As conclusões mais inquietantes do estudo “Inclusão ou discriminação? Da análise dos resultados escolares às estratégias para o sucesso dos alunos com origem imigrante”, promovido pela EPIS – Empresários Pela Inclusão Social e elaborado pelo Centro de Investigação CICS.NOVA e a Nova SBE, divulgadas nos meios de comunicação, dizem respeito à segregação dos alunos de origens imigrantes:
- Numa amostra de 93 concelhos do Continente, onde existiam 9.493 alunos com origens imigrantes a frequentar o 9.º ano em 2016/20217, 21 (23%) concelhos apresentavam um índice de segregação destes alunos considerado elevado, abrangendo 2.850 jovens (30%).
- Numa amostra de 404 escolas, onde existiam 9.956 alunos com origens imigrantes a frequentar o 9.º ano em 2016/2017, 133 (33%) escolas apresentavam um índice de segregação considerado elevado, abrangendo 3.467 (35%) alunos com essas origens.
De forma simplificada, cerca de um terço dos alunos com origens imigrantes frequentam as escolas em contextos de segregação. O insucesso escolar repetido é uma das principais explicações para esta realidade.
A segregação intra-concelho será uma consequência de muitos fatores à escala territorial, socioeconómica e sociológica – urbanismo, rendimento e habitação social, transportes coletivos e escolares, organização das comunidades imigrantes, atividades económicas e empregadores destas comunidades, etc… –, com elevada “rigidez” e custos relevantes de mudança. Já a segregação intra-escola não é fruto do acaso ou de uma organização territorial e social tecida ao longo de décadas, é resultado de uma intenção organizativa e, sobretudo, é muito mais “acionável” que a anterior. Por isso mesmo, deveria merecer uma atenção especial por parte dos decisores principais na matéria.
Em primeiro lugar, face a esta realidade agora “desocultada”, o Ministério da Educação poderia completar a sua atualização do portal Info-Escolas, que passou a englobar, a partir de 29 Março de 2021, um “indicador de equidade”, que permite “aferir os níveis de sucesso educativo dos alunos de condições socioeconómicas mais vulneráveis (beneficiários do programa de Ação Social Escolar), em cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada, município e distrito, em comparação com os resultados médios dos alunos” (cf. “Nota informativa da atualização do portal Info-Escolas”). A inclusão de um novo índice de segregação nas escolas, que o estudo referido calculou a partir das estatísticas existentes, seria mais um passo em frente do Ministério da Educação na promoção do sucesso escolar e da inclusão social dos jovens de origens imigrantes. Com esta informação, possível já a partir do próximo ano letivo, deveriam ainda ser reforçados os mecanismos regulatórios de prevenção e de controlo da segregação. Complementarmente, logo que oportuno, este tipo de índices de segregação nas escolas deveriam ser parte integrante dos critérios e ponderadores na sua avaliação externa.
Em segundo lugar, compete às escolas com índices de segregação elevados combater esta realidade desde já. As escolas são pessoas concretas: os diretores e as suas equipas, que devem liderar esta prioridade, em articulação com o reforço de programas de promoção do sucesso escolar para alunos de origens imigrantes; todos os professores, mas em particular os que fazem as turmas em cada ano letivo; os pais, sobretudo os de origens imigrantes, que devem ter uma voz mais ouvida nos conselhos gerais; e até os alunos devem fazer parte deste esforço de mudança, pois se há capacidade que eles têm é o sentido de justiça e, sobretudo, de injustiça.
Em terceiro lugar, as autarquias têm um papel-chave no combate à segregação, pois são o único agente territorial que pode atuar nas duas dimensões analisadas – segregação intra-concelho e intra-escola. Na primeira, em articulação com a rede escolar: incentivando e apoiando as escolas a terem projetos educativos mais distintivos, que gerem procura e diversidade para além da zona de influência natural da escola (por exemplo, todos sabemos que as Escolas Profissionais e Artísticas o conseguem); apostando na requalificação de escolas, que geram procura para além da zona de influência natural, como o sabemos desde há 15 anos; promovendo mais e melhores transportes de fácil acesso aos alunos; integrando esta questão no planeamento urbanístico concelhio. No que diz respeito ao combate à segregação intra-escola, também há muito espaço de atuação para as autarquias: desde logo, pelas prioridades de política autárquica, que devem dar espaço à promoção do sucesso escolar, através de programas articulados com as escolas; depois, pela presença ativa e decisiva nos conselhos gerais, na elaboração dos projetos educativos, na seleção de diretores e de equipas de gestão alinhadas com estas prioridades e no controlo do desempenho das escolas em termos de sucesso escolar de todos os alunos; e, ainda, através de formação de professores, assistentes operacionais e dos alunos nas temáticas da cidadania e da inclusão social.
Pela sua importância para a sustentabilidade das comunidades locais, os “temas gémeos” da segregação e do insucesso escolar dos alunos de origens imigrantes deveriam integrar a agenda da campanha autárquica que se avizinha, em particular nas regiões mais visadas, como é o caso das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
“I have a dream“: que a repetição deste estudo, num horizonte de cinco anos, pudesse assinalar um antes e um depois face a 2021 no que diz respeito à segregação de alunos nas escolas, seja com base na origem ou naturalidade, seja com base noutro critério, nomeadamente o desempenho escolar.
Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.