Foi durante o ano de 2020 que o preço dos bens de consumo acelerou para os níveis historicamente elevados alcançados no ano seguinte. Em consequência de uma pandemia sem precedentes que atingiu de forma severa uma economia frágil e com problemas de fluidez como é a portuguesa. Isto levou à escassez de matéria-prima e constrangimentos de alocação de produto acabado, a dificuldades logísticas e de transporte, coincidentes com um pico de procura num momento em que a atividade operacional das indústrias transformadoras asfixiava entre a falta de mão-de-obra e a escassez de matéria-prima. O resultado foi uma elevada dificuldade em responder àquilo que era a demanda de uma sociedade em ebulição, num momento de alta instabilidade.
Em consequência disso, assistimos ao longo dos últimos meses a um aumento exponencial do preço dos bens alimentares ao dispor das famílias nas prateleiras dos super e hiper-mercados. Este incremento refletiu não só a dificuldade na alocação de matéria-prima como o aumento dos custos operacionais associados a toda a cadeia de valor do sector alimentar, nomeadamente os drásticos aumentos que se verificaram na energia e no transporte e que ameaçam sobremaneira as cadeias de abastecimento.
A invasão da Ucrânia pela Rússia veio servir de catalisador a estes constrangimentos, provocando uma reação em cadeia em todas as atividades de produção e serviços.
O aumento de preços tem sido genérico em todos os sectores da economia, no entanto o sector alimentar tem sofrido um impacto particularmente significativo, nomeadamente no pão – com aumentos a rondar os 15% – nos ovos – cerca de 25% desde o início do ano – e nas oleaginosas, uma vez que a Rússia e a Ucrânia são responsáveis por 85% da produção mundial de sementes de girassol. No caso das oleaginosas, a situação é de tal forma fraturante que a própria Direção Geral Alimentar e Veterinária (DGAV), através do despacho n.º 29/G/2022, admitiu medidas excecionais e temporárias face à necessidade de substituição destes produtos.
O baixo nível de autossuficiência do nosso país é um problema já há muito identificado. O mercado cerealífero é um exemplo sintomático da realidade agrícola e produtiva em que nos inserimos. No ano de 2018 Portugal tinha uma autossuficiência de 23% neste sector, o governo traçou como meta uma taxa de autoaprovisionamento de 40% até 2023. Atualmente o valor caiu para 10%, claramente abaixo do objetivo do governo e abaixo daquilo que se verificava em 2018.
As oscilações provocadas no sector alimentar, enquanto elemento preponderante no tecido industrial português, têm uma elevada repercussão na estabilidade social do país, no entanto estes aumentos inserem-se num cenário estrutural que vai desde a industrial papeleira à indústria têxtil, passando pelo mercado aéreo, onde o jet fuel já teve aumentos na ordem dos 40 pontos percentuais.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), as famílias portuguesas nunca gastaram tanto em comida como nos últimos meses, o que reflete a preponderância destes aumentos no contexto socioeconómico do país.
Apesar de tudo isto a SONAE MC comunicou recentemente lucros de 268 milhões de euros durante o ano de 2021 – o valor mais elevado dos últimos 8 anos – quadruplicando o resultado obtido no ano de transato e um acréscimo superior a 6% no seu volume de negócios. É isto demonstrativo de que este aumento de preços tem sido suportado essencialmente pelos produtores e pelos consumidores finais. Os primeiros através do esmagamento das suas já curtas margens de lucro e os segundos através do dispêndio de uma maior parcela do seu orçamento familiar em alimentação, num momento em que a inflação disparou e já se fala do pior inimigo das famílias, a estagflação: o aumento de preço dos bens de consumo coincidente com a estagnação da economia e salários.
No sentido de mitigar estes aumentos o governo português disponibilizou uma linha de crédito no valor de 400 milhões de euros às empresas nacionais. Para além disso promoveu ainda um apoio de 30 cêntimos por litro de combustível e Ad Blue para as empresas de transporte e prevê uma redução temporária no IVA dos combustíveis para a taxa intermédia de 13% – o que carece de validação por parte da Comissão Europeia.
Importa neste momento garantir um planeamento estratégico claro e bem definido por parte dos intervenientes políticos e sociais do país, que identifique os sectores mais voláteis e com preponderância no tecido empresarial português. Através da dinamização de inputs financeiros, é essencial garantir aos agentes económicos as condições para o exercício pleno da sua atividade e com isso criar fluxos financeiros reais que permitam à sociedade o acesso a uma liquidez efetiva e ao dispor das famílias. É de suma importância a adoção de medidas endógenas e potenciadoras das reais valências dos nossos sectores de atividade mais afetados, para que um país com taxas de autossuficiência tão baixas e uma economia tão instável consiga dar resposta às necessidades mais prementes de uma população cada vez mais estrangulada financeiramente.