Nunca tão poucos atraiçoaram tantos, em tão pouco tempo (Parafraseando uma célebre frase de Winston Churchill1)

“Se quiseres ser um verdadeiro amante da verdade, é necessário que, pelo menos uma vez na vida, ponhas em dúvida, tão longe quanto possível, todas as coisas.” (René Descartes)

No último dia da visita oficial a Moçambique (para a quinta cimeira entre os governos português e moçambicano), o Primeiro-Ministro (PM) António Costa decidiu – vá-se lá saber porque bulas – fazer uma evocação do “massacre” de Wiriyamu afirmando, “Neste ano de 2022, quase 50 anos passados desse terrível dia 16 de Dezembro de 1972, não posso senão evocar e curvar-me perante a memória das vítimas do massacre de Wiriyamu, acto indesculpável que desonra a nossa história”.

Perante este discurso num jantar de Estado, logo a maioria dos órgãos de comunicação social portuguesa vieram, em parangonas, afirmar que o PM tinha pedido “desculpas” a Moçambique, em nome do povo português, acompanhados de artigos e reportagens no mais das vezes escabrosas e outras só lamentáveis.

Ora não me parece que o PM tenha apresentado um pedido formal de desculpas (as palavras terão sido bem pensadas), mas por outro lado não se compreende o propósito; tão pouco que o dito “massacre” seja indesculpável, muito menos ser suficiente para desonrar a nossa História.

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Quem está a pôr em causa a honorabilidade das Forças Armadas Portuguesas e a Honra da nossa História é ele, António Costa, cidadão que ocupa transitoriamente a elevada função de Primeiro-ministro e que melhor faria em curvar-se perante as vítimas portuguesas causadas por um partido político dissidente e terrorista – a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) – e seus apoiantes, que encetou uma revolta armada em território nacional português, a partir de países limítrofes, e que está no Poder no Maputo (actual capital de uma “autodeterminação” forçada), após o miserável processo de “descolonização” iniciado na sequência dos eventos ocorridos na então Metrópole (no “Puto”), no dia 25 de Abril de 1974.

A operação Marosca

O PM Costa andou mal (o que representa o seu normal) e foi pouco cauto. Já lá iremos.

Convém ao cabal entendimento do ocorrido, e à verdade dos factos e das intenções, elaborar uma sucinta cronologia dos acontecimentos que resultaram na intervenção, certamente pensada, do PM. pessoa que deve ter dos eventos o conhecimento “do ouvi dizer” ou então – o que não é de excluir – o de dolo político e ideológico.

O “incidente” (chamemos-lhe assim) de Wiriyamu (nome que não se encontrava em nenhum mapa ou carta de Moçambique) ocorreu no dia 16 de Dezembro de 1972, a que se seguiram outros acontecimentos, dias depois. Tal incidente foi protagonizado por forças militares, nomeadamente o 4º grupo de combate da 6ª Companhia de Comandos (6ª CCmds Moç) que estavam envolvidas na operação “Marosca”, preparada nas semanas anteriores2.

A área da operação Marosca situava-se a uns 25 km a sul de Tete e tinha como pano de fundo a concentração da população local, que vivia dispersa em pequenas aldeias e cubatas isoladas e estava sob controlo duplo, mas com muitas simpatias pela guerrilha – isto é, tanto obedecia às autoridades portuguesas como aos guerrilheiros da Frelimo, que tinham expandido a sua actividade para aquela região, na intenção (sempre vã) de impedir a construção da (magnífica) Barragem de Cabora Bassa – em aldeamentos devidamente preparados. Estes aldeamentos, para além de proporcionarem melhores condições de vida e segurança às populações, subtraíam-nas à influência subversiva da guerrilha, às violências não raras vezes exercidas por esta e impedia os guerrilheiros de se misturarem e dissimularem, entre a população que, na sua grande maioria, pretendia apenas viver o seu dia-a-dia.

A 6ª CCmds retomou a sua actividade operacional (após descanso) a 6 de Dezembro, tendo realizado até ao dia 16 as operações “Medula” (1 a 11 e 14). No seu regresso da operação “Medula 14”, um dos grupos de combate da companhia foi emboscado, em 16 de Dezembro, tendo sofrido um ferido grave e cinco ligeiros.

No dia 14 de Dezembro, uma brigada da Direcção Geral de Segurança (DGS) já tinha sido flagelada próximo do aldeamento Muchamba, sem consequências; no dia 15 o inimigo (IN) tentou flagelar um táxi aéreo.

A 14 ou 15 de Dezembro, foi detido em Tete, um elemento da população que levantou suspeitas pela compra de alimentos em quantidade anormalmente avultada. Interrogado pela DGS declarou que os alimentos se destinavam a elementos da Frelimo que se encontravam próximo da sua aldeia.

No início de Dezembro a DGS tinha comunicado ao Comando da Zona Operacional de Tete (ZOT) que um conhecido e perigoso chefe guerrilheiro, de etnia maconde, de nome Raimundo – que deu muitas dores de cabeça às nossas tropas (NT) – iria visitar a “namorada” que estava na povoação de Wiriyamu, e que aquela polícia dispunha de um guia que conhecia bem a região3.

A operação “Marosca” foi assim planeada para capturar o guerrilheiro Raimundo Delepa e a directiva rezava assim: “Executar acção de choque sobre provável localização base Raimundo finalidade captura deste e captura ou aniquila guerrilheiros seu grupo. Subtrair populações ao controlo In”.

A operação foi considerada importante, sendo disponibilizados meios aéreos da Força Aérea em apoio. Os meios do Exército envolvidos foram um grupo de combate da CCS/BCaç 17 (tropas do recrutamento da Província) e quatro Grupos de Combate da 6ª CCmds. O guia da DGS seguiria com os elementos dos comandos que realizariam o assalto. As forças do BCaç17 e o comando da operação constituiriam um “Ponto de Reunião” ao km 19 da estrada Tete-Changara, para recolha das populações que fossem encontradas e apoio logístico à operação.

A Força Aérea participaria no heli-assalto, com cinco ALIII de transporte e dois heli-canhões e bombardeava algumas zonas pré designadas na margem direita do Rio Zambeze4.

A operação foi comandada pelo então Major Aparício, 2º Comandante do Batalhão Caçadores 17, hoje Coronel, por todos considerado impoluto, bom oficial e grande combatente com provas dadas.

A operação foi desencadeada ao início de sábado dia 16 de Dezembro de 1972. Ouvindo-se algum tempo depois, no posto de comando (o Ponto de Reunião, referido), rajadas de armas automáticas e explosão de granadas. Tendo o comandante da operação entrado em contacto com o Alferes Melo que era o comandante do grupo de assalto, para saber o que se passava, este respondeu que “tinham tido um contacto ligeiro e que a situação estava controlada”5.

Nada de mais relevante foi reportado tendo as forças regressado a Tete, em 19 de Dezembro e após o “debriefing” a 6ª CCmds regressou à sua base no Mazoé e foi rendida por forças “do BCP, presume-se ser a sigla para Batalhão de Caçadores Pára-quedistas (havia na altura dois batalhões de pára-quedistas em Moçambique, o 31, na Beira e o 32, em Nacala).

O relatório do comandante da operação foi entregue a 21 de Dezembro e nele constava a indicação de haver 20 mortos entre os guerrilheiros, informação recebida da 6ª CCmds, que mais tarde se percebeu ter sido incorrecta, bem como ter havido omissões ao que se passou.

Tal ocorreu poucos dias depois, por o Major Aparício ter sido informado pelo Administrador de Tete, com base num elemento da população que tinha sobrevivido à acção em Wiriyamu, que ali tinha “havido procedimentos absolutamente condenáveis e que tinham sido mortos a sangue-frio muitos elementos da população”. 6

De imediato foram informados o escalão de comando superior e efectuaram-se diligências para saber o que se tinha passado.

O elemento da população que tinha prestado informações desapareceu depois de ter sido tratado no Hospital de Tete. Neste hospital havia freiras, enfermeiras da Congregação dos Padres Brancos de Burgos, que nada disseram saber. Havia porém, em Tete, quem saberia o que se passara: o guia da DGS Chico Kachavi, que participara na operação. Este elemento foi na coluna entretanto organizada para investigar o local, verificar o que tinha acontecido e enterrar algum morto se os houvesse.

Este agente era um homem forte, negro, falava correctamente português, tinha fama de ser violento e era da confiança do Inspector Sabino, responsável pela DGS na área de Tete e pelas informações fornecidas que levaram à operação Marosca.

O agente auxiliar da DGS levou a coluna para uma zona com meia dúzia de palhotas, onde não havia sinais de violência, negou qualquer atrocidade e nenhum cadáver foi encontrado. Questionado sobre os 20 mortos referidos no relatório, retorquiu que os elementos da Frelimo já os deviam ter levado ou sepultado algures. Estas declarações não foram aceites como credíveis.

Outros locais foram visitados mas nada se encontrou.

Por essa altura o Comandante-Chefe de Moçambique determinara já a instrução de um inquérito, visto que o relatório da Operação Marosca suscitara algumas interrogações, não só porque o Raimundo não tinha sido capturado, como por não ter sido recolhido o armamento e equipamento dos 20 guerrilheiros supostamente abatidos.

Por outro lado não se encontravam em Tete quaisquer elementos da população que soubessem do incidente, passando a suspeitar-se que qualquer testemunha se tenha ausentado para longe, numa acção coordenada pelos Padres de Burgos que eventualmente pretenderiam ser eles a apresentar provas no exterior de Moçambique. 7

De facto os ditos Padres de Burgos elaboraram um relatório que entregaram ao Bispo de Tete, pressionando-o para que a igreja tomasse uma posição oficial sobre o assunto.

O Bispo, D. Augusto César Ferreira da Silva, pessoa íntegra e português de lei, foi sabendo das autoridades militares o que estas sabiam e não tomou posição pública sobre o ocorrido.

É conhecido que dos cerca de 500 padres e missionários existentes em Moçambique, cerca de 50 (muitos estrangeiros) apoiavam a guerrilha, mais ou menos às claras, o que torna de certo modo incompreensível a tolerância com que as autoridades portuguesas lidavam, no mais das vezes, com eles.

Esta gente estava sempre pronta a criticar as autoridades portuguesas e os militares, por qualquer deslize no campo dos “Direitos Humanos”, mas abstinham-se convenientemente de criticar as barbaridades cometidas pela Frelimo.

Por exemplo, na altura dos eventos aqui narrados, o Hospital de Tete albergava e tratava, dezenas de vítimas (nomeadamente crianças) das minas anti-pessoal que a Frelimo espalhava nas “machambas” sem que tal provocasse qualquer manifestação de repúdio por parte de tais missionários.

Os três inquéritos

Entretanto a 6ª CCmds regressou a Tete e foi ao local do incidente (o verdadeiro) enterrar os mortos. Estranhamente foi-lhes dito que iam ser colocados e recolhidos de helicóptero e que podiam ir desarmados (o Alferes Melo não obedeceu a esta despropositada “recomendação”). Como os helicópteros não regressaram ao fim da manhã, a força regressou a pé ao quartel. No caminho foram fortemente emboscados.

Tal resultou no primeiro inquérito dos três realizados para esclarecimento cabal do ocorrido.

O primeiro inquérito realizado de imediato, com os contornos já referidos, ouviu apenas elementos da 6ª CCmds, por não terem sido encontrados elementos da população afectada, concluiu que se tratava de um “incidente infeliz e corrente da guerra”, como o classificou o Comandante-Chefe, General Kaúlza de Arriaga, o qual na altura dos acontecimentos estava em Lisboa de licença, tendo regressado na véspera de Natal, para o passar com as tropas, como sempre fazia. 8

O 2º inquérito foi determinado pelo Comandante-Chefe, em Março de 1973. Foi instrutor o Inspector dos Serviços de Justiça da Região Militar de Moçambique, Coronel Pereira da Silva, cujas conclusões são conhecidas em 29 de Maio de 1973.

Na informação é referido que:

Na região onde teve lugar a operação “Marosca” existia uma base In e a população estava praticamente toda subvertida e colaborante com o In.

Houve avisos à população, até em língua nativa, para que não fugissem o que não surtiu efeito.
Foram abatidos 63 elementos e não 20 como consta do relatório.

No tocante ao desenrolar da operação numa região com uma população totalmente subvertida (…) não havia possibilidade de distinguir uns dos outros (guerrilheiros, da população).

No parágrafo 04 constava como “parecer” da chefia do serviço, “que as unidades deviam ser mais exactas na comunicação dos resultados obtidos quando envolvessem populações ou colaboradores do In abatidos” e “que os autos fossem arquivados aguardando melhor prova”.

O General Comandante despachou: “Visto. Concordo com a proposta em 04 da presente informação”.

O assunto parecia assim encerrado.

Porém, a 10 de Julho de 1973, um padre inglês de nome Adrian Hastings publica no jornal The Times, de Londres, um artigo onde denuncia acontecimentos graves, que assemelha a uma chacina, que se teriam passado na tal aldeia de Wiriyamu da responsabilidade das autoridades e forças militares portuguesas.

Tal artigo não foi inocente dado que provocou ou acompanhou manifestações anti-portuguesas que ocorreram durante a visita à capital inglesa do então Presidente do Conselho, Professor Marcello Caetano, a iniciar em 16 de Julho. Tais manifestações, onde participaram vários portugueses que militavam em forças opositoras ao regime português, onde se destacou o Dr. Mário Soares, prejudicou imenso a visita, que se destinava a comemorar os 600 anos da Aliança Luso-Britânica (a convite do governo inglês).

Era essa, aliás, a intenção.

O Governo Português, apanhado de surpresa, desmentiu os eventos e mandou averiguar o que se teria passado.

Em Agosto de 1973 o Engenheiro Jorge Jardim, personalidade muito influente em Moçambique (e algumas das suas acções ao longo do tempo qualificam-no, sem favor, como uma espécie de “agente 007” do Professor Salazar) pediu ao Governador-Geral, Engenheiro Pimentel dos Santos, para fazer uma investigação directa para completo esclarecimento dos factos, o que foi autorizado, sendo outorgada a respectiva autoridade e facilidades. 9

Não se sabe ao certo as razões que levaram o Eng. Jardim a encetar esta investigação. Para a mesma, Jorge Jardim foi acompanhado por um fotógrafo francês, do “Paris-Match”, um jornalista inglês do “Daily Telegraph” e um jornalista português do “Notícias da Beira”.10

Jorge Jardim – sob quem não recaíam quaisquer suspeitas de ser mentiroso – conseguiu entrevistar alguns nativos referenciados como sobreviventes do “incidente” ocorrido e que se encontravam no aldeamento de M’Padua. Foi-lhe dito que “os padres espanhóis haviam raptado uma das testemunhas mais importantes (…) e (…) haviam conduzido à Missão de Boroma (…) uma mulher que era a chave do problema (a Podista) a quem tinham dado dinheiro e roupas para a fazerem gravar declarações concordantes com a versão que haviam divulgado”.

Seguiu-se ainda, a pedido de Jardim, “uma excursão investigadora pelo mato, seguindo os guias por mim seleccionados”. Além da escolta, o grupo foi acompanhado pelo Major Hélio Xavier que prestava serviço na ZOT.

Foram visitadas as “povoações” de Chawola, Joawo e Wiriyamu (três pequenos núcleos de palhotas próximas umas das outras), onde depararam com “indiscutíveis vestígios de excessos dispensáveis cometidos, meses atrás, por unidade militar…”.

Por relato do Major Xavier sabe-se que a “Podista” quando chegou a Chawola pediu para ir visitar a sua antiga cubata e aí se depararam com 23 esqueletos.

Foi tudo fotografado e fez-se a comunicação ao Governador de Tete e Comandante da ZOT, ao novo Comandante-Chefe General Bastos Machado e ao Secretário-Geral do Governo de Moçambique, por o Governador se encontrar em Lisboa.

As fotos ficaram, no entanto, na posse do Engenheiro Jardim.

O Engenheiro Jardim veio então a Lisboa onde se reuniu com o Chefe do Governo, que estava acompanhado pelos Ministros da Defesa; do Ultramar: dos Negócios Estrangeiros e pelo Governador-Geral de Moçambique.

Após muita discussão, foi decidido fazer um comunicado público sobre as novas descobertas; destituir o Governador de Tete e Comandante da ZOT, Coronel Videira, por “negligência investigadora” – o que configurou uma enorme injustiça – e abrir um novo inquérito para o qual foi nomeado o Brigadeiro Nunes da Silva.

No despacho de nomeação do referido oficial, exarado em 28 de Agosto de 1973, pelo Ministro da Defesa, General Sá Viana Rebelo, determinava-se:

“1. O Brigadeiro Nunes da Silva apresenta-se urgentemente, se possível dentro dos próximos três dias, no Quartel-General do Comando-Chefe de Moçambique, em Nampula.”

“2. NO QG de Nampula assumirá a direcção do inquérito que foi ordenado (…).

“3. Na sequência do inquérito o Brigadeiro Nunes da Silva procederá às averiguações e, se for o caso, o Auto de Corpo de Delito que estará concluso para a visita que tenciona fazer a Nampula em 16 de Setembro, próximo.”

“4. O Brig. Nunes da Silva pedirá ao Sr. General Comandante-Chefe e Cmd da RMM o apoio da Rep. de Justiça do QG para a elaboração dos seus trabalhos de acordo com as disposições do Código de Justiça Militar e bem assim o que mais necessitar para cumprimento da sua missão”. 11

Em 19 de Setembro de 1973 o Brigadeiro Nunes da Silva apresenta as suas conclusões em informação sobre o despacho da sua nomeação. Nela, para além da discrição da situação que se vivia na zona e de indicar que as averiguações tinham passado a “auto de corpo de delito”, em que eram arguidos dois comandantes de grupo de combate da 6ª CCmds, são indicadas as diligências efectuadas tendo como ponto de partida o artigo publicado por Bruce London no jornal londrino Daily Telegraph, em 20 de Agosto de 1973, que relatava com bastantes pormenores o caso de Chawola, ao qual se cinge o despacho citado em epígrafe (que era do MDN).

Do auto de corpo de delito em que as averiguações se transformaram apurou-se que:

Os acontecimentos de Wiriyamu têm a ver com a actuação da 6ª CCmds, nas condições já relatadas (em inquéritos anteriores);

Que das declarações das testemunhas (todas nativas) não há qualquer referência a maus tratos às populações ou a situações de intencional fuzilamento;

Que não se prova que as forças da 6ª CCmds tenham sido causadoras do “caso de Chawola”.

O Brig. Nunes da Silva finalizava (ainda seguindo a obra citada, pág. 333): “Consequentemente, e restringindo-me ao despacho de S. Exª o MDN, que só determinou averiguações sobre aquele “caso”, julgo que o auto deverá ser arquivado, aguardando melhores provas”.

Apresentava de seguida três hipóteses para continuar ou encerrar as averiguações feitas, considerando o arquivamento como a mais justa, face “ao que, em minha consciência, creio ter sido o que, efectivamente se passou”.

Sobre este inquérito exarou o MDN, no dia 19 de Setembro de 1973, em Tete, um longo despacho onde após descrever as condições averiguadas em que se deram os factos, conclui:

“1º Foi reprovável a acção dos militares dos grupos que tomaram parte na operação ao fazerem fogo com as suas armas sobre elementos da população o que talvez pudesse ter sido, em parte, evitado e não terem sepultado imediatamente os cadáveres.

2º No entanto tal acção, a única que levantou rumores públicos em 9 anos de luta em Moçambique, tem justificação no facto dos militares saberem que os terroristas se encontravam no local, e dirigidos por um perigoso chefe, que a população não respondera ao convite para se afastar considerando-se, portanto, aderente e ainda que o início do incidente resultou de os terroristas dissimulados terem tentado fugir quando era mínimo o pessoal que os vigiava; o facto de os cadáveres ficarem insepultos no dia da acção deve-se à impossibilidade de os militares o fazerem no momento, o que intentaram fazer mais tarde.

Determino assim, que seja arquivado o presente auto de corpo de delito, ficando encerrado o chamado caso Chawola.”

O assunto ficou assim, oficialmente encerrado, assumindo os autores da obra da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África) – logo o Exército Português – que “assim se encerrou, oficialmente, este lamentável incidente que, além dos sofrimentos produzidos nas populações afectadas, foi desprestigiante para o Exército e para o País.”

Ou seja, não se procurou esconder algo que correu mal, tão pouco desresponsabilizar seja quem for, dando o enquadramento factual e adequado, ao ocorrido.

Existe, porém, uma contradição, no mínimo uma linguagem menos explícita, entre o relatório final do Brig. Nunes da Silva e o despacho do MDN Gen. Sá Viana Rebelo (que, a talhe de foice, tinha feito publicar, em Julho, o célebre decreto-lei 373/73, que veio a dar origem ao “25 de Abril”) é que nas conclusões do seu relatório, o referido oficial afirma que “não se prova que as forças da 6ª CCmds tenham sido causadoras do ‘caso de Chawola’”; ora o Ministro no fim do seu despacho, determina que “seja arquivado o presente auto de corpo de delito, ficando encerrado o chamado caso de Chawola.”

Presume-se que quisesse escrever “Wiriyamu”, conforme referido e bem, pelo Brigadeiro relator.

Levanta-se, porém, a questão: o que aconteceu em Chawola? E quais os intervenientes? Ao que se sabe as fotos que ficaram na posse do Engº Jardim ainda existem e estão a bom recato.

Resta ainda apurar uma perplexidade: a “Frelimo” sabia certamente de todos estes episódios e sabendo-se a importância que tinha para esta organização a “exploração” destes eventos, porque é que a tal nunca foi dado relevância na sua propaganda?

Outras considerações

A notícia saída no “The Times”, da autoria do Padre Hastings (que obteve os dados através dos chamados “Padres de Burgos”, consabidamente gente impregnada de doutrinação marxista e inimigos declarados do conceito português (notável e único) de ser uma Pátria pluriracial e pluricontinental), eivada de mentiras e cheia de más intenções e propósitos, foi logo desmascarada por um jornalista americano, James J. Kilpatrick, que escreveu na “National Review”, no seu número de 10 de Maio de 1974, pondo em causa a verdadeira notícia do “Times” e sua intenção, intitulada “Um massacre praticado pelos portugueses relatado por padres”.12

Este artigo foi revelado pela revista quinzenal “Resistência”, no seu número 81/82, de 15 de Julho de 1974, mas parece que os “opinadores” da actualidade a ignoram ou lhe dão pouco crédito.

A notícia do “Times” em que muitos acreditaram (e acreditam), vem recheada de acusações delirantes tais como: “soldados portugueses a jogarem à bola com cabeças de bebés”; violação sistemática de mães, que após o acto eram assassinadas com os respectivos filhos; jogarem bebés ao ar e receberem-nos quando caíam na ponta de punhais; fuzilamentos sumários; gente queimada e outros “mimos”, práticas que naturalmente deviam ter sido ensinadas nas Academias Militares e depois transpostas para o treino do que fazer em campanha.

No fim, apresentava-se a cifra de ”mais de 400 mortos” (para ter impacto na opinião pública), quando na área apresentada as povoações eram muito dispersas e pouco povoadas e os aldeamentos apresentados como mais prováveis de terem sido objecto do tal “massacre” não ultrapassarem a dúzia de cubatas. Aliás, 400 pessoas equivaliam, na altura, naquela zona de Moçambique, a uma pequena cidade.

Tal não passou despercebido à argúcia (e honestidade intelectual) do jornalista americano, mas aos editores do “Times” não fez suspeitar que a história contada pelo padre Adrian Hastings (que nunca tinha estado em Moçambique, e também não dominava a língua castelhana) pudesse conter algumas inverosimilhanças ou constituir, como mais tarde afirmou, um “massacre sistemático de genocídio”13.

A notícia correu mundo e muitos correspondentes internacionais desembarcaram em Moçambique para investigarem o assunto. O Padre Hastings voltou ao “Times” para novas justificações, o mais das vezes imprecisas, até que as críticas contra o jornal obrigaram, em Fevereiro de 1974, o “British Press Council” a vir a terreiro defender o “Times”, criticando-o.

E para se ver como é vulgar a imprensa tratar os assuntos com dois pesos e duas medidas (ou mais), cita-se o caso do Washington Post ter, logo a 17 de Janeiro de 1974, após ter recebido informação de um “massacre” de 17 civis na aldeia de Nhacambo, cometido pela Frelimo (e documentado pela Cruz Vermelha) dado a notícia em três parágrafos, convenientemente escondidos sobre um pequeno título: “A ofensiva da Frelimo”.

Considerações finais

Do descrito anteriormente pode concluir-se:

Que se o artigo do Padre Hastings não tivesse sido publicado no “The Times” – sem que este jornal tivesse o mínimo cuidado em confirmar qualquer dos eventos lá descritos – o caso de Wiriyamu teria ficado arquivado junto aos registos das milhares de operações que se registaram durante as últimas campanhas ultramarinas.

Esta notícia, na sua maioria falsa, mentirosa e tendenciosa, não saiu por acaso e enquadrou-se na campanha internacional que os inimigos de Portugal e do modo de estar no mundo dos portugueses, faziam amiúde contra o nosso país.

Nesta campanha participavam forças políticas minoritárias criadas em Portugal e cujos principais dirigentes se encontravam exilados no estrangeiro que, a pretexto de combater o regime político que regia a vida nacional, não hesitaram em apoiar objectivamente os inimigos da sua Pátria e as forças que nos emboscavam as tropas.

Esta actuação tem um nome em todos os dicionários, nos códigos penais e na consciência dos povos: chama-se traição.

O que se passa de menos bem na vida das instituições, dos povos ou dos países deve ser assumido (como também o que se faz de bem); os seus autores devidamente responsabilizados e o(s) assunto(s) devidamente enquadrados e arrumados.

Ora sendo certo que algo correu mal, tendo em conta o comportamento ético-deontológico de um Exército civilizado – que foi sempre a matriz principal das Forças Armadas Portuguesas desde o início da nacionalidade – no sentido em que se apurou terem sido mortos pelo menos oito, ou talvez mais, dezenas de elementos civis (apesar das atenuações e justificações apontadas) de uma forma menos consentânea com tais princípios e matriz comportamental, tal deveu-se a um descontrolo de comando, a um nível baixo do escalão de comando, que estava a exercer funções superiores à sua (estava a comandar uma companhia do comando de capitão, sendo alferes miliciano) e ao exorbitar de funções de um agente auxiliar da DGS, desenquadrado.

Nada do que se passou constituía prática comum, ou oficial, em directivas superiores, tão pouco se coadunava com os princípios da acção psicológica em vigor que se podem sumarizar na frase, que era doutrina, “convencer inteligências e conquistar corações”.

E se no superior julgamento dos oficiais que presidiram aos diferentes inquéritos não foi considerado necessário – devido ao “stress” operacional envolvido – punir ninguém, já se percebe menos que quem omitiu no relatório da Operação Marosca eventos relevantes do que se passou, não tenha sido punido, por mentir.

O único militar que acabou punido foi o Governador de Tete e Comandante da ZOT, Coronel Pára-quedista Videira, oficial de grande competência militar e estofo moral, que não tinha qualquer responsabilidade no ocorrido, mas acabou a servir de bode expiatório. Foi uma injustiça praticada pelo Professor Marcello Caetano que, na altura, já se encontrava muito perturbado pelos problemas da governação, e provavelmente nunca recuperou dos estragos que a notícia do “The Times” lhe tinha causado na sua visita a Londres.

Ora um incidente do tipo do ocorrido, num conflito de guerrilha, onde se defrontavam até etnias diferentes, tinha grandes probabilidades de ocorrer e o número diminuto de ocorrências tem de ser atribuído ao grande profissionalismo e humanidade com que a generalidade das tropas portuguesas se portou durante os 14 anos (não foram 14 meses!) de operações contínuas e que se conta por milhares anualmente, em cada Teatro de Operações de Angola, Guiné e Moçambique. Neste último território ao tempo do incidente, faziam-se em média 150 operações militares por dia.

Ou será que se deve comparar o que aconteceu em Wiriyamu e Chawola, com o bombardeamento de Dresden, por americanos e ingleses, com bombas de fósforo, em que morreram 200.000 alemães; o fuzilamento sumário de cerca de 4.000 cidadãos da elite polaca em Katyn, pelos russos; para já não falar na eliminação sistemática de minorias, pelos alemães, onde se destacaram os judeus?

Exemplos, esses sim, de acções que desonram os respectivos países e forças militares!

Mas ao contrário das nossas tropas, os guerrilheiros da Frelimo (que nem estatuto de militares possuíam, note-se) não se eximiram a forçar, raptar e matar as populações que não lhes quisessem obedecer, ou utilizar métodos ou meios proibidos pelas leis, ou pelas convenções de Genebra ou o Direito da Guerra. Do mesmo modo que se “depuravam” ou matavam entre si.

O que, presume-se, seja considerado digno e respeitável por parte do nosso actual Primeiro-Ministro e que, infelizmente, não é o único.

Possivelmente terá escapado à perspicácia do “nosso” PM que à data dos acontecimentos de Wiriyamu, Moçambique era Portugal e não um Estado independente (hoje um estado falhado, corrupto, miserável e em regressão civilizacional – convém chamar as coisas pelos nomes), onde as forças militares eram maioritariamente do recrutamento local e 57% eram negras. Ou seja, havia muito mais militares negros (e só não havia mais porque não havia quadros para os enquadrar e armas para distribuir, não por falta de voluntários) a combater a guerrilha do que guerrilheiros militavam na Frelimo e não queriam ser portugueses.

Ou seja, se houvesse que pedir desculpas seria, na altura, à família das vítimas e prestar-lhes as devidas compensações.

Ou por acaso está a pensar pedir desculpa por o Vasco da Gama ter-se lembrado de aportar por lá?

Mas já que o Dr. António Costa está muito preocupado nestas “reparações históricas” aconselho-o vivamente a procurar desculpas em quem ao longo dos tempos nos tratou mal, e dou-lhe já dois exemplos: na próxima cimeira luso-espanhola (que o governo português permitiu, indecorosamente, durante anos, que se chamasse “ibérica”), exija aos espanhóis aqui tão próximos, que nem água nos querem enviar, que peçam desculpas por nos terem atraiçoado na “Campanha do Rossilhão”; e aos ingleses – por quem agora decretaram três dias de luto nacional, por morte da monarca Isabel II – por via de terem deixado, pela Convenção de Sintra, que o Junot e as tropas que comandava, se retirassem de Portugal, em 1808, como se nada se tivesse passado, e com tudo o que tinham roubado, para França, fazendo “o favor” de os transportarem em navios da “Royal Navy”!

Ou, melhor ainda, porque não pede desculpa às famílias e ao País, por ter havido, no zénite da loucura do PREC, a entrega ignominiosa e criminosa, de militares portugueses à Frelimo, nos idos de 1975?

O Senhor não merece qualquer respeito e é uma vergonha nacional! Devia ter sido demitido na hora.

Lamentavelmente apenas houve um partido político a defender a Honra do País e a criticar as suas posições, e nenhuma instituição nacional teve também a decência de o fazer.

Conclusão

Por tudo o que foi exposto, o PM, Dr. António Costa, não tinha nada que proferir o que disse e devia retratar-se pedindo, isso sim, desculpa ao que resta da Nação Portuguesa e a todos os Moçambicanos que foram impedidos de continuar portugueses, por tudo o que se passou.

O senhor é um mau português e o seu comportamento roça a apostasia.

1 “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, referindo-se aos pilotos da RAF que defenderam os céus ingleses da ofensiva da Luftwaffe alemã, em 1940.
2 A 6ª CCmds era toda constituída por pessoal do recrutamento da Província, à excepção do Capitão Gonçalo Fevereiro, que a comandava e que, na altura dos eventos estava de baixa, por doença (hepatite), em Lourenço Marques.
3 Temos estado a citar parte do que está escrito no volume 6 “Aspectos da Actividade Operacional”, Tomo III, “Moçambique”, Livro II, 1ª edição, Lisboa, 2012, do Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), pág. 324 e seguintes. É pois história oficial. E para nós é séria e elaborada por gente séria.
4 A participação das FA encontra-se também descrita no livro “Voando no Céu do Reino do Monomopata”, de autoria do General Vizela Cardoso, que na altura (Capitão) comandava a Esquadra 702, Escorpiões, do Aeródromo Base 7, em Tete, que operava as aeronaves “Fiat G-91”.
5 António Melo, oficial miliciano, nascido em Aveiro e ido muito cedo para Moçambique para onde a família se estabeleceu. Seu pai era funcionário dos Caminhos de Ferro da Beira.
6 Resenha Histórica Militar das Campanhas de África, obra citada, pág. 327.
7 É natural que assim se pensasse, pois esta “comunidade” de conotação marxista era muito crítica das autoridades portuguesas e sendo inimiga da presença de Portugal em África, apoiava claramente a Frelimo.
8 Veja-se livro “Guerra e Política”, pág. 343 e seguintes, de sua autoria. O General Kaúlza de Arriaga nunca escondeu nada e não tinha nada a esconder. E foi um grande General.
9 Ver Jorge Jardim, “Moçambique, Terra Queimada”, Editorial Intervenção, Lisboa, 1976, pág. 108 e seguintes.
10 Respectivamente, Patrick Chauvel; Bruce Loudon Carneiro Gonçalves.
11 Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África”, ob. cit., pág. 331. Toda a documentação sobre os assuntos versados existe no Arquivo Histórico Militar e Arquivo da Defesa Nacional.
12 Aparentemente a “documentação” sobre o que os Padres de Burgos entenderam dizer sobre Wiriyamu, saiu “clandestinamente” de Moçambique, via aérea, a partir de Lourenço Marques, em Fevereiro de 1973.
13 O Padre Hastings pertencia ao Colégio da Ascensão de Birmingham e já era conhecido das autoridades portuguesas desde que 20 anos antes começou a fazer propaganda contra Portugal a propósito da questão de Goa. Segundo o jornalista James Kilpatrick no artigo acima referido, que em Janeiro de 74, o correspondente religioso do “Times” Sr. Clifford Langley referiu-se ao Padre Hastings como sendo “um homem apaixonado e colericamente adversário da máquina colonial portuguesa e seus acessórios”. Ainda segundo o mesmo autor, em 21 de Julho de 1973 o correspondente do “Washington Post” em Madrid teria entrevistado alguns padres de Burgos (os principais informadores de Hastings) que lhe disseram que “nós estamos ao lado dos pretos e o nosso dever é denunciar os assassinos do colonialismo branco.”