Quanto mais discursos negativos, pior é a reação dos mercados. A lição pode ser retirada de um trabalho de investigação publicado pelo Banco Central Europeu em julho de 2013, mas que os responsáveis europeus parecem não ter aprendido, a julgar pela guerra de palavras e vincar de posições entre responsáveis, especialmente alemães e os governantes gregos.

À entrada de mais uma semana crítica para o futuro da Grécia, o conflito parece ganhar novas dimensões. Wolfgang Schäuble, numa entrevista a uma rádio alemã, disse ter “pena dos gregos” por terem votado num governo que se comporta de forma “muito irresponsável”, uma acusação devolvida por um porta-voz do Governo grego. A guerra de palavras na praça pública tem vindo a subir de tom e as declarações de Schäuble surgem apenas três dias depois de o seu homólogo grego, Yanis Varoufakis, ter feito comparações entre os membros da troika e os agentes da CIA que torturaram prisioneiros.

Os pedidos para reduzir a intensidade da retórica também já saíram para a praça pública, como foi o caso do ministro das Finanças da Áustria na entrada do Eurogrupo extraordinário da passada quarta-feira, mas não só. No entanto, têm sido ineficazes. Na entrada de mais uma semana decisiva para a Grécia, será que os responsáveis europeus aprenderam com as lições da crise?

Há muitos episódios de falhas na comunicação política durante a crise que exemplificam o impacto que as palavras têm nos mercados. Exemplos? Em outubro de 2010, quando Merkel e Sarkozy se reuniram em Deauville, França, e decidiram que os futuros resgates a seguir à Grécia teriam de impor perdas aos privados. Em março de 2013, quando Jeroen Dijsselbloem sugeriu uma taxa sobre todos os depósitos para dar um resgate ao Chipre. Ou, em Portugal, a demissão ‘irrevogável’ de Paulo Portas em julho de 2013, na sequência da decisão de Pedro Passos Coelho de nomear Maria Luís Albuquerque para suceder a Vítor Gaspar.

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Há, pelo menos, duas coisas que estas três declarações têm em comum: em primeiro lugar, nenhuma delas se concretizou. Em segundo lugar, todas tiveram um impacto nos mercados de dívida. Ou seja, os juros exigidos pelos investidores para deterem dívida pública dos países do euro aumentaram, principalmente dos países em maiores dificuldades.

As declarações, por vezes contraditórias, de intenções que se revelaram desastrosas mais tarde, foi por isso analisada em parte por quatro economistas. O seu trabalho foi publicado em julho de 2013, pelo Banco Central Europeu com o título “Loose Lips, Sinking Markets?”, que em português numa tradução livre, seria qualquer coisa como “Boca grande, mercados a cair?”

Para chegar a uma conclusão, os autores decidiram analisar comunicações políticas dos responsáveis europeus entre janeiro de 2009 e outubro de 2011, tanto dos 27 países que compunham a União Europeia na altura (a adesão da Croácia ocorreu apenas em julho de 2013), utilizando para isso 25 mil notícias.

O resultado é muito direto: quanto mais discursos negativos dos responsáveis europeus, mais os juros da dívida soberana subiam. Mas não se fica por aqui. Quando os políticos da zona euro falavam sobre reestruturação de dívida, resgates ou o envolvimento dos fundos de resgate, isso tinha um impacto nos juros da dívida. Quanto mais esses responsáveis emitiam comunicados ao mesmo tempo ou com distâncias curtas de tempo entre eles, mais os juros aumentavam.

Neste caso também se aplicava a máxima, “quanto maior o poder, maior a responsabilidade”. As declarações dos políticos dos países com rating máximo dado pelas principais agências – AAA – tinham um impacto maior que as declarações dos restantes.

O impacto também é diferente entre os países da zona euro. Os mais afetados eram a Grécia, Irlanda e Portugal, seguidos de Espanha e Itália. O impacto maior foi quantificado na Grécia: uma palavra negativa num discurso político (transmitido por uma agência de notícias) provocava um aumento de 0,7 pontos base no custo da dívida face ao que a Alemanha paga no mercado. Os aumentos eram menores para Irlanda e Portugal, 0,4 e 0,17 pontos base respetivamente, mas também existiam.

Os economistas concluíram também que os políticos a nível supranacional – não eleitos, como é o caso dos comissários europeus, por exemplo – têm tendência para falar de forma mais positiva que os políticos nacionais. “Os legisladores supranacionais apontam para a necessidade de outros tomarem medidas, enquanto os legisladores nacionais se referem de forma mais evidente aos falhanços dos outros”, escrevem os autores, explicando que isto foi especialmente verdade a seguir aos pedidos de resgate da Grécia, Irlanda e Portugal, e das negociações do segundo resgate e da reestruturação da Grécia.

Recomendações?

Para reduzir o impacto negativo, os autores deixam um conjunto de recomendações aos países.

  • A mensagem deve ser calibrada com cuidado, para evitar colocar mais achas na fogueira. Substitutir expressões mais negativas como seriam por exemplo “alerta para um elevado risco de insucesso” por “uma implementação rigorosa do programa é uma condição crucial para o sucesso do programa”.
  •  Falar a uma só voz. Os esforços para conseguir uma linha de comunicação construtiva podem ser facilmente destruídos por declarações menos preparadas de políticos menos cuidadosos.
  • A comunicação dos responsáveis europeus deve ser mais eficiente para que os mercados assimilem mais a mensagem tendencialmente mais positiva destes responsáveis (Comissão Europeia, Conselho Europeu e Eurogrupo).

Cinco anos de crise, será que os responsáveis europeus aprenderam?

Desde 25 de janeiro, quando o Syriza ganhou as eleições legislativas na Grécia, que o tom da retórica entre responsáveis europeus tem vindo a ficar mais agressivo. Ainda antes das eleições, Alexis Tsipras já considerava a estratégia da troika para a Grécia como o equivalente a “fiscal waterboarding”, qualquer coisa como “tortura orçamental”. Yanis Varoufakis também usou o mesmo termo recentemente para comparar os membros da troika a elementos da CIA que torturavam prisioneiros, no sentido de que havia boas pessoas de ambos os lados, mas as suas ações tinham consequências danosas.

Do lado dos líderes nacionais europeus, o mais forte tem sido o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble. Numa entrevista divulgada nesta segunda-feira pela rádio alemã Deutschlandfunk, o governante alemão disse ter pena dos gregos por terem votado num Governo que se comporta de forma irresponsável e que está muito cético em relação à possibilidade de chegarem a um acordo na reunião de hoje, e que “ninguém quer dar mais dinheiro à Grécia sem garantias”.

O austríaco Hans Jörg Schelling, que pedia à Grécia para reduzir o tom, disse também que o Governo grego está “em modo eleições e não em modo de trabalhar” e o New York Times publicou um artigo de opinião de Yanis Varoufakis, em que este diz que não vai recuar nas linhas vermelhas defendidas pelo Syriza e que esta não é a altura para “jogar”, em alusão à sua formação como economista especializado em Teoria dos Jogos.

Com o tempo a escassear para se encontrar uma solução para a crise na Grécia, o discurso continua a subir de tom. E os juros da dívida grega também.