O Estado Novo foi uma ditadura, mas também a ideia de que Portugal podia ser um mundo aparte, um Estado intercontinental quando os outros Estados europeus descolonizavam, e um regime corporativo enquanto as outras sociedades ocidentais admitiam divergências e conflitos.

A revolução de 1974-1975 também não foi apenas uma semi-ditadura militar, mas a ideia de que competia aos portugueses tornarem-se, no ocidente da Europa, um entreposto de socialismo terceiro-mundista, com as forças armadas a fazer de “movimento de libertação”.

Tudo acabou quando essas expectativas acabaram, isto é, quando deixou de ser possível escamotear as desvantagens de ser o último império ou a primeira Cuba da Europa ocidental. Até porque havia uma alternativa mais digna e mais próspera — já escolhida, aliás, pelas centenas de milhares de portugueses que, durante uma década, haviam passado legal ou ilegalmente a fronteira em direcção à França ou à Alemanha: ser simplesmente um país como os outros países da Europa ocidental.

O actual regime levantou-se em cima dessa possibilidade. Por isso, não foi apenas uma oligarquia de partidos subsidiados pelo Estado, mas também a expectativa de Portugal, um dia, vir a ser um país com as instituições e a fortuna dos países ricos e livres do norte da Europa.

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Eis o que ficou em causa nos últimos anos, quando se tornou notório que o país, sobrecarregado por um Estado endividado e clientelar, não consegue aproveitar a integração europeia para continuar a convergir com a Europa. A partir daí, deixámos gradualmente de acreditar em quase tudo.

A actual maioria das esquerdas demonstrou que ninguém acredita verdadeiramente numa alternativa ao ajustamento orçamental dirigido por Bruxelas, a menos que aceitemos que sacrificar serviços públicos para pagar salários é acabar com a austeridade.

A actual liderança da direita provou, por sua vez, que, apesar de a coligação PSD-CDS ter ganho a eleição de 2015, ninguém acredita numa alternativa ao governo socialista, a menos que se considere que mudar a composição da maioria parlamentar de apoio a António Costa faça diferença.

Como podia ser diferente? Vivemos num dos países mais endividados do mundo, onde a falta do BCE significaria provavelmente uma bancarrota instantânea, e onde a política está reduzida a distribuir rendas entre os grupos de interesses que dependem do Estado e de que os governos dependem para terem boa imprensa e boas eleições.

Em Portugal, não há o Vox da Espanha nem os coletes amarelos da França. Há apenas abstenção, uma espera receosa do fim da actual festa, da última estação deste tempo de vésperas em que os juros baixos e os saldos permanentes disfarçam a perda de rendimentos e a renovação de casas para alojamento local esconde a degradação dos transportes públicos. Aguardamos – não já, como na década de 1990, pelo dia em que o nosso PIB per capita coincida com a média europeia, mas pelo dia em que os juros subam ou os turistas descubram outros destinos, e a nossa vulnerabilidade nos bata na cara.

É nestas condições que nos pedem este ano para votar, isto é, para escolher líderes e optar entre programas, quando sabemos que não há escolha nem opção. Vai ser uma experiência interessante. Em 1871, um jovem poeta impertinente perguntou a um chefe de governo se era possível viver sem ideias. Parece que estamos condenados a fazer regularmente essa pergunta.