Ao tempo em que este artigo é escrito, já ocorreu o debate entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, no qual os dois concordaram em fazer acordos na próxima legislatura. E Pedro Nuno Santos até recordou que isso sucedeu anteriormente.
Entretanto, o líder da AD não diz se admite ou não ter entendimentos com o Chega, depois de já ter dito que «não é não». E o Presidente do Conselho Estratégico do PSD, nada menos, diz que o PSD pode vir a viabilizar um governo minoritário do PS, isto é, do PS amigado com o Bloco, antes que, entende-se, fazer acordos com o Chega para um Governo maioritário da AD. Isto não é uma coisa insignificante. É um grave dilema que se coloca ao eleitorado.
Da autoria do jornalista Miguel Santos Carrapatoso, veio recentemente no jornal “Observador” a seguinte informação: «Pedro Duarte, figura próxima de Luís Montenegro e presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, admite que o partido pode vir a viabilizar um governo minoritário liderado por Pedro Nuno Santos caso os sociais-democratas venham a ficar em segundo lugar nas eleições legislativas. Recorde-se que o líder social-democrata tem optado por não responder a essa questão durante a temporada de debates, já depois de ter dito, em entrevista à CNN, que não viabilizaria um governo socialista.»
E, logo adiante, transcreveu esta declaração de Pedro Duarte: «Se olharmos para o histórico do PSD na nossa democracia, o PSD sempre teve o sentido de responsabilidade de colocar os interesses nacionais acima dos interesses partidários. Não tenho dúvidas que vai voltar a acontecer quando um cenário dessa natureza se voltar a colocar no futuro, seja quando for”.
Aqui, o jornalista do Observador intercalou inteligentemente o seguinte comentário: «Ora, nos dois últimos debates — frente a Paulo Raimundo e a André Ventura –, Luís Montenegro preferiu não esclarecer a questão.» E continuando a notícia, conta-nos assim: «Confrontando com a resistência de Montenegro em responder à questão, Pedro Duarte avançou uma explicação: “Acho que não há grandes dúvidas a esse respeito sobre qual é o posicionamento do PSD” num contexto em que o “Partido Socialista [seja] normal” e se não houver um “extremar radical” em que o PS recusaria “qualquer espécie de aproximação ao centro”».
Ora bem. Aparentemente, o Presidente do Conselho Estratégico do PSD está a revelar publicamente qual é a estratégia do Presidente do PSD, quando agora se cala, e a revelar a estratégia do próprio Conselho Estratégico a que preside. É uma coisa muito séria, para os eleitores. Porque esse é um ponto determinante. Votar na AD aberta à sua direita, é uma coisa; votar na AD fechada à sua direita, e aberta à sua esquerda, é outra coisa.
É que o Partido Socialista de António Costa e de Pedro Nuno Santos já não é o Partido Socialista de Mário Soares, como ainda era à data das passadas experiências em que o PSD viabilizou o governo minoritário do PS. Aliás com maus resultados políticos, note-se bem. Os líderes da AD que admitem repetir a viabilização de governos da nossa actual «esquerda unida», que, à semelhança do caso espanhol, «jamais será vencida», parece que ainda não se deram conta das mudanças estruturais e ideológicas do nosso sistema partidário. Ainda põem a hipótese da “viabilização do PS”. Ora, a hipótese de um PS moderado é um lirismo. O resultado da última escolha para a liderança do PS retira qualquer sentido a esta hipótese.
Outra grande mudança que parece não estar a ser levada em conta por estas declarações é que, entretanto, o PSD já não é o partido hegemónico da oposição ao Partido Socialista. Por causa de Rui Rio, que também era muito viabilizador do Partido Socialista, o PSD perdeu a confiança de uma boa parte do seu eleitorado. Que não foi para a esquerda, mas sim para a direita do PSD. No actual quadro Parlamentar, se o PSD quiser fazer uma oposição intransigente ao novo Partido Socialista — em vez de uma oposição frouxa que admite poder vir a ser um apoio a um governo do PS — não pode pensar essa oposição sozinho, pelo menos quando não tiver só ele a maioria absoluta. A questão é esta: se o PSD preferir viabilizar um Governo minoritário do PS no caso de existir na Assembleia uma maioria anti-socialista, então o PSD deixa de ser o líder da direita e passa a ser um partido de esquerda que apenas compete a liderança da esquerda com o Partido Socialista.
O PS de António Costa conseguiu federar a esquerda e a extrema-esquerda. E é assim que o PS impede o aumento eleitoral dos partidos à sua esquerda. Toda a esquerda agora é um bloco de esquerda, como se tem provado nas políticas de educação e cultura, nas chamadas rupturas culturais, já que, quanto à economia e à solidariedade social, as divergências são menos agudas.
Esta federação da esquerda e da extrema-esquerda desafia o mesmo, na direita. Não é por acaso que todas as esquerdas não querem isso de modo nenhum. Não querem que o PSD faça, à direita, aquilo que o PS faz, à esquerda.
O que está a suceder em toda a Europa não é o crescimento relativo das velhas esquerdas, nem do velho centro-direita, mas sim das novas direitas. Apesar do evidente e forte assédio ideológico contra isso por parte das esquerdas e das direitas. E quem tem a maior culpa? O velho centro-direita, porque é sobretudo do seu seio (embora não só) que nascem as novas direitas.
Ainda temos três semanas até à eleição. Seria bom que este imbróglio diminuísse, e não aumentasse até lá.