Foi publicado internacionalmente este mês um dos primeiros estudos científicos sobre as desigualdades nas aprendizagens das crianças do pré-escolar em Portugal durante os dois confinamentos gerais de 2020 e de 2021.

O estudo partiu de dados de rastreios de 11.158 alunos a iniciar o 1.º ano de escolaridade em quatro anos letivos entre 2018/19 e 2021/22, pertencentes a 318 escolas portuguesas, compostos por tarefas de abordagem à escrita, matemática e capacidade motora, e por uma caracterização das suas famílias em termos de estatuto socioeconómico e das condições de estudo em casa.

Globalmente, os resultados confirmam o que se esperaria de modo intuitivo. Em primeiro lugar, os confinamentos de 2020 e de 2021 – sobretudo o primeiro – determinaram perdas de aprendizagem dos alunos em relação aos anos pré-pandemia de 2018 e 2019, de um modo muito particular nas questões de abordagem à escrita. Em segundo lugar, estas diferenças são mais acentuadas nos alunos com menor estatuto socioeconómico e em que não existe um espaço sossegado para estudo.

As três gerações de alunos que fizeram o pré-escolar com dois confinamentos gerais estão agora no 3.º, 2.º e 1.º ano. Se, a partir deste estudo, se ficou a saber que, nas competências rastreadas, houve um impacto negativo à entrada da escolaridade, não decorreu ainda tempo suficiente para avaliar como evoluíram as suas aprendizagens nessas e noutras áreas – e em que medida estes alunos recuperaram ou recuperarão os atrasos ao longo do 1.º Ciclo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nesse sentido, neste e nos próximos anos letivos, as escolas e os professores deverão criar instrumentos adicionais de rastreio e de aferição de aprendizagens, mesmo que informais, que completem e reforcem os instrumentos oficiais. Mas não devem parar por aí. Mais do que nunca, as escolas e os professores têm a obrigação de mobilizar e de focalizar todos os recursos para potenciar uma efetiva recuperação dos alunos com “alertas de atraso”, sobretudo os de famílias mais vulneráveis. Mas, porque sabemos que os recursos disponíveis das escolas são escassos nos tempos atuais, a mobilização dos pais para esta tarefa parece-me ser uma enorme oportunidade para fazer a diferença, pelo menos a três níveis.

  1. Manter os pais (mais) informados e mobilizar todos os recursos disponíveis. Neste período de recuperação dos alunos do 1.º, 2.º e 3.º anos, as escolas devem prestar informação mais detalhada e frequente sobre as aprendizagens individuais de cada criança. Uma vez envolvidos e convocados a participar, muitos desses pais, mesmo de estatuto socioeconómico mais baixo, poderão mobilizar recursos improváveis para a recuperação dos seus filhos – ao nível da família, da comunidade, da paróquia, da freguesia ou autarquia –, sobretudo se forem orientados pelos professores em termos práticos e concretos.
  2. Promover a leitura e a escrita em casa. Se a abordagem à escrita foi das competências mais penalizadas no estudo referido – sempre associada à leitura –, esta é uma área que pode ser potenciada em casa, com a ajuda dos professores em termos de dicas e de suportes de trabalho. Sabemos que a leitura é fundamental na formação das pessoas, como promotora da compreensão do mundo, do sucesso na escola e na vida, como impulsionadora do desenvolvimento social e cultural. Promover a leitura e a escrita dos alunos em casa pode ser uma tarefa possível de realizar, desde que haja disponibilidade de tempo da parte dos pais – ou então dos avós ou até mesmo dos irmãos mais velhos. A Rede de Bibliotecas Escolares, de cobertura nacional, é um ativo importantíssimo dos agrupamentos para se vencer este desafio, pois dispõe de livros para serem cedidos aos alunos, mas também de professores dedicados e, em várias escolas, de voluntários externos, que podem trabalhar em parceria estreita com as famílias, sobretudo as mais vulneráveis.
  3. Treinar outras competências específicas com os pais. As funções executivas como a atenção e a memória e as competências não cognitivas como a curiosidade e criatividade, entre outras, são muito importantes para as aprendizagens em todas as idades e, no caso das crianças, são treináveis de forma lúdica e divertida, com livros didáticos, jogos e outros suportes existentes em muitas escolas. Cabe aos professores identificar as crianças que necessitem de reforço do treino destas competências fora da escola e solicitar a ajuda dos pais, disponibilizando os necessários suportes para um trabalho em casa.

Os pais são ainda uma peça chave para “abrir os horizontes dos filhos” e “dar-lhes mundo”, através de atividades em família como um simples passeio, uma viagem, uma visita cultural ou histórica, ou outro tipo de experiências de descoberta, que promovam o conjunto de competências acima referidas. É esta energia infinita que existe ao nível das famílias que deve ser mais mobilizada pelas escolas neste tempo de recuperação pós-pandemia.

Diogo Simões Pereira é Diretor-geral da Associação EPIS – Empresários Pela Inclusão Social

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.