Uma sondagem recente colocou o PSD à frente do PS nas intenções de voto e, depois de ter recusado a ideia de eleições antecipadas, tendo até colocado de lado a hipótese de votar a favor de uma moção de censura ao Governo (com base num suposto critério que dita que o Governo deve governar, como se o voto favorável na moção pusesse sequer essa premissa em causa), eis que, justa ou injustamente, Luís Montenegro deixou escapar a ideia de um cenário eleitoral no horizonte. Não faço ideia se no PSD ainda se pensa de todo, mas temo que dali já não venha nada de bom.

Do trabalho da Pitagórica para a TVI/CNN retira-se, inequivocamente, que o PSD lidera as intenções de voto. Sem distribuição de indecisos (porque os indecisos, enfim, são indecisos e a sua fórmula de distribuição é demasiado imprevisível), o PSD tem 23,9% de intenções de voto, o PS 21% e o Chega 11,1%. O resultado não surpreende: as pessoas que acham que o Governo é mau ou muito mau são agora 53% (em Novembro eram 32%), e as que acham que o Governo é razoável, bom ou muito bom são agora 46% (em Novembro eram 66%). Parece inevitável que o maior partido da oposição suba nas intenções de voto quando o partido do Governo se começa a revelar desgastado junto dos eleitores, não é? Não, não é. O PS cai, de facto, 8,1pp e António Costa tem o valor mais baixo de aprovação e o valor mais alto de rejeição em muito tempo. Mas o PSD também perde intenções de voto (0,7pp) desde Novembro. Ou seja, depois de mais de um mês negro para o Governo, o PSD consegue perder eleitores e passa a liderar a sondagem apenas porque o PS caiu e muito. (A este propósito, vale a pena ler o artigo de Miguel Pinheiro, publicado no passado sábado, para se perceber que já não bastará ao PSD fazer-se de morto para ganhar eleições.)

Mesmo quando comparados os dois líderes dos maiores partidos, Montenegro tem uma avaliação média superior (2,4) à de Costa (2,2). Também aqui parece inquestionável o apreço do eleitorado pelo chefe da oposição. Parece, mas também não é. Na verdade, Montenegro tem menos avaliações de «bom» do que Costa quanto à sua actuação (34% contra 39% do Primeiro-ministro). E tem mais avaliações de «mau» do que Costa (33% contra 32%). O presidente do PSD vence apenas em dois segmentos de avaliação: no muito mau (Costa tem 20% e Montenegro de apenas 9%) e nos indecisos (22% contra 7% de António Costa). Ou seja, quase um quarto dos inquiridos não tem opinião formada a respeito do principal candidato a substituir o Primeiro-ministro.

Para onde andarão estes indecisos? Os inquiridos sugerem uma resposta: 42% acham que o partido que mais vai crescer em 2023 é o Chega (de resto, já é o partido que mais cresce na sondagem).

Outro dado curioso é o facto de os inquiridos entenderem, ao mesmo tempo, que o PS será o partido que mais vai descer nas sondagens em 2023, mas que as vai liderar no final do ano. Há aqui um elemento que denuncia especial atenção e perspicácia política do eleitorado (ou dos inquiridos, para ser mais rigoroso): o PS está em queda, as pessoas sabem que continuará em queda, que quem mais lucrará com isso é o Chega, mas, na dúvida, quem vai acabar a liderar as intenções de voto será o PS (e não o PSD ou o Chega).

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Complicado? Bastante simples, na verdade. Sobretudo se o compatibilizarmos com os elementos que Luís Paixão Martins trouxe no seu livro Como perder uma eleição (ed. Zigurate, 2023): nos estudos que a campanha socialista fazia há um ano, havia uma fórmula de Governo que era mais rejeitada que todas as outras. Essa fórmula era a que integrava o PSD e o Chega (mais rejeitada que o Bloco Central).

Há imenso tempo que tenho essa discussão e continuo a surpreender-me sempre com tanta gente à direita que acredita que o PS só será afastado do Governo com uma coligação ou um acordo entre o PSD e o Chega. De facto, a sondagem parece indicá-lo: PSD e Chega juntos valem 41,3% das intenções de voto; PS, PCP, BE, Livre e PAN juntos valem apenas 29,1%. Mas é preciso conciliar estes indicadores com aqueles que mencionei acima: a rejeição elevada de uma fórmula governativa que inclua o Chega, a ideia de que será o Chega o partido que mais cresce este ano e a convicção de que o PS liderará as intenções de voto. Ou seja, na dúvida, entre um Governo que inclua o Chega e um novo Governo do PS, os eleitores muito provavelmente optarão pela última solução.

Os mais crédulos continuarão a acreditar que só será possível o PS sair do Governo com um acordo claro (ou a perspectiva dele) entre o PSD e o Chega. Mas André Ventura, de resto, tem compreendido na perfeição o cenário político e já sabe para onde deve trabalhar. Deixou-o, aliás, muito claro no passado fim-de-semana: o Chega não está particularmente interessado em derrubar o PS do poder para o ocupar com ou sem pastas num Governo do PSD. Não. Ventura quer mesmo ocupar o espaço do PSD. E se o rumo das coisas não for invertido, é possível que o consiga, mais tarde ou mais cedo. O presidente do Chega conhece demasiado bem o PSD para julgar que essa é uma impossibilidade. Ventura sabe para onde vai, talvez lhe falte apenas saber a que velocidade e com quem, mas sabe que isso é alcançável. E o PSD está hoje mais deteriorado que nunca (salvo raras excepções) em termos de orientação, estratégia e quadros políticos (e aqui, naturalmente, Montenegro é até mais efeito do que causa; nós podemos espantar-nos muito se virmos um cágado em cima de uma árvore, mas não é justo que apontemos o dedo ao pobre do cágado por ter sido colocado por alguém num sítio para si inútil e onde não se consegue movimentar sem cair).

Este fenómeno de crescimento do Chega às custas do desgaste do PSD e do CDS não é, apesar de tudo, uma surpresa. Ele corresponde ao preenchimento de um vazio a que o centro-direita clássico deitou a vida política portuguesa. No limite, servirá apenas ao Partido Socialista. O Chega não tem, e provavelmente não terá, gente suficientemente capaz de gerar no eleitorado a convicção de que é capaz de integrar um Governo, quanto mais de o liderar, e é nesse território que os socialistas apostam: no crescimento do Chega, que será o suficiente para dar vitórias eleitorais ao PS. Será, porventura, um jogo arriscado e alimentado por quem, como António Costa, parece ter perdido a noção da normal finitude dos ciclos políticos. Mas em termos imediatos, e é nesses termos que António Costa pensa, dará os seus frutos.

O que temos diante dos olhos é, pois, um profundo vazio (note-se que nunca houve tanta oferta partidária à direita como agora e o sentimento de orfandade no seu eleitorado nunca foi tão grande) que ainda vai a tempo de ser colmatado se a direita sociológica compreender que precisa de se mobilizar para responder a todas estas adversidades. E essa resposta já não se fará através do PSD, que é neste momento um zombie prestes a ser devorado. É preciso destruir e criar de novo de forma que este vazio não seja preenchido pelo Chega. A não ser que se pense que esse é um fim aceitável. Nesse caso, boa noite e boa sorte. Mas a orfandade continuará. E os socialistas no poder também.