenho assistido a diversos debates, alguns online, sobre esta questão. Em grupos de católicos mais assíduos, (ainda…) é acesa a discussão entre os que defendem a celebração deste rito e aqueles que não. O Papa acabou com esta discussão, pois este caminho de aproximação a estes movimentos, na tentativa de sanar cismas causados por monsenhor Lefebvre, redundou em aumentarem grupos de católicos que rejeitam as alterações propostas nos concílios e, além disso, que estão contra o Papa e a sua reforma. Assim, o Papa, voltou atrás naquela vontade de acalmar os ânimos e aproximar as ovelhas tresmalhadas. Por isso gosto tanto deste Papa, é uma força da natureza. Chega a todos com o seu coração grande e pode ser compreensivo e terno, mas também é firme quando é preciso.

Como também existe uma perspetiva sociológica da fé, uma perspetiva “positiva” da fé, como me dizia uma vez o Pe. António Janela, ex-professor de sociologia da Universidade Católica, a Igreja não se pode desligar da realidade. O latim é uma língua morta, ninguém fala latim, as pessoas têm vidas complicadas e aceleradas, muitas necessitam que a mensagem da Revelação lhes seja comunicada “conforme as exigências do nosso tempo” (Tobin, G. (2014). O Bom Papa. Criação de um santo e recriação da Igreja – A história de João XXIII e do Concílio Vaticano II, Cascais: Lucerna, p. 166), como dizia um dos Papas que presidiu a esse Concílio, João XXIII. Adiante, na mesma obra e página, o autor cita este Papa – o qual depois foi levado aos altares como Santo da Igreja – aqui bastante atual nas suas palavras:

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No exercício cotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos ouvidos sugestões de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, elas não veem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada aprendeu da história, que é também mestra da vida (…). parece-nos que devemos discordar desses profetas da desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo”.

A comunicação é uma arte que também deve estar presente na fé e os seus pastores, imbuídos deste cuidado, que é verdadeira caridade, também a devem cultivar (e já, agora, os leigos). Quando procuramos falar com cada um como ele compreende, estamos a exercer a verdadeira empatia. Jesus foi ter com todos e falou com cada um conforme as suas limitações. Fez-se homem, pequeno numa manjedoura mal cheirosa, precisamente porque queria chegar a nós. E está no sacrário, sujeito a todas as indiferenças porque quer chegar a nós. Isto é um mistério, mas é como é. Fé sem mistério não é fé. E então, nesta atitude de falar a língua de cada um, se pretende chegar a todos, para que todos possam ter contacto com o tesouro da Revelação, pois “não há judeu, nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus” (Gál. 3:28).

Na Igreja existe diversidade, não a queiramos uniforme, mas unida. Podem e devem existir posturas “conservadoras” e “progressistas”, assim tem avançado a Igreja e avançaram os concílios, nesta tensão existiu luz. Mas uma coisa é diversidade, outra causar divisão. Também existirão posturas “progressistas” divisórias? Talvez. Desde que exista respeito e uma procura sincera pela verdade e que cada um saiba qual a sua função no corpo diferente, tudo vai bem. Como dizia também S. Paulo, a Igreja é um corpo com vários membros (Rm. 12: 4-5), cada um desempenha uma função diferente e compõe o corpo completo: uno, santo, católico e apostólico.