1 Toda a gente tem sempre dois votos, em alternativa. Um, e primeiro, é o voto directo na sua primeira preferência entre os vários programas políticos partidários em competição. O outro, o chamado voto útil, é o que, em vez de escolher o que realmente se prefere em primeiro lugar, se escolhe o menos mau dos dois maiores partidos que, com grandíssima probabilidade, vão ganhar a eleição.

Portanto, o voto útil terá muita importância para, excepcionalmente, se evitar um muito mau governo. O que, se for repetido, vai contribuindo para, a termo, desvitalizar as doutrinas políticas, e a pouco e pouco desvitalizar a vida política. São portanto valiosos os pequenos partidos, que, se crescem, é porque os grandes não satisfazem o eleitorado. E isto é a democracia participativa.

2 Eu pertenci ao grupo fundador do PPD, liderado por Francisco Sá Carneiro, cuja doutrina política se distinguia da família partidária das democracias cristãs, não em contradição com ela, mas como um desenvolvimento social dela, na linha do Programa do Partido Social Democrata Alemão que, no histórico Congresso de Bad Godesberg, de 1959, renunciou expressamente às suas raízes marxistas e à ideologia comunista para adoptar as raízes doutrinárias do humanismo clássico e da doutrina social cristã. No Programa de Bad Godesberg, a social democracia alemã enxertou-se na raiz doutrinária dos partidos da democracia cristã, e assim se criou uma nova síntese partidária. O PPD português acreditou e quis lançar em Portugal esta nova variedade partidária. Deste seu desígnio inicial ainda consta, no Programa actual do PSD, o princípio do personalismo.

3 Entretanto, o Programa de Bad Godesberg do SPD alemão foi modificado; e guinou para a esquerda centralista, repetindo a sua frequente oscilação. E, com isso, a enxertia doutrinária que Bad Godesberg inventara deixou de se cultivar. Ainda teve uma espécie de reanimação, no histórico acordo entre «o centro» de Schroeder (die Mitte) e a terceira via de Tony Blair. Mas essa tentativa foi sufocada à nascença, no Congresso da Segunda Internacional Socialista. De onde, em todo o caso, ainda saiu o célebre compromisso: «economia de mercado, sim; sociedade de mercado, não».

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4 Entretanto, o PSD ficou só, como variedade partidária, e foi perdendo a sua vigorosa identidade doutrinária original. Para o comprovar, basta comparar os discursos fundadores de Sá Carneiro, e os discursos do PPD na Assembleia Constituinte, com a oratória que o caracteriza actualmente. Mais do que nunca como agora, com Rui Rio, que em nada é seguidor do pensamento de Sá Carneiro, o PSD desenraizou-se dos seus históricos fundamentos doutrinários, que o justificavam como novidade entre o CDS e o PS. E hoje apenas se distingue do Partido Socialista Português como uma espécie de ala direita do PS. Perdeu o rigor da defesa da sociedade civil contra o jacobinismo de Estado; do personalismo contra o jacobinismo; esqueceu-se da defesa das comissões de trabalhadores e da co-decisão dos trabalhadores na empresa, contra o sindicalismo de controle operário e de luta de classes; nem sequer aproveitou a deixa da flexi-segurança que o realismo socialista nórdico inventou para se liberalizar; perdeu o vigor da luta pelas liberdades pessoais na educação escolar, contra o monopolismo de Estado-Educador. Rui Rio declarou, nesta campanha eleitoral, que a função do Estado não é apoiar as liberdades civis plurais de educação escolar; mas é (apenas) garantir «uma escola pública de qualidade» (sic). É uma traição à história do PPD/PSD. Esta expressão, igualzinha à dos partidos de extrema esquerda, quer apenas garantir o monopólio da escola estatal e defraudar as liberdades pessoais de ensino e de educação. Acrescentar a palavrinha «de-qualidade» à escola pública não passa de uma mentirinha política para fazer engolir o monopólio escolar estatal, porque é sabido como o Estado tem sempre fugido, quanto pode, a todas e quaisquer transparências e avaliações independentes no campo do ensino. E a qualidade não justifica o monopólio, porque as escolas privadas também são de qualidade. Perante casos públicos escandalosos, como os das inadmissíveis intrusões ideológicas nas escolas, e o da perseguição que este Governo vem fazendo â família Mesquita Guimarães, de Famalicão, o PSD está calado e consente. Deixou revogar, pelo Governo Sócrates, o Decreto-lei 35/90, do Governo Cavaco Silva, que concedeu a gratuitidade do ensino obrigatório aos alunos das escolas privadas. E esqueceu-se ele próprio de cumprir esta legalidade, quando esteve no Governo. Lamento dizer que me desolou e me desola esta degradação de um tão promissor e entusiástico ADN partidário.

5 A partir de certa altura, deixei de ter partido, e comecei a fazer «voto útil». E é o que agora irei fazer, no próximo domingo. Vou votar no CDS, porque apresenta, sem dúvida o melhor programa eleitoral para quem não renunciou a defender uma boa doutrina política, em troca de interesses de corporativismo partidário. A meu ver, o CDS de Francisco Rodrigues dos Santos orienta-se em restauro da sua matriz original, invertendo uma trajectória de desvitalização; ao contrário do PSD acentua a sua degradação relativamente ao vigor da doutrina de Sá Carneiro. Este programa eleitoral do CDS merece o voto de todos aqueles, e muitos são em Portugal, que apoiam a doutrina social da Igreja, porque é personalista, é liberal e é social.

6 Se tivesse direito a mais meio voto, que não tenho, daria essa metade à Iniciativa Liberal, em cordial apoio da liberalização que muito bem defende para a economia e as finanças, que tem (finalmente!) abalado a ideologia do nosso socialismo estatista e burocrático, e tem estimulado os partidos não socialistas. Mas não em aprovação do apoio que tem dado às rupturas culturais pós modernas dos partidos de extrema-esquerda. É que há um liberalismo que não vai por aí. E justificaria esta meia votação citando paradoxalmente a sentença socialista que derrotou o reformismo da terceira via de Blair e do centrismo da social democracia de Schroeder: «economia de mercado, sim, sociedade de mercado, não».