Corram para os abrigos: anda aí uma direita ‘radical’, agressiva, perigosa, má como as cobras (e quem vos diz isto é esta vossa amiga fóbica de serpentes). O governo – sempre pronto a proteger-nos de todos os perigos (menos os de umas contas públicas que só fazem sentido depois de consumo de LSD) – já tratou, estou certa, de dotar os psicólogos nacionais de bolsas chorudas para a investigação dos traços fisionómicos comuns nesta direita ‘radical’, para que o cidadão decente possa identificar o malandro radical direitolas sempre que por ele (ou ela) passa na rua.
A tese não é nova – vem desde as eleições. Não havendo votos, inventou-se outra fonte de legitimidade. É que o PS tinha de governar – Costa e sus muchachos nem queriam nada – para salvar o país da direita radical que tinha tomado a coligação. E quanto mais o PS se radicalizava e se aliava aos universalmente reconhecidos extremistas, mais se gritava ‘direita radical’, enquanto se acendiam velinhas nas lojas maçónicas para que o cidadão português não reparasse no que se passava.
Pacheco Pereira esmera-se agora na denúncia desta malvada e aleivosa direita radical que anda à solta pelo país, sobretudo nos blogues, no twitter e nos comentários. E escrevem também nesses lugares malsãos que são este vosso criado Observador, no Sol e no ‘extinto’ Diário Económico (os trabalhadores, jornalistas incluídos, que continuam a trabalhar para dar notícias no agora digital Diário Económico, certamente agradecem tanta consideração). Permitam-me notar só um pormenor: deixando de lado as caixas de comentários, tomando só as pessoas funcionais de direita existentes nestes meios, as generalizações de Pacheco Pereira têm uma adesão à verdade parecida com a que Sócrates costuma evidenciar.
Exemplos. Ama-se de amor verdadeiro o PC Chinês. Que eu saiba, a única pessoa que adora chineses sou eu, sou ciumenta com essa relação, pelo que mais ninguém se atreve a professar amor igual. E como às vezes temos zangas – sucede sempre com os afetos – ocasionalmente há represálias e lá posto denúncias sobre censura na China, prisão de ativistas de direitos humanos, as desventuras de Hong Kong e por aí adiante. E sou, parece-me, o expoente máximo de amor que o PCC pode esperar obter na direita, radical ou não, portuguesa. Trump e Putin são elogiados por uma única pessoa em todo o twitter e (mais ou menos furiosamente) insultados pelos restantes. Enlevos com Catroga ou o MPLA só podem provir de noites de pesadelo de Pacheco Pereira.
Há – informa Pacheco – uma enorme agressividade nesta direita radical, insultos, calúnias, nenhuma vilania lhe escapa. E não há nada disto há esquerda, onde é tudo malta cool e relaxada. É verdade que eu – não tendo a vocação patrulheira e controleira de outros – não frequento os bas-fonds da esquerda, mas posso dizer que eles vêm com frequência ter comigo, por tweets ou e-mails ou mensagens no facebook, usando de alguns insultos e calúnias, de cada vez que eu ouso dizer que o nosso magnífico PM é um bocadinho menos do que um tipo absolutamente impecável. Por ocasião dos meus textos sobre o islão, já tive esquerdolas de várias idades informando-me que são tão tolerantes que nem se importam de me dar uns sopapos – mas sopapos pacíficos e nada agressivos – só para que eu também aprenda a ser tolerante.
Pacheco Pereira não lê as mensagens que me dirigem, claro. Mas também deve esquecer-se de ler (olha, passou-lhe) João Galamba ou José Lello, só para ficar pelos representantes do povo (nas democracias funcionais obrigados a mais juízo) que não se costumam caracterizar pela bonomia. Também não lê Tiago Barbosa Ribeiro, que no outro dia escreveu um email a destratar um eleitor que o havia contactado (a opinião do eleitor é irrelevante; no caso discordo dela) e depois orgulhosamente exibiu a sua resposta nas redes sociais. Por mero acaso também escaparam a Pacheco Pereira as palavras – meigas e ronronantes – de José Magalhães sobre José Rodrigues dos Santos: ‘a aberração Santos vomita o seu palavrório certo que não tem contradita’.
Se a esquerda eleita é esta ausência visível de agressividade, os comentadores, bloggers, opinadores, twitters de esquerda serão todos – até aposto aí uma moeda de dois ou de cinco cêntimos – seres celestiais. Pacheco tem razão: não há nenhuma agressividade à esquerda.
Mas vamos lá saber: o que defende esta direita radical que tanto repugna a Pacheco Pereira? Deixo-vos aqui algumas frases que estou certa que a direita radical subscreveria, mais aresta, menos aresta.
‘[P] precisamos vitalmente de outra coisa, precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial. Sem mais “crise” (das que falava Schumpeter) e sem mais “boa” insegurança, não somos capazes de mudar. O estado tudo faz para nos poupar a essa insegurança, e, como toda a Europa, afundamo-nos, pouco a pouco, na manutenção, geracionalmente egoísta, de um modelo social insustentável a prazo e que nos condena a definhar.’
‘A reconfiguração do modelo do nosso Estado devia apenas garantir uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da parte da sua “segurança” que está para além do mínimo garantido e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se numa espiral cada vez maior. O que significa que a única oposição possível é a liberal.’
‘Medidas de fundo, estruturais, […] alterar de imediato a Constituição para acabar com a gratuitidade na saúde e na educação e concentrar os benefícios em quem realmente precisa, acabar com as centenas de milhões que pagam a máquina de propaganda do Estado, a começar pela RTP. E, a aumentar os impostos, fazê-lo com prazos definidos e associando-os à redução de despesa, tudo quantificado e com prazos.’
O autor destas ideias ultra-mega-uber-neo-liberais? Pacheco Pereira, perigoso direitolas radical.